[Flávio Bittencourt]

José Carlos Asbeg escreve sobre o cinema experimental-radical de Luiz Rosemberg Filho

Ama a arte, porquê de todas as mentiras, talvez seja a menos falsa.

 

 

 

 

 

 

MOACY CIRNE APRESENTA-NOS UM POUCO DA

ARTE (radical) DE LUIZ ROSEMBERG FILHO:

"Quinta-feira, 30 de abril de 2009

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
"Colagens de
LUIZ ROSEMBERG FILHO
(1997)"

 

 

 

 

 

                    HOMENAGEANDO LUIZ ROSEMBERG FILHO E SUA ARTE EXPERIMENTAL-RADICAL E

                    AGRADECENDO A JOSÉ CARLOS ASBEG PELO TEXTO ESCLARECEDOR

                    SOBRE A ARTE ROSEMBERGUIANA, QUE ELE DIVULGOU NA INTERNET,

                    EM 21.8.2010

 

 

 

 

15.12.2010 - Enquanto Papai Noel chega para nos trazer mensagens de consumismo desvairado no Natal (NO BRASIL, DEVERÍAMOS TER, É CLARO, O VOVÔ ÍNDIO, NESSA ÉPOCA DO ANO, A DISTRIBUIR PRESENTES APENAS ÀS CRIANÇAS POBRES, PORQUE AS OUTRAS JÁ RECEBEM BRINQUEDOS CAROS DE SEUS PAIS OU RESPONSÁVEIS), hoje, aqui na Coluna "Recontando estórias do domínio público", temos a oportunidade de ler a mensagem de José Carlos Asbeg sobre a espantosa cinematografia do RADICAL Luiz Rosemberg Filho - Certa vez encontrei Luiz Rosemberg Filho - que nos tinha sido apresentado pelo seu amigo Prof. Moacy Cirne, do IACS/UFF (Instituto de Arte e Comunicação da Universidade Federal Fluminense, Niterói-RJ, Brasil) - numa livraria que existia na Av. N. Srª. de Copacabana, próxima à antiga loja BICHO DA SEDA (quase esquina de Rua Constante Ramos) e ele, Rosemberg Filho, confidenciou-me que estava devendo muito, em razão de dinheiros levantados para que fosse feito o seu último filme. Isso aconteceu há mais de 30 anos e eu fico muito feliz ao saber que esse artista singular - ele é mais do que "apenas" um cineasta - continuou a trabalhar, sempre de forma absolutamente radical e incomodatícia, ou seja, de maneira antialienante e antiapoltronante. Luiz Rosemberg Filho acorda-nos da letargia pequeno-burguesa que o mundo em que vivemos nos submerge, com produtos audiovisuais cuja meta é embalar sonhos de consumo e, às vezes, fazer propaganda do uso de entorpecentes que produzem dependência química e psicológica. Por exemplo: no recente filme brasileiro, repugnante, denominado MUITA CALMA NESSA HORA, o ser revolucionário que deseja assinaturas para um causa anti-capitalista, em Armação de Búzios (Litoral Norte do Estado do Rio, Brasil), no fim do filme, termina, como todos, vencido pela aparente tranquilidade que o fumo da cannabis sativa (segundo os autores do filme) proporciona. Finalmente o (personagem) barbudo do filme foi dobrado. Ele aparece como figura folclórica, ridícula e quixotesco-idealista. Luiz Rosemberg Filho não é nada disso. Ele é apenas um artista radical, que "Ama a arte, porquê de todas as mentiras, talvez seja a menos falsa". Quem conhece Luiz Rosemberg Filho sabe que ele é, por assim dizer, "bem realista". Se não fosse, como teria conseguido produzir tanto, ininterruptamente? Como é possível simultaneamente "contestar o sistema" e levantar valores tão altos quanto os necessários para se fazer um filme de média-metragem em 16 mm (refiro-me a películas de Rosemberg Filho realizadas há 30 anos) ou, mesmo, longas-metragens em 35 mm? Idealistas são os autores do referido filme infeliz. Eles gostariam de que o mundo dito "real" fosse revestido da casca de embromação alienantemente distorcida que apresentam. O que fazem, lastimavelmente, os autores de MUITA CALMA NESSA HORA, que é o tipo de produção situada nos antípodas do cinema rosemberguiano? Eles - essa é nossa sincera opinião - TRANSFORMAM A MENOS FALSA DAS MENTIRAS, A ARTE, NA MAIS FALSA DAS TENTATIVAS DE "dourar a pílula", OU SEJA, COLOCANDO DE FORMA UM POUCO MAIS RADICAL - em homenagem à arte de Luiz Rosemberg Filho -, de "perfumar o cocô".  F. A. L. Bittencourt ([email protected])

 

 

 

José Carlos Asbeg escreve sobre o cinema experimental-radical de Luiz Rosemberg Filho:

"Kino Kaos  
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O discurso das imagens

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Por José Carlos Asbeg, do Rio de Janeiro

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Em seu novo trabalho, Luiz Rosemberg Filho faz uma declaração de amor ao cinema e uma inquietante pergunta: o que foi que fizemos com a imagem?




A expressão cinema experimental tem sido usada e abusada ao longo da história cinematográfica. Nos tempos de hoje, há os ingênuos que a utilizam em cândida ignorância, só porque botam a imagem de cabeça pra baixo ou porque, com as facilidades eletrônicas e digitais do início deste nosso século XXI, entopem o discurso audiovisual de balangandãs e penduricalhos, que eles chamam de linguagem, não passando de truques e efeitos. Tem os que viajam sem saber para quê e voltam para descolar um patrocínio, na mais pura picaretagem.

As duas categorias – ingênuos e picaretas – são igualmente perigosas. Sim, porque servem à ideologia da desinformação, ao empobrecimento da imagem cinematográfica, ao bombardeio do vazio que sofremos desde o momento em que abrimos os olhos ao sair da cama. É mais do que sabido que vivemos a era da imagem. A imagem não é mais um recurso de comunicação como a leitura, como a audição. Ela foi colocada num altar e santificada pela publicidade, como se fosse a única forma de comunicação. É a imagem que dá sentido à vida contemporânea. Antes, o desconhecido era alvo de curiosidade, hoje o que não é visto não existe. E o que se vê não tem valor reflexivo, é apenas para consumo imediato.

Os ingênuos são perigosos porque são uma massa enorme de fazedores de imagem, onde o que é importa, mais do que qualquer outra proposta, é o simples fazer. Hoje todos fazem imagem. Diz-se que isso é a democracia digital e quem a contesta não passa de um autoritário recalcado ou elitista que não reconhece os sinais dos novos tempos. Fico feliz que todos possam, cada vez mais, fazer imagens. Só gostaria que elas tivessem um sentido, que capturassem nosso olhar, nossa emoção, nossa inteligência, e não fossem meramente diluidoras das nossas consciências, da nossa história e das nossas potencialidades humanas. Estes simplistas não formulam teorias, mas trazem, contra os que reclamam sentido no que fazem, todos os preconceitos que as maiorias silenciosas carregaram historicamente e que, muitas vezes, desaguaram em repressões fascistas.

Os picaretas seriam engraçados se não fossem tão patéticos e perigosos. Perigosíssimos. São envolventes, aliciadores, se autodefinem como vanguarda cinematográfica. Inventam teorias e lustram o seu nada com formulações que atendem exclusivamente a dois objetivos básicos: satisfazer seus egos e nos fazer adorá-los por serem tão superiores. Suas falsas teorias não levam em conta a existência do chamado espectador. Este não importa a mínima. Na verdade, o espectador é tratado como tolo ou mesmo cavalgadura, incapaz de alcançar obras de tamanha envergadura intelectual. 

 
Colagem de Pedro A. Martin
Fonte: Zztop

Mas o cinema experimental, felizmente, não vive apenas destas duas categorias de produtores de imagens. Há os que, honestamente, pesquisam, estudam, refletem e se engajam na grande linhagem dos cineastas inventores que marcaram e marcarão para sempre a história do cinema. Amam e respeitam o cinema. Acima de tudo entendem que o poder da imagem não permite tratá-la com uma displicência que pode beirar a desonestidade intelectual.

Georges Mélies, Sergei Eisenstein, Dziga Vertov, Orson Welles, Federico Fellini, Jean Luc Godard, Alberto Cavalcante, Santiago Alvarez, Ingmar Bergman, Akira Kurosawa, Michelangelo Antonioni, Joaquim Pedro de Andrade, Fernando Solanas, Luis Buñuel, Agnés Varda, Wim Wenders, Werner Herzog, Andrzej Wajda, Vittorio de Sica, Jean Renoir, Charles Chaplin, Stanley Kubrick. Quantos mestres! Quanto nos fazem rir, chorar, amar e pensar em nossa dimensão humana! Quanto nos emocionam! Quantas vidas não mudaram e continuarão a mudar com sua poesia cinematográfica?

Luiz Rosemberg Filho é dessa linhagem. Faz cinema visceralmente. Se lança a cada filme como quem vai bater um pênalti em final de copa do mundo. É absolutamente comprometido com a responsabilidade social do cinema. Quer dizer: seus filmes são feitos para pensar. Suas imagens não alienam, pelo contrário, nos estimulam a criatividade, a poesia, a reflexão, o senso crítico. Mas para isto, é preciso por parte do espectador uma entrega ao filme.

Seu trabalho vai na contracorrente do cinema do nada, do cinema alienante, do cinema que só quer do espectador aquelas duas horas de lavagem cerebral e a grana da pipoca e do refrigerante. É contra esse cinema da enganação, da estupidificação do ser humano, que luta Luiz Rosemberg Filho. Tarefa árdua, que tem lhe custado mais de duas décadas sem conseguir produzir um filme de longa metragem e os estigmas de maldito e hermético.

Por detrás desses termos se escondem preconceitos velados e preguiça mental. Tudo que nos obriga a pensar se torna difícil. Esta é a grande conquista dos ideólogos da modernidade: transformaram-nos em uma sociedade inculta, consumista, imediatista, descartável e que odeia pensar. O negócio é estar na moda, é ser celebridade. A televisão, que poderia e deveria ser um instrumento de elevação da cidadania, do entretenimento cultural, da transmissão de princípios éticos, da educação social, virou uma máquina que nos amputa o cérebro, que nos brutaliza vinte e quatro horas por dia. O cinema comercial, desgraçadamente, percebeu que a não-linguagem da TV já está tão profundamente introjetada no inconsciente coletivo que só faz repetir as fórmulas consagradas na televisão. Ou seja: não cria nada, dá sempre mais do mesmo e abre mão do espectador como um ser pensante.

(Já temos 60 anos de TV no Brasil e, ironicamente, a esquerda brasileira jamais entendeu esse poderosíssimo veículo, que tem tudo para se tornar no grande pilar das transformações sociais e políticas que tanto sonhamos para o nosso país. O Brasil jamais mudará se não mudar o sistema de concessão de televisões e rádios. O Brasil jamais mudará se não utilizar esses veículos como instrumentos da cidadania. Acorda, esquerda!).

O cinema de Luiz Rosemberg Filho não é um cinema fácil, mas talvez fique mais difícil para quem quer vê-lo com os mesmos olhos de quem vê o cinema do espetáculo da violência que nada nos acrescenta, porque nada analisa, é só um espetáculo, seja numa reportagem da vida real, seja numa ficção da vida real. Não é a favor, muito menos contra. Só mostra o que todos sabemos que existe. Talvez atenue um pouco a culpa social do cineasta, e só.

Luiz Rosemberg Filho não conta histórias. Conta a História. Não melodramatiza personagens. Nós é quem somos os personagens dramáticos de seus filmes. Nós, homens e mulheres, que precisamos reencontrar urgentemente nossa humanidade, nossa alegria de pensar, redescobrir a poesia da vida.  E como é difícil nos vermos como personagens de uma trama que caminha cada vez mais para um final infeliz – guerras, autoritarismo, violência, deseducação, doenças, trabalho desenfreado e inútil. Como é difícil nos vermos em nossa incapacidade de transformar nosso país, em nossa passividade diante da corrupção, da miséria, da injustiça. Como é duro olharmos nossa impotência.

Por isto o cinema de Luiz Rosemberg Filho não é fácil. Mas também está longe de ser incompreensível. Mas, ignorando as metragens, Luiz Rosemberg Filho, felizmente, não se cala e segue produzindo: nos últimos oito anos criou cerca de 20 filmes, de média e de curta metragem.  Filmes que revelam o inconformismo e a revolta do cineasta com os rumos do mundo contemporâneo. Filmes que nos fustigam, que nos dizem o tempo todo: não parem de pensar, não se esqueçam da poesia. Filmes onde estamos lá, nus, diante de nós mesmos, personagens de uma História em aberto que só nós podemos e temos o dever de escrever.

Agora, acaba de concluir O discurso das imagens, seu mais recente trabalho. Talvez sua obra mais bem acabada, técnica e discursivamente. Um filme de uma profunda delicadeza, uma declaração de amor ao cinema, um filme que carrega uma inquietante pergunta: o que foi que fizemos com a imagem? A imagem, que deveria ser para nós uma inesgotável fonte de prazer, foi transformada em uma arma ideológica apontada contra nossa cabeça desde a hora que nascemos até virarmos cinza no crematório. Por quê? E mais: o que foi que fizemos com o cinema?

Em O discurso das imagens a narrativa é conduzida pela própria imagem. Inusitado? Original, inventivo. É ela que conta sua própria história através das eras; é ela que informa que andou em mãos de poetas e hoje sofre na banalidade a que foi relegada. E nós ali dentro, como sempre, porque somos também personagens principais, ouvindo e vendo. As palavras são simples e carinhosas; são precisas e diretas. Conduzem-nos ao centro do questionamento, conduzem-nos à vertigem da grande aventura que é a viagem que podemos empreender dentro de nós mesmos em busca de nos redescobrirmos e de nos refazermos.

O discurso das imagens usa o cinema em sua potencialidade máxima, porque emprega a capacidade discursiva de um filme nos dois níveis de linguagem – a visual e a sonora. Um, silencioso, que é o das próprias imagens, que nos sugerem associações e provocam emoções. Outro, sonoro, que é a voz da imagem em seu relato. Não brigam nunca entre eles, harmonizam-se e nos oferecem passagens altamente tocantes, num resultado que dignifica e engrandece o cinema.

Merecem destaque ainda a fotografia e a edição do filme. A câmera, mais uma vez, esteve entregue ao mais constante colaborador de Luiz Rosemberg Filho: Renaud Leenhardt, que a engenharia da informática roubou ao cinema brasileiro. Renaud tem a concisão dos grandes fotógrafos. A luz é de uma precisão ao mesmo tempo matemática e poética, e a câmera, mesmo quando faz evoluções de porta-bandeira, se movimenta com a leveza de uma nuvem. Amigos há mais de 40 anos, diretor e fotógrafo dialogam por sinais, por olhares, e no set parecem ser um só.

A edição foi um achado. Lupércio Bogéa, montador profissional há pouco mais de um ano, vai aos poucos se transformando em parceiro regular de Luiz Rosemberg Filho. O mérito de Lupércio não se deve apenas a ter compreendido a estrutura narrativa do filme, mas de ter dado uma contribuição fundamental ao trabalho: fazer um filme de cortes absolutamente invisíveis, o que nos dá a deliciosa sensação de um fluxo contínuo que se sucede diante de nós. As pontuações que existem são sutis e parecem pertencer à trilha sonora. Um grande achado.    

Ainda que marcada pela desilusão de Luiz Rosemberg Filho com o presente, característica que incomoda a muitos espectadores, mas que jamais o cineasta procura esconder, a tristeza que atravessa a narrativa, pela vulgarização daquilo que o diretor mais ama – o cinema – pode perfeitamente ser substituída por uma esperança com o futuro. Basta que não nos conformemos e que os exemplos dos grandes mestres possam ser retomados pelas novas gerações. A geração de Luiz Rosemberg Filho nos deu cineastas que honram esta linhagem: Andrea Tonacci, Sérgio Péo e Luiz Arnaldo Dias Campos. Agora, é com o futuro.

Adailton Medeiros, idealizador do Ponto Cine, sala revolucionária no Rio de Janeiro, em sua gigantesca sabedoria, cunhou o bordão Arroz Feijão e Cinema para definir a essencialidade do audiovisual na nossa existência. Precisamos do cinema como precisamos de qualquer outro alimento.  É assim que Luiz Rosemberg Filho faz cinema. É assim que sonha que poderia ser a vida.

21/8/2010

Fonte: ViaPolítica/O autor/Vimeo   

O cineasta José Carlos Asbeg, 59, trabalhou como jornalista nos Diários Associados, Correio da Manhã, O Globo e Folha de S. Paulo. A partir de 1973, passou a se dedicar ao cinema. Dirigiu o documentário de longa metragem 1958 o ano em que o mundo descobriu o Brasil, lançado em 2008. Está à frente da Palmares Produções, produtora do documentário de longa metragem, Cidadão Boilesen, dirigido por Chaim Litewski.

E-mail: [email protected]

Site: www.copa58.com.br

Do mesmo autor, leia em ViaPolítica:
“Cinema para todos” ".

 

(http://www.viapolitica.com.br/kino_kaos_62.php)