Traço e Riso classe A

Por Pablo Cavalcante - especial para Entretextos

Vencedor de 128 prêmios em salões de humor e artes plásticas no Brasil e em Portugal, criador do Salão Medplan de humor, cartunista do jornal O Dia desde 1988, colaborador de publicações de Belo Horizonte, São Paulo, São Luiz... Com um currículo pra lá de extenso e que mal caberia aqui, o cartunista Jota A acaba de lançar seu mais novo livro: Traço e Riso. O livro, que traz produções novas e trabalhos já consagrados do autor, apresenta a já conhecida sagacidade na crítica do cartunista para aqueles que não conhecem o seu trabalho, além de trazer riso fácil com seu traço já marcante.

Em entrevista ao Entretextos, Jota A fala de sua nova publicação, além de suas raízes como cartunistas e sua preocupação com temas de ampla abrangência, como a devastação do meio ambiente.

 

A escolha de se tornar cartunista não é das mais comuns, principalmente se nós levarmos em consideração o cenário ainda “apático”, digamos assim, encontrado no Piauí. De onde nasceu o desejo e essa vocação para o cartum?

A minha primeira, e principal influencia se deu pelo Angelí, criador da tirinha Chiclete com Banana. Até então, eu só lia revistinhas de super-heróis, como Super-man e Capitão América. Um certo dia eu estava na parada de ônibus e encontrei uma revista Chiclete com Banana que tinha sido abandonada, estava sem capa e faltando as primeiras páginas.

Eu peguei aquela revista e foi como se eu tivesse encontrado ouro, ou água no deserto. Aquilo ali mudou a minha vida. Eu cheguei em casa e li a revista umas vinte vezes, cada vez que eu olhava eu tinha mais vontade de olhar, cada folha que lia era como se eu estivesse lendo um livro sagrado. Foi daí que eu decidi que queria ser cartunista. Então eu comecei a copiar a revista.

Então, eu sentir a necessidade de trabalhar, porque o meu pai havia falecido e eu, minha mãe e meus irmãos sobrevivíamos com uma pensão e as coisas estavam (financeiramente) um tanto quanto difíceis.

 Foi quando eu decidi ligar pro jornal O Dia e pedi pra apresentar meus trabalhos. Marquei com o editor, mostrei meu trabalho, ele pediu para o arte-finalista da época, Kiko Consolim, avaliar, ele avaliou positivamente e pouco tempo depois eu viria a trabalhar no jornal O Dia. 

De onde vêm os trabalhos apresentados no livro Traço e Riso? São trabalhos inéditos, ou são uma coletânea de desenhos publicados anteriormente?

Os desenhos desse meu livro fazem parte de uma coletânea, onde eu fiz uma busca dos melhores trabalhos que eu fiz nos últimos anos, mas também tem trabalhos inéditos. Além do mais, fazendo uma pesquisa para identificar os melhores desenhos, eu encontrei alguns que a ideia estava boa, mas o desenho nem tanto, então eu refiz alguns desses cartuns. Então, de certa forma, tem muitos trabalhos inéditos e outros parcialmente inéditos, já que a ideia prevaleceu, mas eu procurei melhorar, refazendo o desenho ou acrescentando um ou outro elemento.

Eu procurei colocar, basicamente, cartuns ao invés de charges. As charges que o livro possui não trabalham com elementos da realidade, digamos assim...

Qual seria, então, a diferença entre charge e cartum?

Charge é um desenho de humor político, tudo relacionado ao político, na extensão total da palavra. São trabalhos que visam temas como inflação, corrupção... O cartum não. O cartum é um desenho de humor não político, no qual, você pode trabalhar aspectos como o amor, amizade, a relação homem e mulher, ou seja, sem dar nomes aos personagens.

Se você fizer uma análise do livro, vai perceber que quase todas possuem essa característica, a presença de um personagem “não identificável”. Quando ele fala de corrupção, é uma corrupção generalizada, não tem Lula, não tem Dilma, não tem FHC, não tem Mão Santa, nem um Wilson Martins.

Pra que isso? Pra que o livro tenha uma vida útil mais duradoura, ao contrário do meu livro anterior, que faz referencia ao Lula e figuras do seu secretariado. Hoje se você ver o meu livro anterior, ele já está desatualizado, já que o Lula não é mais presidente e aquelas charges que tratavam de problemas da presidência já não fazem mais tanto sentido de estarem ali.

Então esse meu livro, Traço e Riso, é basicamente composto de cartuns. Cartuns que você pode ler daqui a cinquenta anos e vai entender as mensagens, as ideias e sorrir do mesmo jeito.

Você tem uma maneira diferente de tratar alguns temas, principalmente no que diz respeito à política e meio ambiente, em relação aos demais chargistas dos maiores jornais do estado. Levando em conta a veia jornalística, que nós acreditamos ser também necessária ao Chargista, como se dá o processo de produção do seu material?

Eu acredito que todo chargista é um pouco, ou muito jornalista. Apesar de não ser necessário fazermos um curso de jornalismo, mas o cartunista é alguém que tem outra visão sobre os fatos que acontecem ao seu redor, comigo não poderia ser diferente.

Eu acredito ter uma preocupação maior por determinados assuntos e o meio ambiente é um deles. Porque eu acredito que é nosso papel como cidadão, como cristão, a gente fazer nossa parte e denunciar aquilo que está fora do nosso alcance. Eu acredito que essa questão do meio ambiente deva ser uma preocupação de todos, que nós devemos lutar por nossos rios e florestas, porque disso depende o nosso futuro e o futuro dos nossos filhos. Nós não podemos cruzar os braços para as agressões que o meio ambiente sofre diariamente. 

Então como eu sou cartunistas, eu procuro usar o cartum a serviço da reflexão do homem sobre o que ele faz com o meio ambiente. Assim como jornalista, eu procuro denunciar isso através do meu trabalho. 

Nós vivemos hoje uma realidade de aquecimento global terrível, sufocante,o clima mudando a toda hora, e muito disso é fruto da ação nociva do homem sobre o meio em que vive.         

“Todo chargista é um pouco, ou muito jornalista.”

Mesmo tendo anos de trabalho na área, sendo reconhecido nacionalmente pela sua obra, você decidiu entrar na academia e cursar Artes Plásticas. Em que aspecto você acredita que a universidade vai contribuir no seu trabalho artístico?

O cartunista, ao contrário do que muita gente pensa, ele trabalha basicamente com a informação. Essa informação deve ser uma informação de valor, rica de significado, densa, não pode ser uma coisa qualquer. Se faz necessário uma consciência de mundo, não só artística, nós não trabalhamos apenas com o desenho, mas principalmente com as mensagens.

Pra você ter uma mensagem forte, você também precisa ter um embasamento forte, e o curso de artes visuais me deu, não só, a parte de melhorar tecnicamente o meu trabalho, mas ele também me possibilitou discutir assuntos que eu jamais discutiria se eu não estivesse na universidade. Lá eu tive a oportunidade de aprender não só com os professores, mas também com os alunos. Muitos são artistas, muitos possuem uma visão bem interessante sobre as coisas e eu aprendo dia após dia com esse contato com os professores e também com os alunos.

Além do mais a universidade te dá uma visão fantástica sobre determinados assuntos que só nos engrandecem. Lá você tem a oportunidade de discutir desde as mídias digitais, como os grandes artistas da humanidade, bem como os estilos de cada época, até temas atuais como o futuro da educação.

Eu procuro colocar meu olhar em uma perspectiva maior, e aí eu necessitaria estudar mais e ampliar mais meus horizontes. A universidade me deu isso de alguma forma.

 

 

Traço e Riso pode ser encontrado nas melhores livrarias de Teresina, assim como na portaria do jornal O Dia e na Banca do Tomaz, localizada na Praça João Luiz Ferreira, centro de Teresina.