Acompanhado de minha família, lá vou eu, após um bom almoço, dar uma passadinha num shopping da Tijuca, nesse domingo chuvoso carioca. É claro que cada um de nós , minha mulher, meu filho Alexandre (o outro, o Francisco Neto, está no frio de Curitiba) e eu, ao entrarmos no grande shoppping, tem um objetivo especial, ou melhor, uma preferência íntima, para ali passar algum tempo. O da minha mulher, a se ver pela direção que toma, é costumeiramente olhar as vitrines das lojas, parar alguns instantes numa delas, olhar os produtos, verificar os preços e , em seguida, deslocar-se para outras lojas, sempre parando em cada uma delas para seguir o mesmo ritual: olhar objetos à venda, ver os preços e me dar a impressão de que deseja comprar alguma coisa.
                           Mas, observo com cuidado que a loja que mais lhe chama a atenção é a de jóias ou de bijuterias. Nesta ela demora mais tempo.Fixa os olhos no brilho daquelas peças, desde as maiores até as minúsculas feitas de ouro, prata, diamante (Onde estão os famosos diamantes raros das aulas compassadas do saudoso professor de ciências do Domício, o professor João Antônio, que também, se não me engano, era professor de educação física, alto, meio magro, calvo, paciente, educado, voz tranqüila, que, segundo papai, ocultava um homem de muita força física e imbatível na quebra de braço das mesas boêmias regadas a cerveja de bares teresinenses lá pelos anos cinqüenta do velho século passado?), pedras preciosas ou semipreciosas ou de outras espécies: água-marinha, esmeralda, ametista, opala, pérola, rubi, safira, colares em forma de brincos, pulseiras, anéis, cruzes, brincos, pingentes, broches, colares, relógios de diferentes designs e das mais custosas marcas.
                         Ao lado de minha mulher, fico dando algum palpite somente para não contrariá-la. Logo me vem à lembrança os poucos dias que compareci à elegante H. Stern em plena Avenida Rio Branco coraçãoç do Rio -,na condição de trainee para me preparar para a função do que chamavam de guide-tour, - período de treinamento rápido ao final de cuja aprendizagem éramos destinados a acompanhar sobretudo clientes estrangeiros por vários andares do prédio-sede, mostrando-lhes como eram preparados e lapidados os diversos tipos de jóias feitas de várias espécies de pedras preciosas desde as menos raras às mais sofisticadas e dispendiosas só ao alcance de milionários
                      Cada trainee tinha um instrutor que nos acompanhava mostrando as diversas workshops e as muitas fases de preparação daqueles produtos de beleza exuberante, de cores, brilhos, coloridos e tamanhos diferentes. As explicações dos instrutores eram dadas em inglês, francês, espanhol e italiano, conforme fosse a língua ou línguas do domínio do trainee. Era um treinamento exaustivo, pois tínhamos que memorizar uma apostila no idioma escolhido por nós.. Eu tive certa dificuldade de memorizar com perfeição todas aquelas fases de preparação das jóias e me atrapalhava todo trocando as fases de preparação das jóias até o seu acabamento final..Eram vários os instrutores que nos ensinavam essas etapas. Alguns dominavam bem a língua; outros eram menos fluentes e não tinham boa pronúncia. Me lembro de que um deles, um italiano, uma vez me acompanhou fazendo uma exposição muito rápida e demonstrava pouca paciência em ensinar-me. Era antipático e malcriado e me falara que eu não tinha memorizado como devia para exercer a tarefa. 

                    Achei que aquilo me humilhou e terminei desistindo de continuar o treinamento. Além disso, achava chato aquele ritual pelo qual passávamos. Um outra razão para meu desestímulo era a obrigatoriedade de usar terno e gravata. Por cima de tudo , havia o gasto com transporte, lanche, almoço, que tudo isso ficava por nossa conta e risco. Havia outra agravante, acontecia que só tinha um terno e me envergonhava de estar todo dia lá envergando o mesmo terno. O de que precisava urgente era ganhar dinheiro para tocar a vida, enquanto não entrava para a universidade. A única coisa boa que aconteceu foi ter encontrado uma colega - trainee, uma jovem  morena, simpática, fluente em inglês, porquanto tinha na época há pouco chegado do Canadá e estava com o inglês  na ponta da língua.. Acredito que tenha sido aproveitada para a função.Essa jovem me achava parecido com o cantor Paul Anka e me dizia que, daquele grupo de jovens que faziam parte do treinamento, só eu lhe parecia um jovem verdadeiro, diferente daqueles outros jovens que para ela não passavam de gente artificial, burguesinhos sem graça, emproados, adamados, e vazios. Não sei se a declaração daquela jovem escondia alguma admiração além da simples amizade. Tempos, depois, casualmente a vi na Rua das Larnajeiras. Trocamos algumas palavras e nunca mais nos vimos. 
                   Prosseguindo o nosso passeio pelo shopping, fomos nos pesar numa balança de uma farmácia. Em seguida, entramos numa livraria, a Saraiva. Tenho um vício danado, que é o de entrar em livrarias e, ao mesmo tempo, tenho uma frustração, a de sair de uma livraria e não comprar um livro sequer. Meus dois filhos são igualmente vidrados em livros e até nas livros de sebos, que hoje podemos encomendar pelas livrarias virtuais no país e no exterior.             

                  Tenho observado nas livrarias um dado novo relacionado a línguas estrangeiras. Era algo impensável no passado: a quantidade de autores e de livros para o ensino de línguas estrangeiras dos idiomas vivos mais conhecidos e - grande surpresa! - de línguas que nem pensávamos que hoje seriam procuradas por interessados, como o russo, o árabe, o japonês, o chinês,  o aramaico, o hebreu, o holandês, o grego e o latim e línguas de outras origens exóticas - fruto certamente da globalização da economia mundial É óbvio que há muita produção autodidática feita meramente com objetivos comerciais, produtos enganadores de leitores incautos desejosos de aprender idiomas. Acontece, no entanto, que o preço dos livros novos - e até dos sebos -  está muito alto. Me lembro de que, na juventude aqui no Rio de Janeiro, sempre tive dificuldade de comprar livros novos. Namorava-os durante meses e, muitas vezes, não os comprava. Ainda hoje grande parte do livros novos só está ao alcance da burguesia culta  e endinheirada. Por isso, me tornei um  contumaz freqüëntador de sebos, sobretudo de obras  estrangeiras, gramáticas,  self-taught books, ficção, poesia, crítica  literária, entre outros  assuntos.               

                        E uma idéia me vem à mente. É uma idéia e um desafio que faço ao leitor: Será que, agora falando da minha área de especialização, a literatura é um bem cultural destinado ao cultivo da elite intelectual - estrato social que pode se dar ao luxo de atualização constante em seus estudos, em suas viagens?  É sintomático que o romance nasceu com a burguesia européia. Será que, hoje em dia, surgiriam um Lima Barreto, um Machado de Assis, um Humberto de Campos, .um Cruz e Sousa, com todas essas dificuldades financeiras e de ascensão intelectual fora das cooptações ideológicas da contemporaneidade? Tenho minhas dúvidas.
                Depois das digressões e lamúrias me desculpe, leitor e não pense que sou revoltado, retornamos a pé pra casa, com os nossos guardas-chuva. O chuvisco domingueiro, renitente, de final da tarde, se confundia com os meus pensamentos. O mesmo não posso afirmar sobre a interioridade dos meus dois queridos acompanhantes de shopping.