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Luiz Filho de Oliveira

 

 

 

 

 

 

Depois da publicação de BardoAmar em 2003, iniciei, em 2004, a reunião de textos que eu já havia escrito antes da edição desse meu primeiro livro. A princípio, a intenção era tão-somente não perder os trabalhos que estavam dispersos, espalhados em cadernos, agendas, folhas avulsas e pedaços de qualquer papel, pois é sabido que os textos (como uma ideia, que são) vêm de súbito, como uma maçã na cabeça da gente. Por isso, é preciso, com toda a gravidade que esse ato exige, registrá-la em qualquer canto (com o trocadilho, por favor!); sobretudo, em se trabalhando artes como a literatura e a música.

        Feita a reunião, pude perceber que, pelo “quorum” dela, já deveria pensar em outro livro. Se, como afirmei em outros textos, resolvi escrever com comprometimento de colaborar com a Poesia da Terra (a tal Universal); então, não pretendo estar trabalhando com poesia apenas por divertimento. É também isso, claro, mas pra chegar aos resultados há de haver muito trabalho; pra que eu também possa pagar as contas desse investimento a longo prazo. Não é de se-estranhar, portanto, que, ao me-referir aos poemas, chame-os de modo a caracterizá-los dessa forma; instituindo, assim, uma máxima ciceriana-pós: a do trabalhador da poesia (não sou um escritor profissional, sou um profissional-escritor), co meu labor cum dignitate. Mesmo porque há que ser remunerado, pelo esforço dispensado, o poeta. Em nosso século dignidade custa caro; porisso, trabalho:

uma das poéticas pós empossada da palavra no cargo de poeta

poesia já

pode ter sido ócio com 
amadora dignidade sábia mas

 

com licença – poetas –

convençamos: aqui é ela também

sabor capital trabalho (se trabalhado)

 

(Em caminhos onde a poesia é empregada.)

 

É isso que desejo estar escrito nesse poema, oqual se-encontra no meu segundo trabalho poético: Onde Humano, a ser publicado ainda este ano de 2009, com o incentivo da Prefeitura Municipal de Teresina, por intermédio do Projeto Cultural A. Tito Filho, desenvolvido pela Fundação Municipal de Cultura Monsenhor Chaves e o patrocínio da Faculdade Santo Agostinho.

        Ter recebido esse investimento foi o maior prêmio por que já trabalhei até agora na minha “carreira de poeta”. Estou muitíssimo lisonjeado e ciente de que estou bem pago por esse estágio ainda inicial da minha produção poética (que espero seja da mais alta valia). Mais ainda: não leio o momento de estar o livro publicado. Ah, esse “fetiche”, o livro, o objeto, o material, o físico; não há digital que o-substitua! Pra mim, não. Assim estou fazendo: Onde Humano tem oitenta e quatro poemas, distribuídos em três partes (Poemas da Poesia, Os Ais do Social e Eus interiores & Capitais). Pra chegar a esse formato, contudo, trabalhei durante cinco anos, até agorinha mesmo (e consequentemente, certo?).

        Quanto ao conteúdo da obra, dessa vez ele é por demais diversificado, pelo próprio caráter individualizado que os poemas osquais pude reunir dão ao significado global da obra. Em cada parte do livro, trabalho com um tema geral. Em Poemas da Poesia, por exemplo, busco fazer uma homenagem ao ato de escrever humano e, por extensão, à literatura, reconhecendo-a como muito significativa na vida dos seres humanos, visto que é uma marca que nos-distingue dos outros animais, positivamente. Assim é que, se os animais têm cultura, linguagem ou até sentimento; nós os-temos e ainda podemos deixá-los gravados para “sempre” (até esse planeta existir?). Sempre gostei da escrita por esse “poder mágico”. Gosto de escrever também por isso. E ainda pelos poetas antigos e por meus contemporâneos. Razão primeira e contínua deste escrever-se para o universo, este planeta, a Terra.

        Na segunda parte de Onde Humano, Os Ais do Social, rasgo o verbo para dividi-lo com meus irmãos terrenos. Afinal, estamos na mesma bola, rodando a elipse dos anos. Portanto, meu grito, gravo-o em palavras de todas as toadas. Inclusivaté, as de baixo calão, bem alto: fideputa! A cada conteúdo, então, o nosso falar a favor ou ao contrário. Sei que eu não vou mudar muita coisa, mas vou escrever o que tiver de pensar sobre a humanidade (do meu bairro, da minha cidade, à minha pátria, ao meu planeta, ao universo!). Esse é o onde de que falo no título do livro: o lugar de ser humano, feito substantivo , adjetivo ou verbo, todo ambiguidade no espaço!

        Pra deixar menos agressivo o tom do livro, fecho-o com Eus Interiores & Capitais, em que o lirismo e o sensualismo aparecem por meio de uma poesia mais subjetiva que nas partes anteriores. Nessa, repito (de novo, perito?) aquela postura acerca do amor, aqual trabalhei em BardoAmar. Ou seja, amor é coisa de bicho-bicho, mas fazer amor em poemas é de bicho-homem! De novo e sempre, o sexo, o acasalar-se em um lar, o dividir a cama, a rede, a barraca, o que-quer-que-seja! Pra mim, com uma mulher; pros outros, com o que-quer-que-desejem!

        Todo esse trabalho feito com o principal objetivo de trabalhar a minha língua, a portuguesa do Brasil. Claro que também mordo arcaísmos (lusos ou brasucas), neologismos, estrangeirismos e regionalismos, pro ludo tornar-se ismo. O prazer que o texto encerra, pra mim, é o início de tudo. Vivo a poesia. Viva-a!

        Como o-fiz com BardoAmar, quero-les-dar um quartinho de poemas de Onde Humano, pra que vocês próprios o-julguem. Vão pra cima:

 

POEMAS DA POESIA

 

 

veste o REVISOR  a  3 : 0  POETA ataca com a dez*

 

zagueiro das letras

tu jogas limpo: eu jogos surjo

sem erros e não os cem... a mil!

 

e se defendes

a braços e cabeça

certa língua (errado?)

e com essas defesas tuas

tu não queres deixar passar

por entre as pernas dos teus olhos

não bola mas mil e umas palavras tortas

é por ser teu toque um acorde que acorda

posto veres com todos esses cuidados pudicos

os descuidos do time postos a padrão de público

porisso vês de novo revês: seguidas segundas vezes!

visas a ver os reveses nos entraves das falas do escrito

o ciscado dum atacante na grande área da arte dos signos

o cisco em campo a trave no olho (olha o lance! tira! vixe!)

viste? se parábola passa a palavra... bola mansa na página

e se jogas acima: eu lanço mão de um recurso vivo... poesia!

por que vejas como jogo o jogo todo de fora com a língua 

entanto noutro lance encontro espaço ainda

assim passo passes passas: jogadas

a dar a tua defesa (trabalhas!)

minha linha experta

sem errada

(certo?)

 

 

(Estando perto do País do Gramática.)

 

*A Carlos, pelo ofício de ser um senhor revisor Leal.

 

 

 

questão de poesia

 

deixe completo ou complete:

 

o verso é avesso à morte

e por dentro & fora

permanece __________

 

 

(Em espaço de exercício gramático-poético.)

 

 

 

um poema: a poesia colhida do campo humano*

 

àqueles que

te-desconhecem

o sabor: a tua messe!

 

 

(Onde é semeada de nova mente a palavra.)

 

 

* Em memória do poeta H., que, não mudo (dobrado o mundo), é Dobal.

 

 

 

catalogação da obra ou o poema dá obragem

 

poesia universal

poesia via-lacteana

poesia sistêmico-solar

poesia terrenumana

poesia sul-ocidental

poesia sul-americana

 

poesia brasileira

poesia nordestina

poesia meio-nortista

poesia piauiensíssima

poesia campurbana

poesia todo-bairrista

 

poesia caseira

poesia de gabinete

poesia de mesa

poesia de papel

poesia de tela:

poesia mesma!

 

 

(Em qualquer desses lugares e neles todos.)

 

 

 

quase-haicai com título tirado de um balaio

 

em seu solo o gato

e esse novelo (cem nós!)

sempre serão novos

 

 

(Na ilha de São Luís, não na de Creta.)

 

 

 

num canto maior à tarde um poeta vida uma ave

 

Primavera em maio

meu bairro exala um canto

e eu canto outra Fênix

 

do ninho no galho

da árvore a ave canta

e encanta nova mente:

 

fogo apagou! (cinzas)

fogo apagou! (chispas)

fogo apagou! (vida)

 

 

(À mesa do quarto, na cidade abaixo do universo.)

 

 

 

a rainha foi ou não foi ao teatro assistir à tragédia? – pergunta a rir (encantado) o sapo da plateia – depois a fala beijada

 

– estou aqui

cenando o ser ou não

ser humano príncipe

 

mastambém mendigo:

quero mais vida (ação!)

masporém comédia... please!

 

 

(Estando humano onde, em Teresina ou em Londres.)

 

 

 

OS AIS DO SOCIAL

 

 

reinscreve um poeta a seu passo a nova capital & a passada capitania de Piaguí*     

 

tristeresina: um quê de semelhante

estás ao que era nosso antigo estado

(rico de nativos mortos por gados)

em este mote alheio & cambiante

 

se a ti tocou-te a máquina mercado

esse ouro que apaga muito brilhante

a nós todos aqui tem-nos-tratado

com os dous ff dum poema dantes

 

deste estado – a quem não deste por renques

as carnes como o-fez à gente ruda

de Bahia Pernambuco Minas (mortes!) –

 

há quem alegoricamente tente

fazer ainda uma vaca bojuda

para carnes & poemas de corte

 

 

(De Oeiras, Salvador, Ouro Preto, Recife a Teresina, em estados de Brasil.)

 

*A Cineas, homem com letras, de cimos Sãos & Santos.

 

 

 

escola & biblioteca nacionais revisitadas por dois brasileiros poetas

 

os cartazes pedem às vozes

(mesmo que não sejam loquazes)

um silêncio com volume sepulcral

 

os profissionais – professores quase

aposentados – vigiam a indisciplina

de alunos de castigo: deslocados

 

os livros são títulos reescritos de Oswald:

a Criança abandonada no século XXI

O Doutor Coppelius Faz Milagres

Vamos com Ele (a Volta)

Senhor Primavera: o Poeta bairrista

código do Crime Brasileiro

a Arte de Ganhar na política

o Arador impopular de Versos

O país em Chamas

 

 

(Em frente à escola da comunidade, numa quebrada do país.)

 

 

 

papagaiato

 

como disse gostoso

um minha-rosa aquele louro

de minha vizinha (ô papagaio!)

 

masporém em sua velhitude gaiata

mais ranzinza gritaria uma palavra

aos que tentaram levá-lo a voz

numa linha condicionada pela

ladainha de praxe certinha

a quem vicentinamente desdizia:

fideputa! fideputa!

 

 

(Estando do outro lado do muro do louro.)

 

 

 

onde o filho de Pablo tocou a terra e deixou cair algo nela

 

e arroz

a quem voz

depois de nós

 

e feijão

aos que não

descansaram

 

e milho

aos filhos de

nossas famílias

 

 

(Em campos semeados para o sepultamento dalguma fome.)

 

 

 

onde o plano está prefeito     

 

executa o político os golpes

privados poderes máximos sobre

vidas públicas a civil vendidas

 

intenção e morte ecoam

ambíguas cabinas e atiram

carabinas de banda bando part 

 

ido: justiça é crime?

há algum suspeito no pleito?

ninguém assina esses assassínios?

 

 

 

(Na fila de populares injustiças elitistas.)

 

 

 

EUS INTERIORES & CAPITAIS

 

 

a  mar

 

um mar anseia outra nau

em cios & silvos: vivo amante

em tormenta... estando em movimento

 

marés ventos sons-violência entanto

no então amar vazando bem raso no chalé

sal cantando nas vozes superfícies do profundo

 

que assim navegando sem evasão –

corpos ocupados de ondes – mergulham

no maravilhoso dos sentires humanos amando

 

 

(Em Luís Correia... sem correria.)

 

 

 

nãO! ou no meio do poço o fim: seu começo

 

gravemente literal –

na calada – esta queda:

pe   sava   a  palavra dela

    n        n

 

dada bem no túnel

guardada mal no fundo

desca  sada do mergulho

        n

 

 

(Fingindo um infausto destino, rumo a Belém, sem parar.)

 

 

 

vilão ser-te por amar a esta velha forma antiga

 

meu amor – tanto te-amo

que meu desejo são ousa

desejar-te minha lousa

 

por que bem te-escrevinhasse

pela pele em poesia

o que nos-registra o enlace

entre a tua vida e a minha

palavras mil eu reclamo

e tal ideia repousa

no teu corpo – minha lousa

 

 

(Dentro do Palácio, que é a Poesia.)

 

 

 

outras relações naturais como Qorpo-Santo

 

nada impede o poeta

ou o linguista de fazer sexo

oral com qualquer que seja a língua...

 

 

(Em certo lugar de qualquer sexo.)

 

 

 

fui eu quem te-prometeu a vida num poema-cantiga

 

eu sou no teu cio

rio que desarde o dia

compondo teus sóis

sons!

 

eu suo os teus chãos

mãos a soar tais metais

plantando teus sons

sais!

 

eu subo os acordes

cortes na carne do ar

solando teus sais

sóis!

 

 

(Em Caxias, num leito de folhas ex-brancas.)

 

 

 

próximo poema distante tantos quilômetros da cidade

 

a quem quer voltar

o caminho é longo

pois longe está o lugar

onde moram em memória

os meninos a tornarem-se

esses – hoje – homens

as matas da carnaúba

a pisar o pasto das águas

as arvorezinhas do vizinho

onde cantavam as aves

os pomares de manga de manhã

dando as delícias à tarde

e à noite a tenebrosa sombra:

monstros a infâncias

 

distâncias tais se tão longas

para segui-las é precisa a língua

como cerebrando um menino umas linhas

costuma ter à mão outríssima pena (pernas!)

entanto mesmice seu poema: mesmo de

novo jeito de novo: grava a lápis

e pensa e apaga e logo digita... lento:

alto é o lugar onde mora

o longe das lembranças

longa é a cidadezinha: vida

percorrida pelas mãos ainda

de um pequenino poetinha

em estadas de poesia

 

 

(Em Alto Longá, onde a infância foi caminho entre mangueiras.)

 

 

 

ninguém é obrigado a aceitar-ela masporém mo-obrigo

 

e eu que

não sou santo

católico nem nada (nonada)

 

onde ela

me-deu aquela bola

só olhei pros lados (olhos)

 

impedido?!

desconfiado?!

desmerecido?! (eu?!)

 

e não tive dúvida

e corri para abraçá-la

e dada mais nada de esmola

 

 

(Onde o jogo é comum a todos os inscritos.)