Havia dias que não o via. Que teria acontecido?
 Estivesse sol a pino ou chovendo canivetes, lá vinha ele, macerado, trambecando, arrastando-se sobre os pés, olhos entreabertos, cabisbaixo – como se os músculos do pescoço não suportassem o peso da cabeça, na vertical – em busca daquela mesa no barzinho do shopping, onde uma garçonete, velha conhecida, solicitamente, o atendia. Enquanto me deleitava com um “expresso” quente e encorpado, lendo um jornal ou algum livro, o sujeito mandava para dentro do corpo muitos mililitros de álcool e uma boa quantidade de fumaça dos cigarros que fumava, sofregamente.
  Antes de assumir seu posto na mesinha dava uma volta no centro comercial. Penso que não olhava nenhuma loja, pois, sempre com cigarro na boca ou entre os dedos, de cabeça baixa, cumpria como se fosse um ritual, caminhando, o mais possível em linha reta, só fazendo as necessárias curvas para mudança de direção ou de sentido. Penoso ver um ser humano parecendo autômato.
 Cidadão ainda jovem, classe média alta, possivelmente, pois que sempre trajava vestimenta de boa qualidade; difícil entender por que se destruía. A barriga enorme para um corpo esquálido. A pele que, certamente, um dia fora clara e saudável, àquela altura, encerada e manchada, adquirira cor acinzentada. Encurvado, não em conseqüência do peso dos anos, mas, talvez, em decorrência da fraqueza de seus músculos e ossos. Na verdade, o homem estava desmanchando sem esboçar qualquer esforço no sentido de evitar a decadência. De dar dó.
 Nunca o ouvira falar, expressar-se dizer qualquer coisa. Não sabia que timbre ou sonoridade vocal possuía. Parecia trabalhar para o Estado. Ou seria melhor dizer trabalha, uma vez que não constava estivesse aposentado ou que houvesse falecido? Pelo menos, os jornais não anunciaram nenhuma missa em sufrágio de sua alma. Provavelmente, apenas houvesse sumido de circulação por algum tempo e por um motivo qualquer.
 Dias antes de desaparecer, já andava acompanhado ou, ao chegar ao shopping, fazia-se acompanhar de um casal de jovens, quase adolescentes. Se eram seus filhos, não se sabia; certamente, um deles fosse o condutor do veículo do qual fazia questão de ostentar a chave no cinto. Não havia dúvida de que não mais era capaz de conduzir, ele próprio, seu automóvel. Claro que não, mesmo de óculos, seus olhos permaneciam mais fechados que abertos.
 Triste figura. Tomara tivesse tomado coragem de procurar ajuda médica; daí a razão de seu súbito desaparecimento. Quem sabe a família – obviamente possuía uma – vendo que estava caminhando para o fim, abreviando sua vida, não lhe tenha alertado?
 Especulações que, intimamente, desejava fossem fatos. Torcia para que, em vez de tornar a revê-lo caminhando trôpega e cegamente na direção daquela mesa de bar e acenando para a garçonete solicitando doses de álcool e maços de cigarro, adentrasse qualquer dia ao shopping, rosado, dando passos largos e seguros, pele lisa e bem cuidada, cabeça erguida, sorridente; olhando para frente, determinado.
 Tenho certeza de que ficaria muito alegre se, dirigindo-se à cafeteria, aquele homem que, outro dia, desmanchava pedisse um expresso, um capuccino ou um carioca e nos convidasse a com ele brindarmos  por sua nova vida.
     Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal e escritor piauiense