Niemeyer para crianças

Luis Camargo

Eu era pré-adolescente, quando visitei Brasília, com meus pais, pela primeira vez, viajando de carro. A participação em um Grupo de Trabalho em Educação Infantil me levou a participar de algumas reuniões em Brasília, há alguns anos. Aproveitava os momentos livres para alguns passeios rápidos. Um deles, para a Catedral. Várias vezes cheguei e já estava fechada. Mas, na última, passei por um corredor escuro que dá acesso ao centro iluminado, com anjos pendurados, uma espécie de ritual de iniciação... Há poucos anos, aproveitei a visita a uma escola no bairro do Irajá, Rio de Janeiro, em uma das várias parcerias com a profa. Margareth, para dar um pulinho a Niterói e conhecer o Museu de Arte Contemporânea, com Giulia, minha mulher.

Enfim, ao longo da vida, foram vários os encontros com a obra de Niemeyer. Agora, o jornal Folha de S.Paulo lança a Coleção Folha Grandes Biografias para Crianças. Quer dizer, já lançou, há algumas semanas. E, dentro da coleção, um volume dedicado a Oscar Niemeyer, escrito por Silvia Oberg e ilustrado por Adilson Farias.

O volume tem guardas com vinhetas representando o Congresso Nacional e a escultura dos candangos, tem linha do tempo, além de atividades. Em uma das ilustrações, Niemeyer criança desenha. Como licença poética, aparece o esboço de várias obras do arquiteto. Entre elas, a escultura Mão, que integra o Memorial da América Latina.

Por conta desse volume, conversei com a autora, Silvia Oberg.

LUÍS: Você teve experiências com biografias na sua história de leitora?

SILVIA: Interessante você me perguntar isso. Não fui uma grande leitora de biografias. Minha mãe, sim, gostava de biografias. Eu sempre tive interesse por fatos da vida de escritores que pudessem ter influenciado sua obra, mas não tive grande experiência com a leitura de biografias.

Criar esses textos para a coleção foi um desafio que me deu uma grande alegria. Posso dizer que Niemeyer, Santos Dumont e Clarice Lispector me ajudaram a viver melhor o isolamento imposto pela pandemia e se tornaram íntimos, amigos de longa data...

LUÍS: Como foi o processo de escrita de "Oscar Niemeyer"?

SILVIA: Eu recebi uma estrutura que deveria ser seguida, como os outros volumes da Coleção que já estavam prontos. O texto deveria estar dividido em blocos que fariam uma introdução, o desenvolvimento da vida/obra e um fechamento. Cada bloco tinha um limite de toques. A narrativa deveria ser em primeira pessoa. No mais, tive total liberdade tanto em relação à linguagem como na seleção de fatos e situações a serem enfocados pensando, também, no interesse que poderiam ter para as crianças, já que a Coleção se dirige principalmente ao leitor infantil (com certa autonomia de leitura, a partir de 8/9 anos). Tive, inclusive, a possibilidade de indicar Clarice Lispector, autora que me acompanha pela vida toda, para ser incluída na Coleção.

LUÍS: Quais suas fontes principais? Você registra três delas na página de créditos da obra...

SILVIA: Como escrevi os textos da coleção durante a pandemia, inclusive quando ainda não se falava em vacina, as possibilidades de ir a bibliotecas e livrarias estavam muito reduzidas. Então, tive que pesquisar muito na internet. Procurei mergulhar profundamente na forma como Oscar Niemeyer se expressava: li seu livro de memórias “As curvas do tempo”, seus depoimentos, artigos sobre sua arquitetura, suas entrevistas para jornais e revistas. Nas entrevistas que ele deu para a tevê, foi interessante observar a expressão de seu rosto quando falava sobre determinados assuntos, o jeito bem humorado como falava de certas situações difíceis que tinha vivido. Também vi fotos de suas obras no Brasil e pelo mundo e muita informação disponível em vários sites, como o da Fundação Oscar Niemeyer, do Instituto Moreira Salles, da Enciclopédia Itaú Cultural e em outros, dedicados à arquitetura. Fiz visitas virtuais a museus como o Museu Oscar Niemeyer (MON ou Museu do Olho), em Curitiba e o Museu de Arte Contemporânea de Niterói.

A partir dessas leituras, fui descobrindo o tom em que eu queria falar sobre a vida incrível de Niemeyer, um tom que tivesse a ver com o jeito como ele falava, com as expressões que ele usava. A partir desse material, também recriei algumas situações cotidianas, especialmente relacionadas a sua infância. Fiz isso nos livros dos três biografados. E também fiz com que o narrador, que é o biografado, conversasse algumas vezes com o leitor, aproximando-se dele.

De tudo o que li e vi, o que mais me impressionou em Niemeyer foi sua vivacidade, traduzida em alegria e certo humor diante do mundo, e também sua curiosidade pelo conhecimento até o final da vida, que foi longa. Em uma de suas entrevistas, já bem idoso, ele fala sobre a importância das aulas de filosofia que tinha semanalmente em seu escritório de arquitetura junto com outros arquitetos e amigos.

LUÍS: Gostei das citações de falas do arquiteto!

SILVIA: Niemeyer escrevia muito bem. E também tinha humor e ironia quando falava sobre si mesmo e a vida. Achei que seria importante colocar a criança em contato com alguns comentários que ele fez sobre o mundo, as relações humanas, a arquitetura... Acho que a expressão vigorosa, sedutora, que ele tinha quando escrevia e falava era reflexo da genialidade de sua expressão na linguagem arquitetônica.

LUÍS: Uma curiosidade: você conhece pessoalmente algumas dessas obras?

SILVIA: Conhecer a Igreja da Pampulha na minha pré-adolescência me marcou muito. Nunca me esqueci da beleza das curvas e dos murais maravilhosos. Claro que conheço as construções de Niemeyer que estão em São Paulo e algumas que estão no Rio. Mas nunca fui à Brasília e nem a Niterói. Agora, por causa do Niemeyer, pretendo ir.