Cunha e Silva Filho

 

                Alguns escritores nem querem ouvir  falar  em gralhas, essas coisinhas  tipográficas   que saem da impressão  de um livro  para atormentar  ou mesmo  atazanar  a vida dos  autores. Contudo, elas existem  e como! Nuns mais que em outros. Colegas de atividade da escrita me falam  que não devo  me preocupar tanto com  esses indesejados  defeitos, os quais de resto, já vêm de longa data.

               Do tempo das impressões algo medievais, da preparação impressa quase manual dos velhos  jornais  até chegar aos  linotipos,  que havia no interior, nas redações dos jornais provincianos, no meu caso,  os jornais de Teresina dos anos 1950. Certo é que jornais havia  no meu tempo de menino  quando  ia à Redação do jornal  O Dia,  de Mundico Santilho, pegar uma prova de artigo de meu pai a fim de que, em casa, ele corrigisse  à mão  os erros e, depois, levasse de volta para a Redação. Quantas vezes não  apanhei  na Redação desse jornal  artigos de meu pai! Na época,  não me interessava  pela leitura de jornais, coisa  que  só vim a fazer lá pelos  14 anos.

             Me pai era rigoroso  demais com os erros de  impressão e, mesmo  assim, se queixava de que, ao sair  o jornal  para circulação, ainda encontrava gralhas. Não tinha jeito. Um diplomata brasileiro chegou  uma vez  a afirmar que em seus livros publicados por  editoras  de prestígio,  sempre encontrava erros  de digitação,  mesmo depois de uma, por assim dizer,  rigorosa revisão feita.

           Ora, isso me leva a  mencionar  a seguir trecho de Monteiro Lobato (1882-1948) citado  por um dos  melhores ficcionistas regionalistas   de Santa Catarina, o Enéas Athanázio. No trecho, Lobato  alude à agonia  de autores diante de  erros  de revisão,  dessa maneira   definindo-a exemplarmente:   “A luta contra o erro tipográfico tem algo de homérico. Durante a revisão erros se escondem. Fazem-se positivamente  invisíveis. Mas, assim que o livro sai, tornam-se visibilíssimos sacis  a nos botar a língua em todas as páginas, Trata-se de um  mistério  que a ciência ainda não conseguiu decifrar.” 

          Tudo o que  expus linhas atrás   se prende ao fato de que, na minha produção  publicada, que  é pequena, mas  a não publicada  em livro é bem maior, três de quatro livros meus  tiveram um só edição até hoje que não me agradou  por inúmeras gralhas  e outros defeitos   de edição, não só por minha culpa, mas por culpa do editor. 

          Entretanto,  posso lhe afirmar, leitor, que toda essa produção editada já passou agora pelo meu crivo de revisão  escrupulosa,  malgrado aquela certeira    observação de Monteiro Lobato.

      Não concordo com aqueles  que julgam  os autores pelos erros tipográficos de sua produção. Um bom autor vale mais do que um mau autor com livros publicados  em edições  limpas de  gralhas. Não se  deve medir a   qualidade de um livro pelos erros tipográficos  da edição.

       O valor  da obra  vale pela  elevação  e a densidade de pensamento, por  sua originalidade, por seu alcance  logrado numa determinada  área do conhecimento,  pelo que a constitui  nos seus  componentes literários, estilísticos, expressivos,  intrínsecos. O bom leitor de obras literárias  ou de  outra natureza  está mais  interessado é na substância   do livro, não nas suas exterioridades  e adereços.       

       Quem pensa que um autor  seja  avaliado  pelo número de erros tipográficos  contados  pelo leitor  está equivocado,  porque o leitor perspicaz, tolerante,  como deve ser um bom leitor,  conhece  uma obra  boa ou ótima ainda que com falhas  tipográficas  e sabe distinguir entre a aparência   de qualidade de um livro  da essência da sua  qualidade. Portanto,   um autor não vai se queimar junto aos seus pares ou  fiéis leitores somente por  ter falhas de revisão mais escrupulosa.

        Lima Barreto (1881-1922) foi, por algum tempo,  criticado  por ser negligente com a  sua linguagem literária, o que,  na realidade,  não passava de estratégia do autor de um discurso ficcional  moldado às característica  não alinhadas  a uma   linguagem literária  sequestrada e desgastada   já à altura do que  se chamou Pré-Modernismo. Os críticos da sua época não souberam em geral  reconhecer-lhe  os méritos  de grande prosador  e inventivo  ficcionista da realidade dos mais humildes e injustiçados, ou seja, da voz e da linguagem  dos oprimidos. A conquista de seu real  relevo como ficcionista  só lhe veio mais tarde e sobretudo  graças aos críticos  e ensaístas brasileiros  das gerações mais recentes.   

      Enfatizo, por fim,   reafirmando que  os  bons autores,  os críticos, os ensaístas, sejam de que gêneros literários forem,  serão, sim, julgados e  avaliados pela grandeza  das suas obras, não pelas gralhas de sua produção  editada.