Imagem: Google
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[Chagas Botelho] 

Fui um menino aquático. Nadava feito peixe. Lógico, nasci numa cidade cercada por rios. Sou entre tantas coisas, mesopotâmico. O mar é lindo, é um bálsamo, mas o rio, ah Nossa Senhora da Conceição, um rio de água doce é mágico. Dizer então o que do Marataoã? A verdadeira perfeição da natureza. Aquelas águas me batizaram para a vida.

Na ponte do pesqueiro, o menino serelepe dava pulos mortais de costas e inesquecíveis. Depois, remava em braçadas até as grandes árvores ribeirinhas, e do alto, do último galho, tirava “tainha”. Afundava, tragava a água santa do rio e tornava à superfície. Uma vez emergido, dizia para si algo do tipo: “Ô rio Marataoã, dar muita saúde a esse teu filho malsã”.

Mas voltando à ponte do pesqueiro, fui de fato um acrobata fluvial. De cima dela, dava saltos circenses. Sim, pulava destemido dentro das cheias de março. Não havia competidor páreo. Pudera, tive um grande professor. Daqueles de lhe ensinar horas a fio, gratuitamente. Seu nome, Joãozinho, um exímio saltador. Era leve, corria de uma ponta a outra, e como pluma, tibungava no Marataoã.

Os meninos aprendizes abriam roda para ver Joãozinho dar espetáculo. Ao saltar, com os braços em cruz, descia em parafuso. Lindo demais. Outras vezes, saltava do trampolim cimentado, erguia um pouco a cabeça, tocava no fio de telefone, girava o corpo e por fim, atingia a correnteza com os dois pés rente. Fazia todo esse movimento em fração de segundos. Ele era um fenômeno. O melhor em saltos ornamentais do meu tempo de menino.

Outro dia, recebi a triste notícia de que Joãozinho se envolveu num grave acidente motociclístico, entrou em coma e não resistiu. Ascendeu para a eternidade. Foi lá mostrar sua mobilidade píscea ao divino. Digo que partiu a nado, saltitando pelas pontes celestiais, pois creio que nunca deixou de ser peixe e barrense. Que Descanse em paz, na santa glória de Deus.