Teresa Rita Lopes debate Pessoa
Em: 01/08/2010, às 10H49
João Alves das Neves
Desde 1985 até hoje, a escritora Teresa Rita Lopes, da Universidade Nova de Lisboa, tem sido a presença portuguesa mais constante das reuniões, no Brasil, do Centro de Estudos Fernando Pessoa e, agora, do Círculo que mantém o nome do criador dos heterônimos.
Embora sem enumerar suas conferências e comunicações que fez, neste País, foi a mais assídua, entre os autores que estiveram no Brasil. Cremos que as suas intervenções começaram em 1985 quando, ao lado de João Gaspar Simões, António Quadros e vários pessoanos, analisou o tema “Pessoa: O Marinheiro”. E nos anos seguintes apresentou uma série de estudos, o último dos quais terá sido “Pessoa e Vieira”, que foi inserto no volume “400 anos/Padre Vieira/Imperador da Língua Portuguesa”, editado pela Fundação Memorial da América Latina, no qual foram reunidos os 15 ensaios apresentados no decurso do Colóquio Vieiriano, realizado em São Paulo, em Maio de 2008, no âmbito do XIII Encontro Cultural dos Países de Língua Portuguesa.
Diz Teresa Rita Lopes, no seu belo ensaio: “É comum a Vieira e Pessoa a convicção de serem profetas, isto é intermediários de Deus que se faz ouvir através das suas vozes. Aliás, como médium, também no plano literário, Pessoa se sente e apresenta, nomeadamente quando afirma que se limita a escrever o que alguém lhe dita – Deus ou essas criaturas através de si se manifestam, os seus heterônimos . Esta pode ser, entre muitas, uma das explicações da heteronímia”.
O seu primeiro livro sobre a obra do Poeta da “Mensagem” supomos que foi “Fernando Pessoa et le drame Symboliste. Héritage et création” (1977), que teve por base a tese de doutoramento da pesquisadora portuguesa na Universidade da Sorbonne (Paris), onde ela lecionou. E muitos outros estudos vieram a seguir, relevando-se os não menos importantes “Pessoa Inédito” e “Pessoa por conhecer” (o último em 2 volumes), a edição crítica de “Álvaro de Campos - Livro de Versos” e muitos outros, que credenciaram Teresa Rita Lopes entre os mais destacados estudiosos da vasta obra pessoana.
De resto, a escritora alarga os seus trabalhos literários ao teatro e à poesia, assim como a criteriosas edições críticas de diferentes autores, entre os quis não podem ser omitidos O Privilégio dos Caminhos (1988), Álvaro de Campos – Vida e Obra do Engenheiro (1990), Álvaro de Campos, notas para a recordação do meu Mestre Caeiro (1997), etc.
Ao presidir, em 20 de Julho, a mesa-redonda em torno de “As idéias políticas de Fernando Pessoa” a professora Teresa Rita Lopes retoma a tradição cultural do Clube Português, onde se impuseram o arquiteto Ricardo Severo, que foi um dos mais prestigiados intelectuais portugueses no Brasil, no fim do século XIX e nos primeiros decênios do século XX, e bem assim Carlos Malheiro Dias e Fidelino de Figueiredo, próximos da vivência da instituição paulista, que foi continuada por Jaime Cortesão e, mais tarde, por Adolfo Casais Monteiro, Jorge de Sena e mais alguns, juntamente com vários escritores brasileiros, desde Afonso de Taunay, Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia – e não só historiadores, poetas, pesquisadores e conferencistas, artistas plásticos e de outros domínios.
Foi neste Clube Português que floresceu a Revista Portuguesa, capitaneada por Ricardo Severo, na década de 30, na qual colaboraram inúmeros intelectuais dos dois países. E por aqui passaram, além dos já consignados, Júlio Dantas, Antônio Correia de Oliveira, Albino Forjaz de Sampaio, Duarte Leite e até, em 1922, os “embaixadores” das artes e letras portuguesas, Fernanda de Castro e António Ferro, ambos na esteira da revolucionária Semana de Arte Moderna de São Paulo.
E foi para consolidar esta aliança cultural luso-brasileira que recebemos. nesta mesma sala onde estamos festejando agora os 90 anos da agremiação cultural de 14 de Julho de 1920. o escritor Fernando Namora, que proferiu (em 1968) a conferência “Breve perspectiva da Literatura Portuguesa Atual” – uma profunda reflexão sobre os escritores lusitanos da sua geração.
Chegou a hora de Teresa Rita Lopes – professora que tanto honra a Universidade Portuguesa e as Letras Portuguesas deste início do século XXI, com a sua poesia, o seu teatro e a sua ficção, ao mesmo tempo que espalha de Portugal para o mundo literário dos cinco Continentes os mais notáveis estudos sobre o Poeta que nos recordará eternamente que “a nossa Pátria é a Língua Portuguesa”. Morreu sem nos mostrar – por causa da censura fascista - o que pensava da longa noite de silêncio que os portugueses tiveram de suportar durante cerca de 40 anos. E a escritora veio a São Paulo para analisar e debater o pensamento político do poeta da “Mensagem”, que é, só por si, um grito de liberdade e de esperança de melhores dias para Portugal.
(*) O escritor português João Alves das Neves, jornalista e professor universitário, vive em São Paulo desde 1958 e publicou três dezenas de livros, o último dos quais sob o título de “Fernando Pessoa, Salazar e o Estado Novo”