UM LABORATÓRIO CHAMADO EDUCAÇÃO
Margarete Hülsendeger
Há décadas a educação brasileira vem sendo usada como laboratório para a realização das mais variadas experiências. Vamos a alguns exemplos.
Entre os anos 60 e 70, em pleno regime militar, decidiu-se que as escolas deveriam concentrar os seus esforços na formação de futuros engenheiros e cientistas. Para ser atingido esse objetivo algumas medidas “revolucionárias” foram postas em prática. Em primeiro lugar, foi extinta, ou reduzida – o grau de extinção ou redução dependia de uma série de fatores determinados pelo próprio governo –, a carga horária das chamadas disciplinas humanísticas como filosofia, história e sociologia. Em seguida, com o intuito de aumentar a importância das disciplinas técnicas e científicas, começaram chegar às escolas “kits científicos” ou caixas onde se poderiam encontrar material básico para a realização de experimentos simples. Esses kits deveriam ser encaminhados aos professores para uso em sala de aula.
Qual foi o resultado de toda essa “reforma”? Formaram-se muitos engenheiros naquele período, mas poucos cientistas ou pesquisadores e ainda menos filósofos e historiadores. As caixas do tal kit científico começaram a se acumular nas salas de aula porque a maioria dos professores, além de não ter sido consultada sobre a viabilidade ou qualidade dos materiais contidos nos kits, não recebeu qualquer tipo de treinamento ou orientação para o seu uso. Talvez, ainda hoje seja possível encontrar algumas dessas caixas em salas empoeiradas de escolas estaduais e federais.
Mais recentemente, outra decisão igualmente “revolucionária” foi tomada pelo Ministério da Educação: o ensino básico de nove anos. O discurso foi o esperado: para melhorar a qualidade do ensino no Brasil, as crianças e jovens precisariam de mais tempo na escola. Como no caso dos “kits”, pouco foi perguntado a qualquer professor sobre a viabilidade desse projeto ou como ele deveria ser posto em prática. O projeto foi elaborado, votado e sancionado e as escolas é que tiveram de dar conta dessa nova exigência.
Não me entendam mal, particularmente nada tenho contra o ensino de nove anos, por mim poderia até ser de dez ou onze. O problema está na forma como essas decisões são tomadas e os resultados que advêm delas. Na prática, as crianças vão apenas entrar um ano mais cedo na escola, esse primeiro ano corresponde ao antigo pré-primário. Ao final dele, as crianças passarão automaticamente para a segunda série, momento no qual o processo de alfabetização irá começar. Qual o ganho em termos de conhecimento ou aprendizagem? Praticamente nenhum. Esse era o resultado esperado pelos professores? Claro que não!
Agora a nova onda é algo chamado meritocracia. Nesse sistema, a melhoria da remuneração dos professores está vinculada diretamente ao bom desempenho dos seus alunos. Professor com altos índices de aproveitamento, por exemplo, receberá um bônus no seu salário ou algum tipo de promoção. Essa ideia se inspira na forma como as empresas da iniciativa privada premiam seus empregados quando determinadas metas são atingidas, de preferência num curto período de tempo.
No Brasil, esse sistema já está sendo implantado em São Paulo, sem, é claro, o endosso dos professores. No entanto, o assunto tornou-se destaque quando o Senado dos Estados Unidos resolveu aprovar, em final de março deste ano, um projeto com características semelhantes. E como tudo o que vem de fora sempre parece melhor, o tema voltou a ser discutido em nível nacional. O discurso é o mesmo: a qualidade da educação brasileira está abaixo da crítica, nossos índices são os piores possíveis, portanto, vamos premiar os professores para assim melhorar o desempenho dos alunos. No entanto, pergunta-se: melhorar desempenho significa melhorar a qualidade da aprendizagem e, consequentemente, do ensino? Estamos falando de educação ou da fabricação de parafusos?
Estudos sérios, como o relatório de 2007 da consultoria norte-americana McKinsey, apontam um caminho diferente. Países como a Finlândia, Singapura e a Coréia do Sul conseguiram avanços no seu sistema educacional investindo na qualificação dos seus professores. São nações onde a figura do professor é respeitada e valorizada e, portanto, entra na carreira apenas quem consegue passar por concursos disputadíssimos. As palavras de ordem são respeito, valorização e qualificação. Não há recompensas posteriores, mas salários dignos desde o início da carreira do professor.
A verdade é que não há saídas milagrosas ou espetaculares para os problemas enfrentados, há décadas, pela a educação brasileira. No entanto, uma solução efetiva só vai acontecer quando todos os segmentos envolvidos na tarefa de educar forem realmente ouvidos. Até hoje, muitos dos projetos visando à melhoria da qualidade do ensino no Brasil têm sido construídos dentro de gabinetes fechados, por pessoas que nunca estiveram em uma sala de aula ou que vivem em ambientes fora da realidade da maioria das escolas brasileiras. Quem deseja encontrar algum tipo de solução, a médio e longo prazo, para os problemas da educação no Brasil deverá antes de mais nada ouvir os verdadeiros especialistas. Eles são fáceis de achar. Basta visitar as salas de aula espalhadas pelo território nacional. Esse especialista, tão pouco procurado, é chamado professor.