O sol na linha do horizonte é uma bola de fogo. Do outro lado está a Ilha do Fundão. A lua. Estava indo para o aeroporto. O mar estende seu manto por toda parte. Uma leve aragem vem vindo devagar. Mas o calor se anuncia. Pássaros pelo ar sujo. Quando jovens, nadávamos naquela praia, hoje vala negra. No caminho do Galeão uma praia que desapareceu. Diziam que ali estavam as perigosas viúvas negras. Mortais. Meu amigo pescava ali. Fomos, pelo meio do capim, até outra ilha, hoje desaparecida. Na Freguesia, havia um cinema de espelhos. Era o mais belo cinema do Rio. Espelhos de cristal até no teto. Os astros. À noite:
A gentileza da lua
no espelho das águas
brilha, nua.
Quando cheguei ao Rio, vindo do Norte, passei por ali. Trazia esperanças no bolso, e a juventude dos dezoito anos. Tinha uma carta para o Diretor Comercial da TV Rio, escrita por sua irmã e minha amiga Alice Senna. Logo ganhei um emprego na Redação da TV, onde trabalhavam vários rapazes desconhecidos, depois famosos. Não fiquei muito tempo no emprego, o trabalho era de noite, eu tinha aula na Faculdade pela manhã. A TV ficava no Posto Seis, em frente o mais belo mar. Foi lá que vi Juscelino pela primeira vez. Alguns anos depois, ele falou na nossa FNFi. Entrou sob vaia. Demorou para conseguir iniciar a fala, que durou uma hora. Depois respondeu às perguntas, todas contra ele. Não perdia o sorriso, nem a gentileza. Foi o homem mais educado que conheci. Saiu dando autógrafo. Naquele mesmo salão, ia falar Lacerda, convidado paraninfo da ala da Direita em formatura. Nós o impedimos de entrar. Fechamos as portas. Lá de cima, gritávamos: "assassino!" Lacerda, impaciente, no outro lado da rua, mandou que a PM quebrasse a porta. Nós chamamos o Exército! De Jango. Foi terrível: de um lado o Exército, armado. Do outro a PM, chefiado pelo Governador Lacerda. Penso que o Golpe de 64 nasceu ali, no meio daquela rua, em nossa frente, ao prédio da Faculdade Nacional de Filosofia, onde hoje fica a Embaixada da Itália. Depois, os dois comandantes se encontraram, evitaram o pior. O Exército se retirava, a PM também, mas sob nossas vaias. Lacerda, inconformado, queria briga. Pouco tempo depois, naquele mesmo prédio, a tropa invadiu, quebrou, bateu, prendeu. Ainda bem que, naquele dia, eu por acaso não estava ali. Perdemos a máquina datilográfica do nosso centro de estudos, o que era simbólico, pois ali datilografávamos nossos escritos, e os discos clássicos da discoteca. Até mulher grávida apanhou.
A política daquele tempo. Assisti a Jânio Quadros em Manaus, na sua campanha à Presidência. Um palanque montado em frente à nossa casa, na Getúlio. Primeiro falou Plínio Coelho, que tinha a voz nasal e era famoso orador. Depois Jânio. Os grande olhos abertos de Jânio, a sua voz vinha da garganta. Alucinado, abria os braços, dominava tudo. Como Hitler, batia frenético na plataforma: "O Brasil... já tem idade... de deixar de viver... da caridade internacional!" Um delírio.
Anos depois o impressionante ouvir do velhíssimo Sobral Pinto, na abertura das "Diretas-Já!" Já estava curvado, já muito frágil. "Silêncio!", ele disse. "Peço silêncio! Quero falar em nome do povo do Brasil!"
A branca e bela garça sobrevoa e baila, alcançando o escuro campo onde reina. Será mesmo uma garça? Será uma deusa, tecida de estrelas? A massa de sua luz, no céu, subitamente se abre, e desce, sobre a penumbra do Universo. E eu me esqueço. Me esqueço.