[Maria do Rosário Pedreira]

Sou anualmente «convocada» para uma sessão de formação levada a cabo por investigadores sérios e competentes que estudam desde há muitos anos numa universidade os hábitos de consumo dos portugueses. Quando a crise se iniciou, era crença destes que os livros não iriam sofrer demasiado, porque as pessoas passavam agora mais tempo em casa, e o livro, além disso, era um bem transmissível e não especialmente caro (pesem, embora, outras opiniões sobre esta matéria). No ano passado tiveram, porém, de se render à evidência do equívoco, já que o mercado do livro foi claramente afectado pela crise, até porque, como já aqui escrevi, quem lê habitualmente tem muitos livros em casa que ainda não leu (e para quê comprar outros se aqueles estão ali à mão?) e quem é leitor ocasional cortou claramente na leitura porque vestir e dar de comer aos filhos é mais importante. A última sessão de formação – há apenas quinze dias – dizia respeito ao que falta ao livro para se afirmar num momento crítico como o que atravessamos, tendo sido dito que, ao contrário de outros, o produto livro diz pouco de si mesmo e, sobretudo, não diz aos consumidores a falta que lhes faz. Compreendo o ponto de vista, mas, sinceramente, não sei como poderia um livro, que já diz tanto, dizer também isso. Não me passaria pela cabeça que a capa de um livro incluísse uma menção do tipo «Se ler este livro, será menos ignorante e terá mais facilidade em arranjar emprego»; e, se bem que acredite que determinados livros são, efectivamente, produtos, não me parece que a literatura caiba nessa designação – e tenho a certeza de que, quanto mais literatura alguém ler, mais bem preparado estará para combater um mau momento como este. Presumo que só a escola – a básica, sobretudo – poderá incutir nas cabeças das crianças a necessidade da leitura para a superação do indivíduo. Mas isso levará, bem sei, um século.