Um quadro estarrecedor que mais se aproxima daqueles enlatados americanos com cenas de sadismo é o que no relata a resenha de Marcelo Ambrosio “O sadismo em estado puro” (Jornal do Brasil, Caderno Ideias & Livros, (14/02/2009) sobre um livro de Philip Gourevitch, jornalista da Paris Match e do cineasta Errol Morris, cujo título, Procedimento operacional padrão, não soa tão contundente quanto os horrores e horripilantes experiências vividos pelos presos de Abu Ghraib, uma prisão situada nos arredores de Bagdá. 
                Os relatos são tão apavorantes que n os fazem duvidar de nossa própria condição de seres humanos. Afinal, de que nos serviu termos tido uma família, uma educação escolar, formação cívica ou de pertencermos a um credo religioso se isso tudo pode ser jogado no lixo após passarmos por uma lavagem cerebral e nos adaptarmos a um condição daqueles personagens de Huxley (1894-1963) divididos e condicionados a  viverem um simulacro no plano ontológico?     Como estava dizendo, os relatos são tão inimagináveis em seus atos de desumanização que se confundem com as nossas memórias – sombrias memórias – dos campos de concentração nazistas hitlerianos de Auschwitz da Segunda Guerra Mundial., nos quais milhares de judeus foram martirizados por formas diversas de selvageria e barbárie. Entretanto, em nome da “democracia” e da defesa dos fracos, a lição do sofrimento, ao que tudo indica, nesses tempos agora cunhados de “desglobalização” de nada nos serviu.
               Antes de tudo, concentremo-nos, n o título da obra resenhada que, numa primeira leitura, cataforicamente, muito pouco indicia para os relatos dos seus autores. Todavia, enquanto elementos sígnicos, o sintagma que o constitui põe a nu as reais intenções subreptícias, a começar da natureza de cunho bélico (formaria uma boa sigla militar: POP) dos seus lexemas considerados de forma autônoma: procedimento + operacional + padrão. Os três elementos remetem a práticas destituídas do componente de humanidade. Ou seja, o tratamento dado ao prisioneiro não obedece a uma interpretação assente na circunstância de que ali se está lidando com um indivíduo, uma pessoa, não com uma cobaia, nem com um objeto inanimado, mas com um ser racional, de carne e osso, que , por sua vez, é dotado da lógica humana, de alma e corpo.    

            Da mesma forma, a funcionalidade da ação contra o indivíduo preso não pode se fundamentar num simples instrumento mecânico de submissão e resistência a uma tortura e, finalmente, o indivíduo encarcerado não pode ter um segundo constituinte (operacional) que reforça a prática imolante de forma novamente mecânica, dando-nos a sensação de que o individuo confinado não é alguém com estrutura de ser humano, mas apenas uma peça de um aparelho mecânico ou eletrônico a serviço da tortura pela tortura.
A tortura levada a esse extrema perversidade, por conseguinte, a essa ignomínia da ação do ser humano sobre outro ser humano indefeso, extrapola os limites do instinto de violência a que os indivíduos podem atingir em situações geradas pelas guerras.
           Todos os atos de violência e de covardia, de sadismo e de inimagináveis maneiras de suplício contra prisioneiros não podem nem devem permanecer, aos olhos da  comunidade internacional, impunes. Todas as leis que resguardam os prisioneiros de guerra foram violadas e desprezadas. O que ocorreu foi o absoluto menosprezo da autoridades militares e governamentais  americanos no sentido de se sobreporem às leis e tratados internacionais nas questões concernentes ao estado de guerra. É altamente procedente que organismos de defesa dos direitos humanos se voltem para discutir essas práticas ominosas cometidas na prisão de Abu Ghraib. Mais ainda, os procedimentos usados contra os prisioneiros iraquianos, partiram de determinações de superiores e, portanto, a estes cabem as punições legais e responsabilidades maiores pelo que aconteceu naquela prisão de Bagdá. 
            Os autores do livro inclusive nomeiam os responsáveis diretos por mais essa tragédia de “brutalidade pura”: Donald Rumsfeld, Ricardo Sanchez, Jay Baybee (subscretário de justiça!), Janis Karpinski, além dos capachos de baixa patente. 
            O mais grave é que os militares de patente inferior, mostravam-se completamente destituídos de quaisquer sentimentos de culpa ou de misericórdia pelos humilhados e ofendidos pelas torturas.  Até que ponto pode chegar a insensatez humana, num exemplo escabroso de insensibilidade pelos semelhantes?
          Porém, de uma coisa estamos certos. Tudo isso se passou na administração do Bush filho e o mais monstruoso fato: tudo se fez – guerra, bombardeios, invasão de um país, genocídio, sob a justificativa cretina de que o Iraque dispunha de armas nucleares, quando o que o governo americano desejava era tão-somente apossar-se do petróleo
          A charada está resolvida. Sabemos quem é o culpado-mor e quais são os coadjuvantes nessa chacina e nessas torturas de prisioneiros, muitos deles, segundo os autores do livro, inocentes e ali, em Abu Ghraib atirados como animais pestilentos. Aquela triste e repugnante imagem da foto em que Lyndie England se exibe segurando uma espécie de corda presa ao pescoço de um prisioneiro iraquiano de nome Gus, deitado ao chão, possivelmente despido, não pode ser jamais esquecida como exemplo de brutalidade e maldade que a criatura humana é capaz de praticar. E sabe por que, leitor, esse anjo decaído estava fazendo tal vilania? Para satisfazer a um pedido do namorado, um sargento de nome Graner.
         O governo recém-empossado de Barack Obama não pode fechar os olhos para tamanho crime contra a Humanidade.