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 Sailor Moon contra a Rainha da Neve

SAILOR MOON CONTRA A RAINHA DA NEVE
Miguel Carqueija


“Eu nunca vou me esquecer de meus sonhos.”
(Himeko)
“O alvo final deve ser o planeta inteiro...”
(Sailor Moon)
“Deixe que nós cuidaremos da invasora. Esse é o nosso trabalho.”
(Sailor Moon para Himeko)


Resenha do mangá “Sailor Moon short stories 2”: Editora JBC, São Paulo – SP, 2015. Editora Kodansha, Tokyo, Japão, 2004. Autora: Naoko Takeushi. Tradução de Arnaldo Massato Oka.


O segundo volume especial de Sailor Moon apresenta três sequências, sendo a primeira delas, ocupando a maior parte do espaço, “O namorado da Princesa Kaguya”. Trata-se, na verdade, da novela gráfica em que se baseou o extraordinário animê de longa-metragem “Corações em gelo” (1994). Eu já resenhei este desenho longo sob o título “Corações em gelo: a majestade de Sailor Moon”.
Trata-se da grandiosa e simbólica aventura em que a Princesa da Lua Branca enfrenta a poderosa Rainha da Neve, obscura e maligna personagem do conto de fadas homônimo de Hans Christian Andersen (1805-1875), fabulista dinamarquês.
Esta personagem já aparece numa animação russa de 1957, intitulada mesmo “A Rainha da Neve”, filme raro e extremamente belo. E há inegável semelhança com a Feiticeira Branca das “Crônicas de Nárnia” de C. S. Lewis. Em 2013 a Disney lançou uma versão do conto sob o título “Frozen”, tratando-se de antigo projeto do próprio Walt Disney (1943).

A Rainha da Neve é uma entidade nefasta que controle o frio, o gelo, a neve, o vento gélido. Simboliza a aridez, a frieza de coração, a ausência de sentimentos. Sailor Moon é o supra-sumo dos sentimentos, portanto o confronto entre ambas é o confronto entre forças incompatíveis.
O quadrinho é interessantíssimo e focaliza o que ocorre quando a Terra se vê ameaçada de congelamento total, pela aproximação de um misterioso cometa gelado que na verdade traz em seu bojo a maligna visitante, que no passado havia sido expulsa, banida. A Rainha da Neve possui a seu serviço um exército de seres maldosos, conhecidos como as “dançarinas da neve”, demonios ou “yumas” gelados. O seu poder está muito acima das possibilidades humanas, mas a Princesa da Lua, sendo sobre-humana, dispõe-se a enfrentá-la para preservar o nosso planeta da destruição.
O “namorado” do título é na verdade o astrônomo Kakeru Ozora, noivo de sua amiga de infância, a astronauta japonesa Himeko, e que cultiva uma idéia fixa na lendária Princesa Kaguya, do reino lunar na mitologia nipônica (mais ou menos equivalente à Diana da mitologia greco-romana). A própria Sailor Moon é inspirada nessas figuras míticas. Himeko é dedicada e amorosa com Kakeru, mas este, doentio e incapaz de objetivar seus pensamentos, cai enfermo e confunde a Rainha da Neve com a Princesa Kaguya, tendo nomeado o cometa com esse nome, aliás “Snow Kaguya Hime” (A Princesa da Neve Kaguya). Para libertar Kakeru do mal que o atingiu e de quebra salvar a Terra da ameaça do gelo cósmico, Sailor Moon e suas amigas dirigem-se para o espaço cósmico para travar a batalha com a nefasta visitante.
Ocorre também o curioso caso da gatinha lunar Luna, salva de atropelamento por Kakeru e que acaba se apaixonando pelo astrônomo. A solução desse amor impossível será dada pelo bom senso de Sailor Moon. Afinal, após uma transformação mágica onde adquire temporariamente forma humana, ela se apresenta a Kakeru como a Princesa Kaguya dos seus sonhos, mas mostra a ele (e Luna já havia compreendido esse fato) que o seu verdadeiro amor era Himeko.
A Rainha da Neve, ainda que oriunda do conto de Andersen, identifica-se facilmente como um dos malignos “Grandes Antigos” da visão de Lovecraft. Assim o caráter lovecraftiano — ou anti-lovecraftiano, se preferem, tendo em vista a existência dos poderes do bem, praticamente negada em Lovecraft — da saga de Sailor Moon continua se manifestando.

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“Memórias da Casablanca” traz revelações sobre a vida pessoal de Rei Hino, a Sailor Marte. O avô de Rei, muito diferente do velhinho tarado que aparece no animê dos anos 90, é o sacerdote do santuário xintoísta onde Rei acabou sendo também, apesar da pouca idade, uma sacerdotisa. Ele explica a Ami e Usagi sobre o pai de Rei:
“A Rei não se entende muito com ele. Depois que a mãe morreu, ela veio para o santuário ficar comigo porque não queria ficar com o pai.”
Esse drama serviu de base para um dos episódios sa série em imagem real de Sailor Moon, produzida entre 2003 e 2005. O pai de Rei era um político, muito frio ao que parece com a família, o que causou na filha uma certa ojeriza. Rei, com seu temperamento forte, desilude-se dos homens.
“A mamãe vivia solitária pensando no papai... ela era tão magra... mas o papai só pensava em política o tempo todo. A saúde dela era fraca e morreu sozinha... Concluí que nós só podemos contar com nós mesmos. Não quero nem pensar em casar.”
Isto certamente combina com a declaração de Sailor Marte, feita em outro volume, e reforçada por Sailor Vênus, de que elas dedicavam a vida à proteção da Princesa Usagi Tsukino (Sailor Moon) e por isso, não havia lugar para homens em suas vidas. Esta postura prevalece também em Sailor Júpiter e Sailor Mercúrio. Entretanto, Rei admite uma fraqueza para com Kaidou, secretário de seu pai e ele, um idealista.

“Sailormuun paralelo” é uma espécie de auto-sátira da Naoko Takeushi, uma narrativa onde as personagens não são marinheiras-guerreiras e vivem uma vida mais prosaica, embora repleta de comicidade. É uma comédia em quadrinhos e dá testemunho da facilidade de Naoko em trabalhar com o humor. As mães interagem com suas filhas, todas elas têm filhas (apenas filhas) e saem comentários assim: “É tão bom quando elas saem juntas. Em casa, tudo vira um caos num piscar de olhos.” A esse comentário de Minako, a sempre CDF Ami replica: “É a lei do aumento da entropia”.

Sempre divertidas e interessantes as aventuras das sailors, mesmo nas histórias paralelas mais curtas e com predominância da comicidade.


Rio de Janeiro, 31 de julho de 2015.

 

imagem do novo seriado Sailor Moon Crystal