Cunha e Silva Filho


        A partir desta coluna faço modificações que alvitrei necessárias. A primeira é no título destas memórias na sequência, até agora, de 8 textos, Minha formação,  o qual passa a denominar-se Apenas memórias. Peço minhas desculpas ao leitor/a quando, tendo lido algum texto meu deste blog, haja se deparado comm erros de digitação ou mesmo algum lapso de linguagem em texto que se pretende escrever com o melhor apuro possível da  norma culta em língua portuguesa. Por outro lado, não tenho pejo de me permitir empregar formas do uso coloquial do português brasileiro que o espírito intelectual progressista de Mário de Andrade (1893-1945)  considerava normal. Por exemplo, o uso de  "pra"  e seus derivados mesmo num ensaio, assim como o fazia na sua obra ficcional e poética.
     Por conseguinte, o leitor inteligente e ainda apegado aos exageros da normatividade gramatical há de me entender e até de escusar-me por não parecer tão gramatiqueiro.Professores que, graças a Deus, tive ou conheci  na universidade, linguistas de renome nacional e internacional, como Mattoso Câmara Jr. (1904-1970), Aryon Dall'Igna  Rodrigues, Sílvio Edmundo Elia (1913-1998) e outros mais jovens. – esses sábios tão sintonizados com os avanços da linguística, me abriram os olhos para que não ficassem fechados na pura normatividade culta, sabendo aqueles mestres que a língua é dinâmica no tempo e no espaço e o seu uso não pode virar absolutamente uma camisa de força que, de resto, tanto emperra a liberdade criativa de um escritor.
   O poeta Manuel Bandeira (1886-1968)), poeta criativo e progressista, tradutor e conhecedor de línguas, além de profundo conhecedor do vernáculo, no seu tempo, já vislumbrava a ineficácia e o reacionarismo dos puristas num poema famoso, "Poética" - signo de sua aderência ao modernistas de 1922: [...] “Abaixo os puristas// Todas as palavras, sobretudo os barbarismos universais/Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção/Todas os ritmos sobretudo os inumeráveis” [...] (1)
   Os leitores que me conhecem há tempos, especialmente os piauienses de mais idade, seguramente nunca pensarão que um estudioso como eu possa cometer erros palmares após ter feito uma carreira acadêmica desde a graduação até o pós-doutorado na UFRJ. e carregando, atrás de si, há anos o tirocínio de conviver com o exercício da língua portuguesa no ensaio, na crítica, no artigo doutrinário, na crônica, enfim, em qualquer texto (aqui empregado no sentido que lhe dava o tradutor, ensaísta e crítico literário José Paulo Paes (1926-1998).
  Por outro lado, qualquer professor, escritor está sujeito a cometer erros gramaticais que lhe escapam muitas vezes inconscientemente e é por esta razão que existem os revisores de textos de publicações sérias, os quais são profissionais conhecedores da língua em que o texto está escrito e que, por sua vez, não podem nem devem ser tão puristas e retrógrados na sua atividade que reputo das mais importantes na edição de uma obra, quer literária, quer científica ou técnica.
  O leitor/a culto/a não pode cometer a injustiça se pensar que um escritor seja perfeito qual um Deus da gramática normativa e, desta maneira, por pressa,  subestimar ou julgar mal a reputação ou o valor de um escritor que, por um motivo ou outro, possa “parecer” – não “ser’ - mal interpretado, mais por falha do analista, naquilo que escreve com elevada dedicação e mais genuíno amor às potencialidades que o ato da escrita lhe pós à criatividade e origialidade.
  Lembro, ademais, a circunstância de que um texto postado não está esgotado nas suas possibilidades de acréscimos, correções, limpezas gramaticais ou estilísticas, assim como de dados referenciais. Me parece mais um primeiro rascunho, uma versão provisória suscetível dessas alterações. São inúmeros os escritores brasileiros que sempre fizeram modificações, por vezes, substanciais em suas obras. Haja vista o caso do romancista piauiense, O.G. Rego de Carvalho (1930-2013), o qual passou a vida modificando sua obra, num sentido afirmativo, de atingir a melhor forma literária possível, tornando-se, assim,um prato cheio para a crítica genética.Se não tivesse optado por estudar no Mestrado o poeta Da Costa e Silva (1885-1950), teria feito um trabalho exegético da obra desse brilhante ficcionista de Oeiras, sua terra natal.
  Ao bom leitor/a  lhe interessa mais o valor intrínseco da obra. É com esse dado que fará um juízo da dimensão, qualidade ou fracasso de uma obra, visto que, numa escala quádrupla, há obras ótimas, boas, médias, fracas ou falhadas.
   Lima Barreto (1881-1922) foi, injustamente,  muitas vezes  tachado por críticos gramaticais, de “escritor desleixado” com a língua, com a gramática. Por miopia de alguns críticos  literários, que não souberam interpretar as intenções estilística do autor de O triste fim de Policarpo Quaresma (1909, edição feita em Lisboa) no período que se convencionou denominar Pré-modernismo. Só mais tarde, uma crítica mais bem aparelhada com inovações na análise literária, constatou  os motivos estéticos da linguagem renovadora limabarretiana. Aqueles críticos gramaticais ou filológicos só tinham olhos para escritores ditos puristas, de linguagem rebuscada, à Coelho Neto (1864-1934) e à Rui Barbosa (1849-1923)..
  Peço vênia ao leitor/a,  para fazer uso de um jargão jurídico, que não me tomem por pretensioso ao tecer estas ponderações, mas seja indulgente com o fato de que, se escrevo meus textos, sobretudo se mais longos ou em séries, à semelhança do que, no século XIX, faziam os escritores de folhetins (feuilletons) como Manuel Antonio de Almeida (1831-1861), Joaquim Manuel Macedo (1820-1882), José de Alencar (1829-1877) e outros, é bem possível e até escusável que algumas gralhas escapem, mesmo se forem uma concordância errônea, um erro de regência,  uma vírgula mal colocada. São os “disparates de todos nós” de que falava o mordaz e brilhante crítico impressionista Agripino Grieco ( 1888-1973)

Na próxima coluna, darei continuidade às memórias e, para não cansar o leitor/a, intercalarei artigos de natureza vária.Até breve!

NOTA:

(1) BANDEIRA, Manuel. "Poética" In: -- .Poesia completa e prosa. Volume único. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 207.