[Maria do Rosário Pedreira]

Nas duas últimas décadas senti que houve uma grande evolução em três formas de arte – a fotografia (que já tinha nomes de peso, mas ganhou claramente atenção do público, da crítica e até dos mercados), a ilustração (que é hoje de alto nível) e, na literatura, o romance gráfico, do qual já aqui dei exemplos de grande qualidade. Ora, por falar em romance e em gráfico, veio parar-me recentemente à mão uma obra bem interessante que dá pelo nome de Diário Rasgado, da autoria de Marco Mendes. Embora a designação «diário» aponte para um texto de teor autobiográfico, o autor avisa que as suas pranchas são, afinal, ficções, mesmo que baseadas em gente e factos reais (e eu consigo reconhecer, pelo menos, o rosto dos seus familiares em alguns desenhos, porque sou editora do irmão e já travei conhecimento com outros parentes); mas, se essa designação pode levar a uma espécie de engano, a verdade é que encaixa bem no resultado, que é uma sucessão de acontecimentos que decorrem, aparentemente, em dias diferentes de uns quantos anos, marcando a vida do protagonista. Algumas das situações – nomeadamente as que dizem respeito à relação amorosa – atravessam todo o livro, apresentando, de resto, um desfecho bastante realista e singular. Outras constituem pertinentes comentários sobre o estado do País, as dificuldades dos trabalhadores a recibo verde, o desemprego dos jovens licenciados. Outras ainda são uma espécie de intervalos jocosos ou desabafos que cruzam todas as vidas. O desenho é primoroso – e há um toque agradavelmente despreocupado quando por vezes aparecem textos riscados ou corrigidos à mão, tornando mais verosímil a intenção de aproximar a ficção da realidade. Às vezes duro, às vezes escatológico, Diário Rasgado faz desejar que os dias do autor não se fiquem por este livro.