Cunha e Silva Filho

 

 

           A Cultura Brasileira, no geral, está também decadente e por muitas razões: a explosão das mídias, hoje cada vez mais se diversificando, a fragmentação das áreas outrora prestigiadas como veículos de informação e transmissão de conhecimento não pasteurizados. Tudo isso soma ainda, para o bem ou para o mal, o excessivo “excesso” de autores de áreas não diretamente ligadas, por exemplo, à literatura, procurando também produzir ficção, já que, em poesia, seria difícil manejar a pena, quer dizer, o teclado, para criar poesia de alto valor estético - seara do gênero para o qual há que se ter talento e competência linguístico-literária.
          As pessoas que passaram a vida toda labutando na preparação de competências que lhes facultariam a possibilidade de ingresso na criação literária se veem desprestigiadas diante da concorrência de bons e maus escritores ou de escritores que procuram as fórmulas fáceis de atraírem leitores intelectualmente rasos que estarão prontos a digerir literatura de segunda ou terceira linha.
             Os resultados dessa queda vertiginosa de prestígio, de valorização e atenção aos escritores de raça, de talento genuíno aí estão se manifestando de várias formas no tecido esgarçado cultural: os bons suplementos de literatura estão desaparecendo, minguando, se reduzindo a duas ou três páginas, retirando de circulação críticos de mérito e experientes e impedindo também que outros críticos menos visíveis ou mais jovens possam ter acesso às colunas literárias.
          Restarão como alternativa frouxamente viáveis os blogs, os sites coletivos ou individuais que, bem ou mal, continuam produzindo, dentro de suas possibilidades, matéria crítica ou de outros áreas culturais.
           Razão tem o escritor Rogel Samuel que, em recente crônica, de título “Nós, os quase extintos,” em sua coluna “Crônica de Sempre”do site Entretextos, em tom melancólico e de desabafo, constata a situação de desapreço com que são tratados os escritores brasileiros que ele chama com muito acerto de “independentes” – seres, segundo ele, “quase extintos da face da Terra.”
Ora, tal situação em que colocam os escritores brasileiros é, no mínimo, um golpe duro e insensato do editorialismo de cunho elitista e xenófilo que só tem olhos para os estrangeiros, ainda que muitos destes estejam bem aquém de autores nacionais que estão implorando para que lhes deem atenção e façam circular comercialmente seus livros. No entanto, a cultura apátrida, imediatista, pragmática, consumista hoje pouco está se lixando para um bom autor pouco divulgado.
.           O que para os editores mais conhecidos vale é o produto da venda, não a qualidade dos autores nacionais em todos os gêneros. Só tem vez uns poucos que caíram no gosto discutível de leitores ávidos por autores de cenários escapistas, ou voltados para as cenas picantes de sexo barato, crime e corrupção, tanto quanto os filmes importados, em geral americanos.
          Soube por um amigo que um jovem crítico brasileiro escreveu ultimamente um artigo discutiu num artigo a questão da realidade da crítica literária nacional que, segundo ele, não anda bem. Não anda bem porque, diz ele, está havendo profundas mudanças de comportamento de leitores e de novas alternativas midiáticas que tendem a pôr em segundo plano o exercício da análise e da interpretação de obra.
          Quero crer que a perda da aura da antiga militância crítica se deveu ao incremento da força que instrumentos de publicidade têm disponíveis a fim de dispensar o papel de orientação e doutrinação de críticos de jornais ou de rodapés , que ficaram célebres nos anos 1940, 1950, 1960, que foram, por seu turno, substituídos, fora dos jornais, pelos críticos universitários, i.e., professores de literatura, teóricos, que passaram a ter um papel de destaque na avaliação e pesquisa sobre autores antigos e novos.
      O espaço privilegiado dos estudos literários passou assim a ser dentro da universidade, e a militância crítica, que praticamente se extinguiu, cedeu terreno à “crítica universitária,” confinada daí em diante,  às revistas especializadas, às monografias, dissertações, teses, aos anais de congressos nacionais ou internacionais, ao universo acadêmico especializado. Ao crítico de jornal coube apenas o papel secundário de resenhista, de noticiador de lançamentos de livros.Ou seja, o papel do agenciamento da crítica se instalou de vez no seio dos cursos de letras e em todos os níveis de adiantamento.
       O antigo acompanhamento dos lançamentos de livros que iam surgindo sofreu, portanto, um inflexão. Já não se podia produzir crítica literária como antigamente em razão de que os livros eram muitos e o crítico não teria tempo suficiente para lê-los logo que fossem colocados às livrarias. O processo da leitura de novos autores na universidade era bem mais lento, demandava maior aprofundamento e aparato crítico, bibliográfico, rigor ensaístico, formatação acadêmica. O velho crítico dos rodapés, não, era rápido, produzia suas análises no calor da emoção da leitura, quiçá de um só leitura, e o seu artigo ou crítica iam logo para  a folha dos jornais.
        Veja-se o exemplo da Folha de São Paulo, com o seu atual caderno Ilustríssima. Veja os seus colaboradores e as suas áreas de atuação cultural: cartunista, reportagem, jornalista, tradutor, professores de diversas áreas, diplomatas e escritores. Dificilmente, se encontram entre eles críticos literários A discussão do temas nesse caderno sofreu um expansão ou diversidade cultural de tal sorte que a literatura passou a se inscrever sem aquele antiga posição de realce entre outras áreas. Deixou de ser a primeira dama; hoje é apenas mais uma área da inteligência brasileira.
São muitíssimos os blogs ou sites que cuidam de produzir crítica e ensaios, ou mesmo poesia e ficção.
         Voltando ao que declarou o ficcionista Rogel Samuel, há uma trecho de seu texto que resume a deplorável posição – não merecida, é claro – do escritor brasileiro independente, que não pertence aos grupos do poder da produção literária distribuídas em nichos inexpugnáveis de editoras elitistas que escolhem e repudiam quem lhes parece não estar à altura de seus lançamentos:”Ontem entrei na Livraria saraiva n o Shopping Rio Sul e vi que os autores nacionais sumiram. Só nas estantes laterais, marginais.” O cronista se interroga, machadianamente cético, se  os escritores independentes e os escritores em geral são “seres em extinção” e ainda lamenta que, na mídia televisiva, “num domingo de tarde,” não havia nenhuma notícia sobre um poeta, uma homenagem a um escritor, um “cronista.” Seria preciso alongar mais este artigo?