Existe algo mais subjetivo do que a dor? Uma vez ouvi de um médico o seguinte: “Quando um paciente chega ao meu consultório, queixando-se de alguma dor, eu nunca coloco em dúvida a intensidade do seu sofrimento”. Segundo ele, com a dor não se discute, tenta-se apenas diminuí-la e, com sorte, fazer com que ela desapareça.
A atitude descrita pelo médico é bastante sábia. Afinal, apesar do que alguns possam pensar, é muito difícil – para não dizer impossível – instituir uma escala para dor. Você se comprometeria afirmando que uma unha encravada dói mais que uma dor de dente? Ou que a dor do parto é a pior dor do mundo? Quem já passou pelo sofrimento de uma crise renal seria o primeiro a discordar dessa hipotética graduação.
Por outro lado, é possível extrair da dor todas as lições, fazendo dela quase um tratado filosófico. Alguns a veem pintada com as cores do romantismo. Para outros, a dor é capaz de nos levar para dimensões além da imaginação. Não faltam poetas, filósofos e até espiritualistas para exaltar os benefícios dessa sensação desagradável que não tem lugar, tipo e intensidade definidos. Não foi Carlos Drummond de Andrade que perguntou: “Entre a dor e o nada, o que você escolhe?”.
No entanto, me desculpem todos esses grandes sábios, para mim, pobre mortal, dor é dor. Desconfio muito das pessoas que a enaltecem transformando-a, muitas vezes, em uma experiência digna de ser vivida. Não consigo acreditar que elas estejam sendo realmente sinceras em suas afirmações. De minha parte posso dizer, com toda a sinceridade do mundo, que a mim não interessa se para os outros a minha dor parece grande ou pequena, eu quero é me livrar dela. Do mesmo modo, não me interessa se a dor é algo salutar e fortalece o espírito; eu não quero senti-la.
A dor física, emocional ou espiritual paralisa. Apenas quando ela diminui ou desaparece é que voltamos a ser nós mesmos – senhores da nossa mente e do nosso corpo. Poucos – muito poucos - conseguem realmente produzir em meio à dor. Os poetas até podem considerá-la uma espécie de matéria prima, mas eu pergunto: qual a graça em exaltar algo que nos tira o prazer de viver?
Talvez não tenha nascido para ser poeta ou filósofo. Talvez esteja perdendo algo muito importante ao renegar o desejo de sentir dor. No entanto, francamente, não me importo. Se puder passar uma vida inteira sem senti-la agradecerei aos deuses todos os dias por isso. Prefiro pensar como Voltaire. Para ele, a dor era tão necessária como a morte. Isso me faz uma covarde? Talvez. Mas quer saber? Não me importo.