Eu me Lembro
Por Bráulio Tavares Em: 28/05/2019, às 12H12
Por Bráulio Tavares
1
Eu me lembro de quando minha Tia Adiza começou a comprar para mim, por volta de 1959, pelo Reembolso Postal, a coleção das Obras Completas de Conan Doyle (Edições Melhoramentos, a coleção vermelha/azul/verde), e me levava no Correio para que eu tivesse o gosto de receber pessoalmente o pacote (vinham 2 livros por mês). E me lembro de ir lá de novo em 1974, para receber livros de Jorge Luis Borges da Ed. Emecé, no mesmo balcão, no mesmo guichê, à esquerda de quem entra.
2
Eu me lembro de quando eu tocava nos Sebomatos (portanto foi em 1969) apareceu em Campina um dinâmico produtor que dizia se chamar John Louis, ou Johnny Lewis, já que nunca vimos o nome dele por escrito; vinha vender um show de Bob Lester, o cantor de rock e sapateador, acho que já sessentão, naquela época. Precisava de uma banda local para acompanhar o ídolo, e tinham indicado a gente. No espaço de 24 horas arranjou-se divulgação, ensaio, o Teatro Municipal, uma venda de ingressos da qual não faço idéia, porque tudo que a gente queria era tocar num palco de verdade, e cantar em microfones (a gente tinha guitarras e amplificadores, mas ensaiava na guela). O sucesso foi absoluto e felliniano.
3
Eu me lembro dos bichos empalhados que tinha na vitrine da loja Palacinho da Criança, onde minha mãe e minha tia levavam a gente para admirar, ali numa transversal da Maciel Pinheiro. A loja era pequena, mas a vitrine tinha os bichos em pose bem real e uma iluminação meio mágica. Vizinho à loja ficava o caldo de cana de Hipólito, onde quinze anos depois ficaria exposta a foto dos Sebomatos, porque o fotógrafo era Telmo.
4
Eu me lembro do dia em que o Brasil ganhou a Copa do Mundo de 62, porque na de 58 eu não era torcedor ainda. Agora já. Me lembro depois do fim dos 3x1 sobre a Tchecoslováquia (era um país que tinha naquele tempo) eu parado no terraço da casa dos meus pais no Alto Branco, olhando à minha frente o perfil completo da cidade enquanto ela pipocava em foguetões, chega parecia uma purpurina rebrilhando. Lembro de uma crônica de alguém que li na época celebrando a vitória, que foi de virada: “...o tímido sorriso de esperança com o gol do empate, de Amarildo; a alegria esfuziante do gol de Zito; e o grito uníssono de vitória com o terceiro gol, de Vavá”.
5
Andei relendo uns livros da saudosa Coleção Futurâmica, das Edições de Ouro. É uma pulp fiction tipo filme B. Vai do pior clichê à coisa mais inesperada e tem pelo menos um livro genial: “A Cadeia das 7” (La Mort Vivante) de Stefan Wul, e os paradoxos temporais de F. Richard-Bessière. Lembro de quando os livros de bolso começavam a ser vendidos em Campina, a partir de 1959. Meu box preferido era um da parte de trás do Abrigo Maringá, lá dentro mas virado para a praça. Surgiu nessa época aquele tipo de display de metal giratório, com escaninhos onde se podiam amontoar vários títulos. Depois, já em meados dos anos 1960, abriu a poucos metros dali, nas primeiras portas da descida da Irineu Joffily, virada para o Capitólio, uma lojinha montada pelas próprias Edições de Ouro. Era um espaço minúsculo e muito bem aproveitado, forrado de escaninhos de alto a baixo.
6
Eu me lembro dos tempos do Cineclube de Campina Grande em que a gente programava filmes que só eram disponíveis nas distribuidoras do Recife. A gente reservava o aluguel por telefone. No dia da exibição (que era à noite) um de nós pegava o ônibus de manhã para o Recife, chegava lá 4 horas depois, ia a pé da antiga Rodoviária para a distribuidora, que ficava perto do Mercado São José. Se identificava, pegava o filme, que era uma caixa de madeira, com alça de couro, amarrada com tiras de couro e fivelas, trazendo no interior 2 ou 3 rolos de película em 16 mm. Voltava para a Rodoviária, pegava o ônibus de volta, chegava em Campina no fim da tarde. O filme era exibido à noite, e no dia seguinte outro de nós refazia o mesmo trajeto, devolvia o filme e pagava o aluguel. E me lembro que um dia um dos gêmeos (Rômulo ou Romero Azevedo) ficou preocupado porque carregando a caixa na rua cheia de gente, bateu com ela e quebrou a lanterna traseira de um carro estacionado. (Só falta agora aparecer o dono do carro e cobrar a indenização.)
7
Eu me lembro que logo no começo do Cineclube de Campina Grande a gente fez um convênio com o Colégio das Damas (que tinha auditório e projetor) para fazer sessões de Cinema de Arte ali. O primeiro filme exibido, depois de acaloradas discussões diante dos panfletos das distribuidoras (que naquele momento só tinham filme fraco) foi Ato de Misericórdia, de Anatole Litvak, um filme de guerra preto-e-branco do qual não lembro rigorosamente nada. O público deu algo em torno de 10 pagantes. Novas discussões acaloradas, em que condenamos o elitismo de nossa escolha. Na semana seguinte, passamos Louras, Morenas e Ruivas, com Elvis Presley, e deu 5 pessoas.