jorge de sena - 1919-1978
POR AMELIA PAIS
Foi necessário que a família doasse, como era seu desejo, todo o seu espólio literário, biblioteca e objectos pessoais, para que, finalmente Portugal cumprisse o seu grande desejo de voltar à pátria e aqui repousar para sempre.
Jorge de Sena foi só um dos maiores poetas portugueses. Nunca tolerou ditaduras - malquisto e perseguido em Portugal no tempo de Salazar, foi para o Brasil - ele que tinha formação na marinha de guerra (creio), tornou-se professor no Brasil e aí desenvolveu parte da sua obra, se tornou brasileiro e publicou o primeiro dos seus grandes estudos camonianos.Instalada a ditadura no Brasil, foi para os USA, para a prestigiada - e que o prestigiou também - Universidade de Santa Bárbara, na Califórnia - onde viveu até à sua morte e onde atribuíram o seu nome- Cátedra Jorge de Sena - ao departamento dedicado a estudos portugueses e espanhóis.Antes recebera um prémio de poesia em Itália.Sempre quis regressar a Portugal após a revolução «dos cravos» que O desiludiu bastante, aquando dos dois primeiros anos. Não o quiseram por cá -ele que tinha lugar como professor universitário em qualquer grande universidade do mundo. Só agora se cumpre esse seu desejo -português que sempre foi, foi também brasileiro no Brasil e morreu como americano. Hoje os seus restos mortais são trasladados para um lugar que é quase uma espécie de quase panteão.
Foi, como disse, GRANDE: na postura democrática, na criação e na crítica literária e de artes, nomeadamente cinema, na ficção - contos, novelas,teatro e o inacabado e no magnífico romance Sinais de Fogo -e na poesia. Dir-se-ia: mais vale tarde do que nunca...Mas só o trazem porque ele tudo doou à Pátria que pouco interesse mostrou por ele.Em vida concederam-lhe, um ano antes da sua morte,(1977) a condecoração máxima num 10 de Junho,dia de Camões e de todos nós,em que pronunciou o mais veemente e melhor discurso oficial produzidos desde 1974 nesse Dia de Portugal.está esquecido, praticamente, nos programas do ensino secundário.Pátria ingrata para ele e para tantos.
Desculpem o grande prelúdio, e já agora aqui vai um dos seus poemas (já divulguei outros):
Amo-te muito, meu amor,
e tanto, que, ao ter-te, amo-te mais e mais ainda
depois de ter-te, meu amor. Não finda
com o próprio amor do teu encanto.
Que encanto é o teu? Se continua enquanto
sofro a traição dos que, viscosos, prendem,
por uma paz da guerra a que se vendem,
a pura liberdade do meu canto,
um cântico da terra e do seu povo,
nesta invenção da humanidade inteira
que a cada instante há que inventar de novo,
tão quase é coisa ou sucessão que passa...
Que encanto é o teu? Deitado à tua beira,
sei que se rasga, eterno, o véu da Graça.
jorge de sena, 1919-1978
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