Capítulo 6: A ESTUPA DE JARUNGKHASOR.

 

Então ANL se dirigiu aos tibetanos nesses termos:

— Jovens tibetanos, há uma estória que vocês desconhecem, ó jovens tibetanos, que necessitam saber. E é por isso que vocês estão aqui.

 

Os tibetanos permaneceram em silêncio.

 

— Querem vocês conhecer parte da minha extraordinária estória?

 

Os tibetanos pediram que ANL lhes contasse.

 

E assim falou ANL:

 

— Isso se passou há muito tempo, no tempo do Buda Mahakashyapa. Minha mãe daquela época se chamava Shamvara, e tinha 4 filhos. Ela construiu a Estupa de Jarungkhasor, no distrito de Maguta, no reino do Nepal.

 

ANL puxou sua capa para proteger-se do vento e prosseguiu: “Na vida anterior àquela, minha mãe se chamava Apurna, e residia no Reino dos 33 deuses. Lá, ela tirou uma flor do jardim. Áquila era um crime e por isso ela adquiriu o carma de nascer no reino dos humanos, como uma simples porqueira de nome Shamvara”.

 

“Shamvara teve quatro filhos de quatro diferentes homens. Como ficou quase rica com sua criação de porcos, e para o benefício de seus filhos, ela resolveu construir uma estupa para servir de receptáculo da mente de todos os Budas”.

“Para isso Shamvara pediu permissão do rei. E o rei autorizou”.

“Então ela começou a construir a estupa com ajuda de seus 4 filhos. Mas à medida que a estupa crescia e ficava bela, os ministros e o povo do Nepal desenvolvia inveja e raiva contra aquela reles porqueira. Eles se consideravam insultados, pois uma simples criadora de porcos, junto de seus quatro filhos ilegítimos, estavam construindo um tão grande e belo monumento”.

“Por isso, foram ao rei e lhe pediram que o monarca obstruísse aquela construção, porque aquilo constituía uma humilhação para todos os nobres”.

“O rei, porém, respondeu que aquela mulher era pobre, e que através de seu trabalho conseguiu economizar bastante dinheiro para, junto com seus quatro ilegítimos filhos, construir aquela estupa, e que ele já tinha autorizado a construção. Portanto a autorização estava valendo, ele não podia mudar”.

— Eu, como rei, só falo uma vez, concluiu. Por isso a grande estupa passou a se chamar de Jarungkhasor, o que quer dizer: uma vez autorizada, nenhum obstáculo deve haver à sua construção.

Quando a grande estupa estava prestes a ser concluída, a porqueira previu a sua morte antes da conclusão. Então ela reuniu seus quatro filhos e lhes pediu:

— Depois de minha morte, ó filhos, vocês devem concluir a obra, que é a finalidade de minha vida.

 

E depois que aquelas palavras foram ditas, ela morreu.

 

Ouviram-se sinos e os deuses enviaram uma chuva de flores. Diversos arco-íris iluminaram os céus. A natureza homenageava minha mãe, pela generosidade de ter construído a bela estupa.

 

Minha mãe atingiu o estado de Buda.

 

Nós trabalhamos mais três anos, sete ao todo, e concluímos a obra.

No fim, o Buda Mahakashyapa, acompanhado por seus filhos bodhissattvas, apareceu sobre o espaço, em cima da estupa. Também ali estavam todos os Budas e Bodissatvas das dez direções, com numerosos Arahants e os senhores dos três mundos, assim como divindades pacíficas e iradas, todos apareceram na mais auspiciosa presença com grandes sons e flores e nuvens de incenso.

Então a terra tremeu três vezes.

E uma ilimitada luz da divina sabedoria se difundiu do corpo da assembléia dos Budas ali presentes, eclipsando a luz do sol, e irradiando mesmo de noite por mais cinco dias.

 

ANL ajeitou a capa, bebeu um gole de chá, sorriu como se lembrasse de tudo aquilo, e continuou:

 

— Naquela hora eu fiz um pedido. Por causa desse pedido vocês estão aqui.

 

Os tibetanos se entreolharam. Uma águia voejou no espaço, sobre a cabeça da gruta. Um vento novo varreu o vazio entre as grandes montanhas do Nepal.

 

ANL prosseguiu:

 

— Naquela hora eu fiz o seguinte pedido aos budas e bodissatvas: que, pelo mérito de ter construído a estupa de minha mãe, que eu pudesse leva o ensinamento para as grandes montanhas geladas do Tibet.

 

Todos se calaram. A noite caiu. Um grande vento frio baixou pelo vale, vindo das mais altas montanhas. O pesado silêncio pacificou a todos.

 

 

 

Assim falou ANL e os guerreiros tibetanos escutaram em silêncio.

 

— Voltem para o seu reino, disse ANL. Transmitam ao rei Trisong Detsen minhas saudações de agradecimento. Digam-lhe que aceito o convite. Irei para o Tibet quando concluir o meu retiro.

Mas os guerreiros insistiram:

 

— Mas você não compreendeu: viemos aqui não só para convidá-lo. Nossa missão é levá-lo protegido ao Tibet.

 

— Voltem sem mim, jovens, disse ANL. Se vocês estiverem comigo, serão mortos pelos demônios do caminho. Eu tenho de voltar só, e enfrentá-los. Não se preocupem, estarei preparado. Chegarei lá, quando for o tempo.

 

Partiram os guerreiros tibetanos para a Terra das Neves.

Tinham de apressar-se.

Ia chegar o Inverno.

 

* * *

 

 

ANL mergulhou em profunda meditação naquela noite.

 

Os tibetanos queriam deixar todo o ouro trazido para oferecimento, mas ANL recusou. Aceitou algumas provisões.

 

Dias se passaram.

 

Uma noite, uma gigantesca configuração apareceu no espaço em frente à gruta de ANL.

 

Era um imenso ser alado, de três faces, quatro pernas, seis mãos, com muitos aparatos e séqüito. Sua face central era azul e feroz. Sua face da direita, branca e sorridente. Sua face da esquerda vermelha e sedutora. Nas seis mãos ele segurava vajras, fogo, tridente e uma adaga chamada purba. Estava cheio de ornamentos sinistros: roda, brincos, ossos, cinzas, sangue, gordura, pele de elefante, pele de humanos, pele de tigre. Tinha um colar de 50 cabeças cadavéricas, algumas frescas, recém-mortas, outras em decomposição. Algumas só tinha o crânio. Possuía uma coroa de crânios ressecados que o adornava como jóias. Trazia uma armadura. Estava cercado de protetores, guerreiros, matadores, filhos, cães e pássaros.

 

Certamente um exército fugiria, apavorado, ao ver a deidade Kila.

 

Então sua voz se fez ouvir em todo o vale de Parping:

 

— ANL, você vai para o Tibet?

 

Ele disse: “Sim”.

 

— Pois bem, disse Vajrakilaya. Lá você vai ter muitos problemas, mas vou dar-lhe proteção e esta minha adaga Phurba, que vai guiá-lo. Mantenha-se firme e puro.

 

O Phurba foi lançado e se cravou na pedra em frente onde ANL estava.

 

A deidade desapareceu.

 

***

 

Longo tempo ANL meditou sobre o significado daquela aparição.

Avaliava os perigos que iam ocorrer, as dificuldades por que tinha de passar. Mas logo entrou em Plena Atenção e um estado de Atenção Plena sobreveio, que durou vários dias, durante os quais nem o vento por ali passou para não perturbá-lo.

Depois ANL saiu daquele estado de Atenção como se nada tivesse ocorrido. Fez um pouco de chá com cevada que os tibetanos ali tinham deixado, tomou a phurba em sua mão e resolveu partir para o Norte.

Colocou mantimentos na sacola, tomou a lança kathuanga, pôs a phurba na cintura, partiu dali, envolto na capa vermelha e azul. Usava um chapéu de lã, que lhe envolvia a cabeça.

O sol despontava no horizonte. Era um sol dourado, luminosamente dourado.

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 7: A PARTIDA

 

ANL partiu.

Ao sair da gruta, um pássaro voou, uma águia, em direção ao Norte.

ANL desceu a montanha, caminhou, sereno.

 

Alguns pequenos animais acompanharam seus passos, por algum tempo. Uma revoada de pássaros agitou o céu, sobre sua cabeça. Durante algum tempo, as árvores se agitaram e com isso lançaram um tapete de flores sobre seu caminho no vale perfumado.

 

O dia vinha nascendo, glorioso.

 

Ele parou diante de um riozinho, bebeu um pouco de água. Do brilho das árvores ao sol se exalava pelo ar um apelo silvestre.

 

Não havia ninguém naquelas terras. Não havia ninguém, naqueles vales e florestas. Os ares respiravam as primeiras flores do dia. Os córregos, límpidos, frios, deixavam correr suas águas cristalinas, vindas das montanhas, vindas do Himalaia.