SOBRE O BRASIL ATUAL: ALGUMAS INDIGNAÇÕES
Por Cunha e Silva Filho Em: 06/06/2017, às 20H45
Cunha e Silva Filho
Já se está falando que a Operação Lava-Jato vai ter o mesmo destino da italiana Mãos Limpas. Não direi que sim, mas também não direi que não. Mas a novela da impunidade, da corrupção e da violência sem freios já mostrou a sua resistência às leis, à democracia plena, às soluções que delas esperamos sem o passo de tartaruga, sem as protelações, sem os jogos das instâncias jurídicas, sem empurrar a barriga.
O povo quer conclusões, justiça feita contra malversações do dinheiro público que, em parte, escorreu pelo ralo das propinas milionárias, aqui e fora do país, pois a corrupção nacional se internalizou para grande vexame dos homens de bem desta Nação vilipendiada nos seus fundamentos básicos: seu sistema político desmoralizado, suas instituições desacreditas, sua falta de rumo para a sucessão do novo presidente da República. Um mato sem cachorro. Um caminhar nas trevas do imponderável.
O quadro político brasileiro mostra-se sombrio. O país se encontra dividido em várias classes sociais, o povão, “bestializado” em sua grande parte, pouco se importa com os graves problemas que atravessamos. Para suavizar seus males e sua carência encontra um meio de entrar num botequim, preparar-se para o próximo carnaval e assistir a um jogo de futebol num boteco próximo de sua casa, ou ainda participar a um roda de samba de fundo de quintal na periferia das grandes cidades. Seu único gesto é o da sobrevivência, do salve-se quem puder, com medo só da falta de emprego, preocupado só com o sustento da família, e com a desenfreada violência urbana ou mesmo interiorana, à frente, a bala perdida, o desespero de mortes anunciadas, que se banalizam com a sua recorrência sem fim.
No entanto, as reais causas primeiras, o fundo das questões que levaram à crise econômico-financeira estão muito longe de sua compreensão. Penso mesmo que os políticos maus do Brasil jogam com essas carências, com essa ignorância, com as ideias embaralhadas do uomo qualumque sem estudo, o analfabeto, analfabeto funcional, sem horizontes, sem metas definidas. E, por falta de inclusão cultural-econômica, vão se reproduzindo por anos a fio. São o que o crítico Eduardo Portella, definia como assimetrias de modos de vida sociais dos brasileiros, numa convivência secular entre o arcaico e o moderno, à semelhança daquela imagem culturalmente grotesca de mansões luxuosas ao lado da extrema penúria dos favelados.
Enquanto isso, a sociedade civil letrada ou semiletrada e socialmente dividida, conduz suas vidas presas a um individualismo exagerado, com os seus membros afastados uns dos outros, vivendo cada um o seu exclusivismo em níveis melhorados social, cultural e financeiramente. Aqui se situam a classe média, média alta, da burguesia e da elite econômica. Não existe, assim, homogeneidade ou interpenetração, mas compartimentação visível e previsível.
Por outro lado, já no caso das investigações da Lava-Jato, no julgamento da chapa Dilma-Temer, o vaivém das notícias veiculadas pela mídia e por notícias que saem em áudios, nas redes sociais, essa espécie de 5º poder que está se constituindo no cyberspace , acrescidas de comentários e opiniões divergentes ou convergentes, a depender da posição ideológica do usuário, os fatos que vêm à tona vão se acumulando vertiginosamente ao ponto de deixarem algumas pessoas entediadas da mesmice da questões.
Essa explosão de fatos do mesmo teor sobre decisões tomadas pela Justiça, pelos Tribunais, pelo Ministério Público e pela Procuradoria Geral da União são muito maiores na sua quantidade do que a nossa capacidade de assimilação de muitas delas.
Já uma vez, em artigo, chamei às desastrosas e multiformes formas do comportamento político do país de “poliedro de insânias.” Constato, infelizmente, que ainda penso de igual maneira. Pouco se alterou o que era de ruim na política nacional, nos nossos males renitentes, nas nossas crises, quer morais, financeiras, econômicas, quer no setor de segurança pública, na educação, no ensino universitário, na saúde, nos transportes, no meio-ambiente, na mais aguda onda de violência de que já se teve notícia na história da sociedade brasileira. Assim como na impunidade diante de todos esses aflitivos problemas que vêm maltratando o nosso povo. Ainda que tentemos ser um pouco esperançosos, a realidade do país ainda se mostra inquietante, arriscada, perigosa,
Quando Dilma foi destituída do poder no seu segundo mandato, por via do impeachment, ainda cheguei a pensar que teríamos águas menos turbulentas. Qual nada! Mudou-se o governo, mudaram-se os ministros, e lá veio o vendaval de novos escândalos, desta vez envolvendo o vice-presidente do governo Dilma, o atual presidente Temer. Investigações novas vieram comprometer o seu mandato que parecia, a princípio, estar dando alguns passos certos, porém polêmicos, como reformas intempestivas na Previdência Social nas leis trabalhistas e na condição das finanças federais, procurando, segundo o próprio Temer proclamara, “pôr a economia nos trilhos.”
No entanto, as investigações da Polícia Federal levantaram o véu da fantasia da sisudez do Temer e causaram um nova reviravolta no seu instável governo, tendo ele na berlinda de ser mais um membro do governo considerado como suposto beneficiário das práticas de propinas e dinheiro oriundo de Caixa 2 durante campanhas políticas ao lado de Dilma Rousseff. A espada de Dâmocles agora paira sobre a cabeça do ex-professor de Direito Constitucional, de um político culto, inteligente, diplomático.
O Brasil não vai bem das pernas. Há algo que não dá certo quando uma pequena luz surge no fim do túnel. Pode-se afirmar que quase ninguém escapa das manchas deletérias da propina, da corrupção passiva ou ativa, da lavagem de dinheiro, de enriquecimento ilícito, do conluio fétido entre políticos influentes e parte do grande empresariado brasileiro, em tal magnitude que praticamente todas as esperanças na figura dos nosso políticos parecem nos levar à condenação geral.
O país, rico por natureza, quase não aguenta mais de tanta pancada que lhe dão homens inescrupulosos, ávidos tanto do poder quanto do vil mental. Lembro-me agora de um artigo de Leandro Konder (1936-2014) publicado há tempos no antigo Jornal do Brasil em que ele faz uma pequena e lúcida análise acerca do dinheiro e da morte. Sobre o dinheiro, me recordo de que ele o considerava o corruptor de todos os valores.
Posso finalizar essas reflexões dizendo que a raiz de toa essa falta de vergonha nacional tem como núcleo central o endeusamento do dinheiro a qualquer custo, ainda que fira moralmente uma Nação toda ou um Estado inteiro, como no caso do Rio de Janeiro, com o Sr. Sérgio Cabral, já preso pela suas desídias e maracutaias cometidas contra os cariocas e fluminenses. Todos os que praticaram ilegalidades e crimes financeiros abomináveis perderam a dignidade, ou seja, perderam tudo. E não há volta nem perdão, nem reabilitação para criminosos do Erário Público.