Exsicata – Bruno Ítalo
Em: 30/10/2024, às 23H30
[Carlos Martins]
A humildade talvez seja a virtude natural – e talvez a essencial... – de um haijin. Penso assim, pois se o haicaísta é aquele que dá voz aos entes animados e inanimados da natureza, incluindo os homens, mulheres e crianças que fazem parte dela e que transitam diante dos sentidos do poeta, nada mais natural que ele se sinta – e, antes, que necessite, para melhor cumprir sua missão! -, mais um entre toda a criação; que não seja um agente especial, acima de toda a beleza do mundo, mas, sim, mais um grão de areia na praia chamada Terra, do mar chamado Universo.
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Assim é o nosso confrade Bruno Ítalo, um suprassumo de poesia, gentileza e talento, em um caldo piauiense de humildade contagiante e verdadeira. Todas as vezes que trocamos ideias sobre haicai – mesmo sem vê-lo, além, na distância da internet – é possível perceber seu ouvido atento à conversa e contribuir com o resultado de seus estudos literários, expostos sem outra pretensão que não seja de enriquecer a discussão.
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E, agora, tenho um pouco da materialização de sua arte, que já admirava no meio virtual. Recebi o seu Exsicata (São Paulo: Reformatório, 2023), que já aguardava com ansiedade, pois sua generosidade já havia preparado terreno com o envio de uma exsicata em si, que segundo Alex Sampaio Nunes, na orelha do livro (aliás, um texto belíssimo!), “significa amostra de plantas (uma) forma de armazenar amostras para estudo e análise”. O belo conjunto de flores secas e um haicai, veio em um porta-retrato que já tem lugar garantido em minha estante.
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O caríssimo bardo já papou diversos prêmios em concursos de poesia e também conto, e Exsicata é seu primeiro livro. E a gente percebe esse detalhe, pois o que vem ao encontro de nossos olhos ao folheá-lo é uma torrente variada de poesia. O livro tem uma amostra de todas as vertentes poéticas a que Bruno se dedica: poemas curtos e longos; concretos; de versos lineares ou procurando imagens gráficas; estratos de contos e haicais.
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Em se tratando do poemínimo que tanto apreciamos, Ítalo tem uma prática que amplia um componente do haicai: sua leveza. Ele usa o kigo (termo de estação) ou não, como que deixando ao poema decidir sobre seu emprego. Além disso, por ter, pelo jeito, um carinho pela imagem, deixa que a forma do poema se acomode na página, como a água que percorre um caminho sobre o solo, adaptando seu fluir em função dos obstáculos do terreno. Com isso, os versos como que flutuam no papel, como os a seguir, nos quais incluo linhas de pontos para garantir sua forma original, uma vez que o Facebook não aceita sequência de espaços:
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.......... entre........................coqueiros
....................borboletas..........................também
...................................................................colorem a brisa
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Leia-se e o visualize sem os pontos: pura leveza!
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Em alguns poemas ele se vale de um recurso engenhoso para reforçar ainda mais a pausa (kire), uma das características do haicai, inserindo um espaço entre o verso anterior que indica a cesura e o posterior a ser evidenciado (usando ou não o kireji, termo de corte, geralmente um travessão):
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..........faixa de céu
Faixa de mar, faixa de areia —
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............um haicai
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Reparem como esse expediente criativo aprofunda o efeito que o poeta pretende de esticar a pausa, o tempo:
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Vou com o pé no freio —
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Sensor de velocidade
Não sente saudade
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Bruno encanta com a forma e com o conteúdo. As calçadas de São Paulo estão cheias de flores de chanana, delicadas e vivas sem serem plantadas pelo homem. Eu já tentei diversos haicais sobre elas, mas, sempre tenho a sensação de que falta algo, mas para o Bruno não faltou:
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flores de chanana
embelezando a calada —
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jardim vira-lata
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Ponto! Esse é nosso jovem e talentoso confrade Bruno Ítalo!
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Disse, a princípio, sobre a admiração sobre sua humildade. E não menti sobre a existência dela. No final do livro ele presta homenagem à infinidade de pessoas que ajudaram a construir direta ou indiretamente Exsicata: uma folha inteira! Seu ego é desinflado, vazio de pretensões. Não é à toa que a última linha do livro é:
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“A todos, mais uma vez, meu muito obrigado.”
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