Poeta Luiz Filho no bate-papo de Entretextos

Autor de dois premiados livros em concursos literários do Piauí, o poeta Luiz Filho de Oliveira é o convidado para o bate-papo de Entretextos, no próximo dia 02, sexta-feira, a partir das 20h. Para participar, basta clicar no link Conversa de escritor, na página inicial do Portal.

Apresentamos aos leitores - aos que já conhecem o trabalho do literato e também aos que desconhecem -  um pouco da poesia de Luiz Filho de Oliveira.

O segundo teste do aluno de poesia: Onde Humano, os primeiros trabalhos nessa escola

Depois da publicação de BardoAmar em 2003, iniciei, em 2004, a reunião de textos que eu já havia escrito antes da edição desse meu primeiro livro (sério, eu comecei a escrever poesia na década de oitenta do século passado, engraçado). A princípio, a intenção era tão-somente não perder os trabalhos que estavam dispersos, espalhados em cadernos, agendas, folhas avulsas e, mesmo, pedaços de qualquer papel, pois é sabido que os textos (como uma ideia, que são) vêm de súbito, como uma maçã na cabeça da gente. Por isso, é preciso, com toda a gravidade que esse ato exige, registrá-la em qualquer canto (com o trocadilho, por favor!); sobretudo, em se trabalhando artes como a literatura e a música.
 
        Feita a reunião, pude perceber que, pelo “quorum” dela, já deveria pensar em outro livro. Se, como afirmei em outros textos, resolvi escrever com comprometimento de colaborar com a Poesia da Terra (a tal Universal); então, não pretendo estar trabalhando com poesia apenas por divertimento. É também isso, claro, mas pra chegar aos resultados há de haver muito trabalho; pra que eu também possa pagar as contas desse investimento a longo prazo. Não é de se-estranhar, portanto, que, ao me-referir aos poemas, chame-os de modo a caracterizá-los dessa forma; instituindo, assim, uma máxima ciceriana-pós: a do trabalhador da poesia, co seu labor cum dignitate. Mesmo porque há que ser remunerado, pelo esforço dispensado, o poeta. Em nosso século dignidade custa caro. É isso que desejo estar escrito no poema uma das poéticas pós empossada da palavra no cargo de poeta (que está num texto anterior a este, nesta página, reescrito do que foi publicado na revista Caderno Literário), oqual se-encontrará no meu segundo trabalho poético: Onde Humano, a ser publicado ainda este ano de 2009, com o incentivo da Prefeitura Municipal de Teresina, por intermédio do Projeto Cultural A. Tito Filho, desenvolvido pela Fundação Municipal de Cultura Monsenhor Chaves.
 
        Ter recebido esse incentivo da Prefeitura de Teresina foi o maior prêmio por que já trabalhei até agora na minha “carreira de poeta”. Estou muitíssimo lisonjeado e ciente de que estou bem pago por esse estágio. Mais ainda: não leio o momento de estar o livro publicado. Ah, esse “fetiche”, o livro, o objeto, o material, o físico; não há digital que o-substitua! Pra mim, não. Assim estou fazendo: Onde Humano tem oitenta e quatro poemas, distribuídos em três partes (Poemas da Poesia, Os Ais do Social e Eus interiores & Capitais). Pra chegar a esse formato, contudo, trabalhei durante cinco anos, até agorinha mesmo (e consequentemente, certo?).
 
        Quanto ao conteúdo da obra, dessa vez ele é por demais diversificado, pelo próprio caráter individualizado que os poemas osquais pude reunir dão ao significado global da obra. Em cada parte do livro, trabalho com um tema geral. Em Poemas da Poesia, por exemplo, busco fazer uma homenagem ao ato de escrever humano e, por extensão, à literatura, reconhecendo-a como muito significativa na vida dos seres humanos, visto que é uma marca que nos-distingue dos outros animais, positivamente. Assim é que, se os animais têm cultura, linguagem ou até sentimento; nós os-temos e ainda podemos deixá-los gravados para “sempre” (até esse planeta existir?). Sempre gostei da escrita por esse “poder mágico”. Gosto de escrever também por isso. E ainda pelos poetas antigos e por meus contemporâneos. Razão primeira e contínua deste escrever-se para o mundo, este planeta, a Terra.
 
        Na segunda parte de Onde Humano, Os Ais do Social, rasgo o verbo para dividi-lo com meus irmãos terrenos. Afinal, estamos na mesma bola, rodando a elipse dos anos. Portanto, meu grito, gravo-o em palavras de todas as toadas. Ateinclusive, as de baixo calão, bem alto: fideputa! A cada conteúdo, então, o nosso falar a favor ou ao contrário. Sei que eu não vou mudar muita coisa, mas vou escrever o que tiver de pensar sobre a humanidade (do meu bairro, da minha cidade, à minha pátria, ao meu planeta, ao universo!). Esse é o onde de que falo no título do livro: o lugar de ser humano, feito substantivo , adjetivo ou verbo, todo ambiguidade no espaço!
 
        Pra deixar menos agressivo o tom do livro, fecho-o com Eus Interiores & Capitais, em que o lirismo e o sensualismo aparecem por meio de uma poesia mais subjetiva que nas partes anteriores. Nessa, repito (de novo, perito?) aquela postura acerca do amor, aqual trabalhei em BardoAmar. Ou seja, amor é coisa de bicho-bicho, mas fazer amor em poemas é de bicho-homem! De novo e sempre, o sexo, o acasalar-se em um lar, o dividir a cama, a rede, a barraca, o que-quer-que-seja! Pra mim, com uma mulher; pros outros, com o que-quer-que-desejem!
 
        Todo esse trabalho feito com o principal objetivo de trabalhar a minha língua, a portuguesa do Brasil. Claro que também mordo arcaísmos (lusos ou brasucas), neologismos, estrangeirismos e regionalismos, pro ludo tornar-se ismo. O prazer que o texto encerra, pra mim, é o início de tudo. Vivo a poesia. Viva-a!
 
        Como o-fiz com BardoAmar, quero-les-dar um quartinho de poemas de Onde Humano, pra que vocês próprios o-julguem. Vão pra cima:
 

 

 

 
POEMAS DA POESIA
 

 

 

 
veste o REVISOR  a  3 : 0  POETA ataca com a dez*
 

 
zagueiro das letras
 
tu jogas limpo: eu jogos surjo
 
sem erros e não os cem... a mil!
 

 
e se defendes
 
a braços e cabeça
 
certa língua (errado?)
 
e com essas defesas tuas
 
tu não queres deixar passar
 
por entre as pernas dos teus olhos
 
não bola mas mil e umas palavras tortas
 
é por ser teu toque um acorde que acorda
 
posto veres com todos esses cuidados pudicos
 
os descuidos do time postos a padrão de público
 
porisso vês de novo revês: seguidas segundas vezes!
 
visas a ver os reveses nos entraves das falas do escrito
 
o ciscado dum atacante na grande área da arte dos signos
 
o cisco em campo a trave no olho (olha o lance! tira! vixe!)
 
viste? se parábola passa a palavra... bola mansa na página
 
e se jogas acima: eu lanço mão de um recurso vivo... poesia!
 
por que vejas como jogo o jogo todo de fora com a língua 
 
entanto noutro lance encontro espaço ainda
 
assim passo passes passas: jogadas
 
a dar a tua defesa (trabalhas!)
 
minha linha experta
 
sem errada
 
(certo?)
 

 

 
(Estando perto do País do Gramática.)
 

 
*A Carlos, pelo ofício de ser um senhor revisor Leal.
 

 

 

 
questão de poesia
 

 
deixe completo ou complete:
 

 
o verso é avesso à morte
 
e por dentro & fora
 
permanece __________
 

 

 
(Em espaço de exercício gramático-poético.)
 

 

 

 

 
um poema: a poesia colhida do campo humano*
 

 
àqueles que
 
te-desconhecem
 
o sabor: a tua messe!
 

 

 
(Onde é semeada de nova mente a palavra.)
 

 

 
* Em memória do poeta H., que, não mudo (dobrado o mundo), é Dobal.
 

 

 

 
catalogação da obra ou o poema dá obragem
 

 
poesia universal
 
poesia via-lacteana
 
poesia sistêmico-solar
 
poesia terrenumana
 
poesia sul-ocidental
 
poesia sul-americana
 

 
poesia brasileira
 
poesia nordestina
 
poesia meio-nortista
 
poesia piauiensíssima
 
poesia campurbana
 
poesia todo-bairrista
 

 
poesia caseira
 
poesia de gabinete
 
poesia de mesa
 
poesia de papel
 
poesia de tela:
 
poesia mesma!
 

 

 
(Em qualquer desses lugares e neles todos.)
 

 

 

 
quase-haicai com título tirado de um balaio
 

 
em seu solo o gato
 
e esse novelo (cem nós!)
 
sempre serão novos
 

 

 
(Na ilha de São Luís, não na de Creta.)
 

 

 

 

 
num canto maior à tarde um poeta vida uma ave
 

 
Primavera em maio
 
meu bairro exala um canto
 
e eu canto outra Fênix
 

 
do ninho no galho
 
da árvore a ave canta
 
e encanta nova mente:
 

 
fogo apagou! (cinzas)
 
fogo apagou! (chispas)
 
fogo apagou! (vida)
 

 

 
(À mesa do quarto, na cidade abaixo do universo.)
 

 

 

 
a rainha foi ou não foi ao teatro assistir à tragédia? – pergunta a rir (encantado) o sapo da plateia – depois a fala beijada
 

 
– estou aqui
 
cenando oser ou não
 
ser humano príncipe
 

 
mastambém mendigo:
 
quero mais vida (ação!)
 
masporém comédia... please!
 

 

 
(Estando humano onde, em Teresina ou em Londres.)
 

 

 

 

 
OS AIS DO SOCIAL
 

 

 

 
reinscreve um poeta a seu passo a nova capital & a passada capitania de Piaguí*     
 

 
tristeresina: um quê de semelhante
 
estás ao que era nosso antigo estado
 
(rico de nativos mortos por gados)
 
em este mote alheio & cambiante
 

 
se a ti tocou-te a máquina mercado
 
esse ouro que apaga muito brilhante
 
a nós todos aqui tem-nos-tratado
 
com os dous ff dum poema dantes
 

 
deste estado – a quem não deste por renques
 
as carnes como o-fez à gente ruda
 
de Bahia Pernambuco Minas(mortes!) –
 

 
há quem alegoricamente tente
 
fazer ainda uma vaca bojuda
 
para carnes & poemas de corte
 

 

 
(De Oeiras, Salvador, Ouro Preto, Recife a Teresina, em estados de Brasil.)
 

 
*A Cineas, homem com letras, de cimos Sãos & Santos.
 

 

 

 
escola & biblioteca nacionais revisitadas por dois brasileiros poetas
 

 
os cartazes pedem às vozes
 
(mesmo que não sejam loquazes)
 
um silêncio com volume sepulcral
 

 
os profissionais – professores quase
 
aposentados – vigiam a indisciplina
 
de alunos de castigo: deslocados
 

 
os livros são títulos reescritos de Oswald:
 
a Criança abandonada no século XXI
 
O Doutor Coppelius Faz Milagres
 
Vamos com Ele (a Volta)
 
Senhor Primavera: o Poeta bairrista
 
código do Crime Brasileiro
 
a Arte de Ganhar na política
 
o Arador impopular de Versos
 
O país em Chamas
 

 

 
(Em frente à escola da comunidade, numa quebrada do país.)
 

 

 

 
papagaiato
 

 
como disse gostoso
 
um minha-rosa aquele louro
 
de minha vizinha (ô papagaio!)
 

 
masporém em sua velhitude gaiata
 
mais ranzinza gritaria uma palavra
 
aos que tentaram levá-lo a voz
 
numa linha condicionada pela
 
ladainha de praxe certinha
 
a quem vicentinamente desdizia:
 
fideputa! fideputa!
 

 

 
(Estando do outro lado do muro do louro.)
 

 

 

 
onde o filho de Pablo tocou a terra e deixou cair algo nela
 

 
e arroz
 
a quem voz
 
depois de nós
 

 
e feijão
 
aos que não
 
descansaram
 

 
e milho
 
aos filhos de
 
nossas famílias
 

 

 
(Em campos semeados para o sepultamento dalguma fome.)
 

 

 

 
onde o plano está prefeito     
 

 
executa o político os golpes
 
privados poderes máximos sobre
 
vidas públicas a civil vendidas
 

 
intenção e morte ecoam
 
ambíguas cabinas e atiram
 
carabinas de banda bando part 
 

 
ido: justiça é crime?
 
há algum suspeito no pleito?
 
ninguém assina esses assassínios?
 

 

 

 
(Na fila de populares injustiças elitistas.)
 

 

 

 

 
EUS INTERIORES & CAPITAIS
 

 

 

 
a  mar
 

 
um mar anseia outra nau
 
em cios & silvos: vivo amante
 
em tormenta... estando em movimento
 

 
marés ventos sons-violência entanto
 
no então amar vazando bem raso no chalé
 
sal cantando nas vozes superfícies do profundo
 

 
que assim navegando sem evasão –
 
corpos ocupados de ondes – mergulham
 
no maravilhoso dos sentires humanos amando
 

 

 
(Em Luís Correia... sem correria.)
 

 

 

 
nãO! ou no meio do poço o fim: seu começo
 

 
gravemente literal –
 
na calada – esta queda:
 
pe   sava   a  palavra dela
 
    n        n
 

 
dada bem no túnel
 
guardada mal no fundo
 
desca   sada do mergulho
 
         n
 

 

 
(Fingindo um infausto destino, rumo a Belém, sem parar.)
 

 

 

 
vilão ser-te por amar a esta velha forma antiga
 

 
meu amor – tanto te-amo
 
que meu desejo são ousa
 
desejar-te minha lousa
 

 
por que bem te-escrevinhasse
 
pela pele em poesia
 
o que nos-registra o enlace
 
entre a tua vida e a minha
 
palavras mil eu reclamo
 
e tal ideia repousa
 
no teu corpo – minha lousa
 

 

 
(Dentro do Palácio, que é a Poesia.)
 

 

 

 
outras relações naturais como Qorpo-Santo
 

 
nada impede o poeta
 
ou o linguista de fazer sexo
 
oral com qualquer que seja a língua...
 

 

 
(Em certo lugar de qualquer sexo.)
 

 

 

 
fui eu quem te-prometeu a vida num poema-cantiga
 

 
eu sou no teu cio
 
rio que desarde o dia
 
compondo teus sóis
 
sons!
 

 
eu suo os teus chãos
 
mãos a soar tais metais
 
plantando teus sons
 
sais!
 

 
eu subo os acordes
 
cortes na carne do ar
 
solando teus sais
 
sóis!
 

 

 
(Em Caxias, num leito de folhas ex-brancas.)
 

 

 

 
próximo poema distante tantos quilômetros da cidade
 

 
a quem quer voltar
 
o caminho é longo
 
pois longe está o lugar
 
onde moram em memória
 
os meninos a tornarem-se
 
esses – hoje – homens
 
as matas da carnaúba
 
a pisar o pasto das águas
 
as arvorezinhas do vizinho
 
onde cantavam as aves
 
os pomares de manga de manhã
 
dando as delícias à tarde
 
e à noite a tenebrosa sombra:
 
monstros a infâncias
 

 
distâncias tais se tão longas
 
para segui-las é precisa a língua
 
como cerebrando um menino umas linhas
 
costuma ter à mão outríssima pena (pernas!)
 
entanto mesmice seu poema: mesmo de
 
novo jeito de novo: grava a lápis
 
e pensa e apaga e logo digita... lento:
 
alto é o lugar onde mora
 
o longe das lembranças
 
longa é a cidadezinha: vida
 
percorrida pelas mãos ainda
 
de um pequenino poetinha
 
em estadas de poesia
 

 

 
(Em Alto Longá, onde a infância foi caminho entre mangueiras.)
 

 

 

 
ninguém é obrigado a aceitar-ela masporém mo-obrigo
 

 
e eu que
 
não sou santo
 
católico nem nada (nonada)
 

 
onde ela
 
me-deu aquela bola
 
só olhei pros lados (olhos)
 

 
impedido?!
 
desconfiado?!
 
desmerecido?! (eu?!)
 

 
e não tive dúvida
 
e corri para abraçá-la
 
e dada mais nada de esmola
 

 

 
(Onde o jogo é comum a todos os inscritos.)