Cunha e Silva Filho

 

                              Ainda me recordo da ocasião – feliz momento! – em que o conheci. Era o ano de 1965. Nesse ano Ary Medeiros passou a fazer parte do meu pequeno círculo de amizade.
Ele, naquela época de Brasil difícil e tortuoso, exercia um cargo no setor assistencial do histórico e famoso Restaurante do Calabouço, que se localizava entre a Avenida Beira-Mar e o Aeroporto Santos Dumont. Hoje, aquele prédio não mais existe. Em seu lugar, só há pista e passarela.
                            Os jovens atualmente nem sabem avaliar o quanto foi decisivo aquele restaurante para a sobrevivência de estudantes vindos de outros Estados brasileiros, principalmente do Nordeste.
Não conheço a história administrativa do restaurante. Só sei que lá os estudantes almoçavam e jantavam de segunda a sexta e somente almoço, aos sábados e domingos. Não estou, porém, bem certo desse detalhe. Fazer as refeições lá era um ajuda enorme ao estudante. Se por acaso alguma vez o restaurante não funcionasse – o que às vezes acontecia - , os estudantes não teriam como fazer as refeições, pois, na sua grande maioria, eram rapazes e moças sem dinheiro, sem emprego e sem família na grande cidade e mal conseguiam se aguentar numa precária vaga nas redondezas ou nos bairros mais próximos, como Glória, Flamengo, Catete.
                           Estava eu necessitando de regularizar a minha entrada no restaurante. Entrei na parte do prédio onde funcionava a administração e foi justamente nesse lugar que conheci o Ary Medeiros. Não pôde logo me atender porque estava ocupado em dar explicações a um estrangeiro (pois com ele falava em inglês fluente) sobre o funcionamento do restaurante. Pouco depois, veio me atender e, conversa vai, conversa vem, Ary me disse que lecionava inglês num curso à noite ali mesmo no centro da cidade, se não me engano, numa sala de um Banco privado.Como lhe dissera que sabia relativamente inglês e precisava de ganhar alguns trocados, ele então me convidou para ministrar aulas no mesmo curso. Na época, o curso adotava como livro didático - Friends and neighbors - daquela antiga e excelente série –The American Language Series - escrita por A. J. Hald Madsen, professor de nacionalidade dinamarquesa e que, então, era ou fora consultor de inglês da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro. Por sinal, esse autor fora, uns três anos depois, meu professor de fonética inglesa na Faculdade de Letras da UFRJ, ainda quando situada precariamente na Avenida Chile, centro da cidade. Anos depois, aquela Faculdade iria compor o campus da UFRJ na Ilha do Fundão.
                       Ary foi trabalhar nos Correios e, se não me engano, em outro setor, não sei bem.
Não posso deixar de registrar um grande favor a mim prestado por ele. Quando me preparava, sozinho, para o vestibular no curso de Letras da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, hoje UFRJ., Ary se prontificou a me ajudar com exercícios de ditados de textos em inglês, visto que nos exames para Letras - que eram rigorosos - uma das partes se constituía de um ditado, outras duas, de gramática e de composição. E sabe, leitor, onde fazíamos isso? Debaixo das frondosas e acolhedora árvores que ainda existem na Avenida Beira-Mar, bem perto mesmo da Nacional de Filosofia.
                      Nos vimos outras vezes, mas, depois de graduado em Letras, por longo tempo nunca mais tinha visto o Ary. Eu me casara, fora morar no subúrbio carioca e lá trabalhava, e isso ainda mais me afastou dos antigos amigos, cada um tomando seu rumo na vida dentro daquele velho princípio que os ingleses chamam de struggle for life.
                    Um dia, minha mulher e eu, estávamos esperando uma condução num ponto de ônibus da Estação Rodoviária. Avistei o Ary e o reencontro se deu com satisfação mútua. Lhe dei meu endereço e, por seu turno, ele me deu o endereço e o telefone. Soube que meu amigo graduara-se em Assistência Social pela UFRJ, fizera o Mestrado também em Assistência Social e o Doutorado em Filosofia. Já era então professor, na sua área de estudos, da UFRJ. Um vitorioso, pois. Neste ano se aposentou após três décadas de inestimáveis serviços prestados ao magistério superior.
                  O professor Ary Medeiros é do interior do Rio Grande do Norte. Nasceu em Angicos. Estudou em Natal no conceituadíssimo Colégio Marista. Adolescente, estudou inglês no Instituto Cultural Brasil – Estados Unidos(IBEU) e, como era excelente nessa língua, fora convidado, ainda quando aluno, para lecionar inglês nessa  instituição.
                Ary completou setenta anos. Houve missa com bela e enternecida homilia cantada e musicada – em Ação de Graça pelo seu natalício -, na linda Basílica da Imaculada Conceição, em Botafogo. Depois da missa, os convidados fomos presenteados com um delilcioso  almoço  no aprazível playgroound do edficio  em que mora   uma filha do Ary .
                Um longo tempo já passou. A nossa amizade tem sido a melhor que possa existir entre duas pessoas. Não quero perdê-la nunca. Você, Ary, ao lado de sua Isaura, cercado do carinho dos filhos, todos bem postos na vida, exemplifica aquele tipo de família formada em sólidos alicerces de amor, amizade e companheirismo. Seu amigo, desta coluna, felicita-o mais uma vez e lhe deseja, ab imo pectore, uma longa e feliz existência.