ELMAR CARVALHO

 

 

Um operário de nome José Silva, que fazia um serviço em minha casa, contou-me que seu colega Francisco Sousa gostava de tirar brincadeiras pesadas, delas tendo como objeto os defeitos físicos de sua vítima. Fazia o que hoje todos chamam de bullying, como se isso fosse novidade, por causa do uso da palavra inglesa, quando na verdade a prática existe desde tempos que diria imemoriais.

 

Tinha Zé Silva uma perna mais curta do que a outra, de modo que coxeava um pouco ao andar. Seu colega, ao observar esse pequeno defeito, quase imperceptível, perguntou se ele tinha um salto do sapato mais alto que o outro, e começou a rir acintosamente, de forma debochada. Zé Silva tinha certa vergonha de seu defeito, e não gostou da forma galhofeira como o outro o tratara. Constrangido, guardou um ressentido silêncio, e afastou-se do local, não sem antes advertir o colega de que não gostava daquele tipo de chacota.

 

Um primo do Francisco Sousa solidarizou-se com Zé Silva, e “tomou as suas dores”, como se costuma dizer. Chamou o ofendido à parte, e perguntou se ele gostaria de revidar. Ante a resposta afirmativa, disse:

Você já notou que o meu primo nunca usa bermuda nem calção, mas apenas e sempre calça comprida? É que ele tem as pernas muito finas e é um pouco cambota. Se você falar nesse defeito, ele vai se chatear, e não vai mais tirar brincadeira de mau-gosto com você.

 

Na primeira oportunidade, Zé Silva apalpou a fina canela de Francisco Sousa, e pediu para que ele mostrasse as pernas. Francisco fechou a cara e disse não gostar desse tipo de brincadeira. A partir dessa data, não mais fez qualquer chacota com o defeito físico de quem quer que fosse. Parece ser certo o rifão que diz que o macaco não olha para o próprio rabo. Arrematando sua história, Zé Silva afirmou que todo mundo tem seu ponto fraco.

 

Desde a minha infância, meus pais nos ensinaram, a mim e aos meus irmãos, a jamais mangarmos de quem quer que fosse. Tenho seguido esse ensinamento por toda a minha vida, e com isso tenho evitado arestas e antipatias, até porque ninguém tem culpa em ter alguma deficiência física.

 

Por outro lado, soube que havia uma matrona que se comprazia em zombar dos defeitos corporais de seus conterrâneos. Essa mulher veio a ter duas filhas, que, além de feiosas, nasceram com grave deficiência, que sequer lhes permitia andar. Uma outra senhora, tida como orgulhosa e antipática, não permitia que seu filho tivesse contato com o chão, de modo que essa criança ficava sempre deitada no berço ou nos braços da babá.

 

Por não fazer esforço para engatinhar e para aprender a andar, o menino somente veio a caminhar muito tardiamente, e apresentava uma compleição franzina e um tanto desengonçada. Não direi, em hipótese nenhuma, que houve castigo de Deus nos dois casos, mas acredito que foram aplicadas leis criadas pelo Todo Poderoso. Na Bíblia está dito que Deus retribuirá a cada um segundo a sua obra (Salmos, 62:12). Quem pratica o bem recebe o bem; quem faz o mal terá como recompensa o mal.

 

O célebre poeta britânico Lord Byron era considerado um belo tipo de homem, embora tivesse um defeito num dos pés, que lhe obrigava a caminhar mancando. Não obstante isso, foi considerado um herói das lutas da Grécia em prol de sua independência, teve várias amantes, e ainda de quebra teria tido uma relação incestuosa com sua meia-irmã.

 

É possível que ele tenha tido os traumas, os tormentos, as indecisões e atitudes contraditórias de Philip Carey, protagonista do romance Servidão Humana, que tinha um pé boto, e por isso manqueava. Essa personagem era uma espécie de alter ego do autor, Somerset Maugham, uma vez que essa obra-prima possui passagens consideradas autobiográficas, e foi vítima de bullying em sua vida estudantil.

 

Diz-se que o pavão, apesar de sua enorme beleza, tem os pés feios. Contudo, seria arrematada tolice ou mesmo simples perda de tempo uma pessoa ficar olhando os pés dessa deslumbrante ave, que é considerada símbolo da vaidade humana, tendo a sua magnífica plumagem para contemplar. Apesar de nossas falhas e feiúras, todos temos a nossa beleza e as nossas qualidades. O mais importante é que busquemos o nosso autoaperfeiçoamento, de modo que as virtudes possam suplantar as qualidades negativas.

 

Através das lições que meus pais me transmitiram e do que tenho observado e lido ao longo de minha vida, sempre entendi que primeiro devemos observar os nossos próprios senões, sejam eles físicos ou morais. E devemos nos esforçar para nos corrigir. Procuro, assim, seguir a advertência de Cristo: “Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão” (Mateus, 7:5).