CUNHA E SILVA FILHO

 

     A “Cidade Maravilhosa,” se não tiver cuidado, vai perder essa mundialmente conhecida antonomásia, se não se cuidar a tempo. Cercada de violência nas favelas, nas ruas, nos bairros, na zonas sul, no centro, na periferia, na Baixada Fluminense, na zona oeste, super-povoamento, calor insuportável (efeito estufa), com sistema de saúde precário, violência nas escolas, cidade marcada por acidentes injustificáveis e vítimas fatais como o trágico desabamento da pista de ciclovia em São Conrado, na Avenida Niemeyer, vandalismo de adolescentes em ônibus etc, etc.
      Há limites para tudo, até para chamar alguém de “lindo/a” com outras frases, muitas vezes, meramente formais. Não quero insinuar que, quando chamo alguém de “linda,” esteja sendo apenas cortês. Prefiro usar o o elogio de forma indireta ou com outros torneios retóricos e sutis.
Contudo, noto que alguns exageros há, sobretudo via redes sociais, o Face, por exemplo, em que chamar alguém de “lindo/a” virou uma banalidade. Todos nos tornamos lindos, lindos, lindos! Haja lindeza! Por favor, não vão enganar a autoestima do/a amigo/a só por educação ou hipocrisia “educada”, ou, o que, em velhos tempos, se denominavam “mentiras convencionais de nossa civilização.” Por outro lado, não me venham definir como casmurro, resmungão, chato. Performo e constato – eis o que faz a linguagem literária ou não (J.L.Austin).
         Certa dia de aula no mestrado, um poeta e estudante desse curso, não sei por que cargas d’água, sapecou o termo “resmungão”para definir o grande poeta Carlos Drummond de Drummond (1902-1987). Ninguém, ao redor da grande mesa retangular  da sala de aula,  mostrou qualquer concordância. Ainda bem, inclusive eu. Fiquei calado e me arrependo de que tenha feito isso. Devia sair em defesa do bardo de Itabira.
        Drummond merecia uma defesa, sobretudo porque era a matéria prima do curso que estava sendo ministrado pela saudosa professora Gilda Sizklo. O mesmo poeta que também lecionava (é falecido) numa universidade particular do Rio, em outra ocasião do mesmo curso, reclamou de que a professora Gilda, na bibliografia passiva de Drummond, incluía mais estudos de autores judeus (Gilda, por sinal, era judia).
       Mas, retomemos o tema desta crônica, o Rio de Janeiro, não só a cidade, mais o estado todo. Primeiro, me vem à tona a situação angustiante e injusta em que estão vivendo no momento os funcionários aposentados do estado. Um caso sério, que merece toda a nossa indignação, o nosso repúdio.
        Vou dar dois exemplos: o daquele policial aposentado que está sem receber seus proventos, não tem dinheiro para comprar os remédios de que precisa mensalmente e nem pode comprar o básico da sua alimentação. Ou o daquela senhora professora que se queixava de ter dedicado a vida inteira ao ensino e agora não pode pagar suas dívidas, seus sustento, seu aluguel. Aproveitou para mostrar à repórter o estado em que se encontrava sua geladeira: praticamente vazia de tudo. Esses dois exemplos são emblemáticos para traduzirem o desmantelo das finanças estaduais do Rio de Janeiro.
    O governador, se não me engano, ainda está doente. Substituiu-lhe o velho político Francisco Dornellles, vice-governador, de 81 anos. Como economista que é, mostrou-se solidário com a gravíssima situação de falta de pagamento dos barnabés estaduais e surpreendeu-me ao afirmar: “Jamais vi uma situação financeira tão delicada, tão trágica, quanto a que está atravessando o estado do Rio de Janeiro.” Dornelles, com modos cansados, e parentando ter mais idade, não tinha nada de alvissareiro a declarar sobre quando os atrasos salariais serão normalizados.
     Agora, vou problematizar o questão da falta de dinheiro no governo estadual. Ora, não é tão complexo assinalar alguns motivos da quebradeira fluminense. Primeiro, os gastos astronômicos feitos pelo governador Sérgio Cabral no tempo da Copa Mundial.
       Em seguida, os gastos gigantescos com a preparação para os Jogos Olímpicos que seriam bem-vindos ao país se não houvesse uma falta de infraestrutura  para a cidade merecer sediar os jogos, agravada com a crise econômico-fananceira que assola o país sem misericórdia e com efeitos colaterais sem precedentes, fazendo-se sentir mais em alguns estados brasileiros, como o Rio de Janeiro, o Rio Grande do Sul.
Obras faraônicas realizadas no Rio de Janeiro com vistas aos Jogos Olímpicos necessariamente redundariam em abalos nos cofres fluminenses, sem se falar em possíveis superfaturamentos governamentais a serem investigados pelo Ministério Público, Polícia Federal e outros órgãos competentes.Do meu ponto de vista, ousaria afirmar que a crise estadual se embrica profundamente na crise econômica do governo federal.
      Mais um ponto de convergência à prática de ilicitudes pode ser rastreado nos gastos da campanha política que deu vitória ao governador Pezão. Possivelmente, o seu antecessor já tinha legado ao atual governador uma situação financeira falimentar.
     Existe algo sumamente injusto na questão de atraso de pagamento no Rio de Janeiro. Os altos cargos do executivo, do legislativo e do judiciário não sofreram nenhum atraso de pagamentos.
   Ora, os ocupantes desses cargos, tendo salários elevados, são os primeiros a receberem integralmente seus vencimentos. Continuam recebendo em dia, o que configura, a meu ver, um despropósito,  uma covardia e uma flagrante injustiça praticada contra quem ganha menos ou percebe baixos salário, ou ainda está na condição dos    sem voz, que são os aposentados de categorias mais humildes.
    Mesmo recorrendo à Justiça para obrigar o governo a pagar seus vencimentos, o funcionalismo ainda tem suas reivindicações justas indeferidas pelos órgãos oficiais. Ou seja, quem não tem voz, como os menos afortunados barnabés, vai ter que passar privações aflitivas ou até se endividar com os possíveis cantos de sereia que, nas horas de aperto, se aproveitando do infortúnio alheio   e com as garras afiadas de  Shylocks,  ficam  espreitando a primeira presa que encontram.