Circulam rumores na imprensa em que sou acusado de malversação de fundos, e de transações financeiras com entidades suspeitas. Quero usar este espaço para reafirmar aos meus leitores que meu comportamento sempre se pautou pela mais rígida lisura e austeridade no trato da coisa pública. Sempre pugnei por um ideal de compostura e transparência, norteando-me por princípios democráticos consentâneos com a minha história pessoal. Não posso, portanto, admitir que indivíduos inescrupulosos venham assacar leviandades que atingem diretamente a minha probidade e a minha honra.

    Calma, leitores. Não endoideci, nem fui convocado pela CPI. É que a língua portuguesa (ou brasileira, como quiserem) é uma das coisas que mais me interessam. Em se tratando do nosso idioma, sou um grande "prestador de atenção", como diz o poeta Jessier Quirino. E tenho percebido, ao longo das décadas, um curioso fenômeno. Toda vez que um indivíduo é acusado de desonesto, a temperatura da linguagem dele sobe alguns graus. Quanto mais ele precisa se defender, mais aumenta a febre de falar difícil.

    Vejam bem: não faz a menor diferença se o sujeito é honesto ou não, inocente ou culpado. O que me interessa é a reação lingüística; a síndrome vocabular. É um comportamento instintivo de defesa, algo humano, demasiado humano. Algo parecido com o que acontece com as mulheres, que, num momento de nervosismo ou desorientação levam a mão ao cabelo, para ver se está tudo bem, e com os homens, que em situações de angústia levam a mão ao saco, para ver se ele continua no lugar.

    Minha impressão é de que quando o cara é acusado de desonesto ele vislumbra fugazmente a possibilidade de ir para a cadeia, e a primeira coisa que lhe ocorre é ligar para o advogado. Antes mesmo de pegar o celular e buscar o advogado propriamente dito, ele recorre ao advogado virtual que todo brasileiro traz dentro de si: um conjunto de palavras latinas (vade mecum, habeas corpus, sursis...) e aquele vocabulário barroco que é o mais típico cacoete dos nobres causídicos, assim como a péssima caligrafia é cacoete dos médicos. Ao se sentir no banco dos réus, o sujeito vira defensor-público de si mesmo.

    E tem uma outra coisa. No país dos bacharéis, no país dos beletristas, no país em que alfabetização é privilégio de classe e cultura literária é luxo das elites, o sujeito sabe que basta falar difícil para já ir se inocentando. Essa coisa de ter roubado, de ter sonegado, de ter matado, de ter traficado, é coisa pra quem diz vambora, cumequié, bróde, mermão, tá ligado. Um cidadão capaz de usar com propriedade expressões como objurgatória, exprobrar ou data vênia não pode ser um bandido. Basta dirigir-se ao colendo tribunal ou ao ínclito colega... e tudo fica entre colegas, entre pares, entre iguais. E a pátria continua tranqüila, pelo menos enquanto os habitantes das bocas-de-fumo e os inquilinos de Bangu 1 não quebrarem o código do "Aurélio" e do "Houaiss".

Publicado originalmente no Jornal da Paraíba