JOSÉ OITICICA
JOSÉ OITICICA

Porque Val me impeliu como queria não sei o que, saímos dali e pelo caminho entramos alto e selvagem, naquele ar sem estrelas, naquele mundo sem nome e sem traço, à morte acreditando que eu colhia de um largo rio à margem dirigindo, Val me fez parar e então, baixando os olhos fui vendo uma flexa especada, mas dela, serena, o gesto me fazia, sem vozes, sem blasfêmia, arco em punho:

- Por aqui, meu, Val dizia, e enquanto assim dizia a terra tremeu num solavanco e foi tão forte o movimento que do medo da terra lacrimosa rompeu um vento e um clarão rompeu avermelhado, como de um sono profundo fui tirado por aquele hórrido estampido, estremecendo.

Mas a Val perscrutou por saber onde se achava e a tudo no lugar sinistro atenta.

- Temos de partir, nos afastar, - me disse ela, na sua linguagem selvagem, da força daquele vale tenebroso:

- Eia! – disse ela, nos afastemos da treva do mundo – ela me disse enfiando-se por uma descida: “Eu descerei primeiro, tu segundo”. Tornei-lhe, a palidez sua notando:

- “Como hei-de ir, se és de espanto dominada, quando segurança e conforto estou de ti esperando”?

 

- “Vamos, - disse-me ela, sem se deter – essa jornada exige pressa, porque o abismo a estreitar-se já começa -  e escutei, vibrando no ar do espaço inteiro os murmúrios longínquos das bombas que estrugiam, e eu vi que no meio da selvagem terra nós fugíamos da guerra, sem parar, pela selva penetrando e longe ainda divisando, o hemisfério das trevas alumiando, dali distante de onde nos achávamos, mas não tanto que não discerníssemos em parte o clarão brilhante e o rumor que a nós vinha, como que saíssemos de um fúlgido castelo de aspecto majestoso cujos altos muros, cercados por sombras inimigas e malévolas.

 Meu tio me trouxe meus velhos desenhos de modo e, animado por ele, comprei uma máquina de costura usada e passei a cortar e costurar, fiz um sobretudo para ele, que adorou, e uma capa para Val, que não gostou muito. Mas meu tio disse que eu era um gênio da moda, e realmente vinha-me, cada vez mais, o desejo antigo de costurar, arte que aprendi  muito menino, com minha mãe, que era modista e me punha a seus pés para auxiliá-la e assim me manter ocupado perto dela. Costurar, para mim, era brinquedo, eu me divertia com aquilo, e me lembrava de meus antigos dias de glória perto de minha mãe.

- Estamos em Paris, disse-me ele, a capital da moda. Isso que você faz muito bem.