Capa de "Rosa numinosa" (2022), de Diego Mendes Sousa
Capa de "Rosa numinosa" (2022), de Diego Mendes Sousa

 

ESTELAR, A POESIA DE ROSA NUMINOSA

 

 

 

por Luiz Otávio Oliani

 

 

 

"palavra nenhuma
suporta
a dor da solidão"

(Diego Mendes Sousa)

 

 

 

De gestas, andilhas, albas e salmos vive a poesia de Diego Mendes Sousa no festejado livro Rosa numinosa, Teresina, Piauí, Edição do Autor, 2022, com quatro seções distintas.

Tanto nas orelhas da obra escritas por Roberto Nogueira Ferreira e por Ronaldo Costa Fernandes quanto por Clauder Arcanjo no prefácio e por Noélia Ribeiro na apresentação são unânimes em valorizar a grandeza da obra em voga.

A primeira tem as gestas, que são as crias, as façanhas do eu poético a desbravar o mundo pela palavra, esse artefato tão bem desenhado linguisticamente pelo autor.

Em Gesta do tempo, p.16, “Lembro como / se fora hoje / o tempo de ontem / e de agora, / essa memória ilhada, / despencada de um / passado bom”, quando se nota a efemeridade diante da fixação dos instantes memoráveis.

Metafórica, como deve ser a boa poesia, "A vertigem / do tempo / é uma / sombra / paralítica / a rir dos frágeis / gestos, / da testemunha, / irrevelada" em Gesta do pantempo.

A ausência de pessoa fundamental na vida traz ao eu lírico o “Bálsamo amargo / pé-rapado é o Amor, / sem você", em Gesta do amor, p. 21.

Já em Gesta da vivência, p. 26, o verso de abertura impacta o leitor, pois, "Viver é tão precário...". Tal verso faz vir à mente João Guimarães Rosa, que assegurou ser perigoso viver...

E é diante dos entraves que "Precisas dominar / os espasmos / do tempo, / dormi-lo ainda mais. // (...) / a morte não findará o rastilho da vida", p. 29 e 31, em Gesta do tédio.

Diego Mendes Sousa não ignora o social. É um militante das causas indígenas e das questões ambientais. Por isso, louvável o poema amazônico Gesta do onírico rio das muitas almas, p. 33, texto dedicado a ninguém menos que o autor de "Galvez Imperador do Acre(1976), um ícone da literatura de Manaus: Márcio Souza.

O poema amazônico tem na estrutura, paralelismos que reforçam a beleza da área local, com enfoque na natureza, nas lendas regionais e outros, em que se lê acerca "da cobra grande e misteriosa", "espíritos secretos da floresta", "cabalas indígenas" e do amor que aparece em Altair, musa do poeta.

Já o longo Gesta da coroa de louros ou de espinhos, p. 38, é obra pujante dedicada à figura paterna. Trata-se de um olhar consciente do eu lírico ao descobrir que "Meu pai / não / deixou / nada / que / perdurasse / a sua /memória.". E que, apesar de todos os entreveros, o pai ficou aterrado ao filho, com a coroa de louros ou de espinhos.

A segunda parte da obra é "Andilhas surradas", com poemas que se voltam ao social e ao momento em que a Covid-19 surgiu. Não que não haja outros poemas sociais no livro, eles existem, conforme já citado, mas, nessa seção, ganham espaço e força.

Nênia ao Delta do Rio Parnaíba: santuário manchado de óleo, p. 47, mostra como a natureza tem sido agredida nos últimos tempos. Isto porque se "Minha casa está/ invadida ocupada / apossada" e tudo é negrume: "paraíso", "céu", "mar", "praia " e "rio", isto para ficar com essas palavras, é visível o trabalho poético com o campo semântico.

Em metáforas diversas, como "minha cidade é uma claridade, / (...) / minha cidade é um sino /(...)/ minha cidade é um hino", é bem evidente a importância da cidade natal para o eu lírico, que se desencanta com as manchas no rio Parnaíba e no mar do Piauí. Mais uma vez, os paralelismos reforçam as consequências do derramamento de óleo na natureza, pois há "mancha de óleo negro / (...) mancha de piche escuro /(...) mancha da ganância (...)", entre outras.

Quase ao final desse texto, uma invocação ao estilo de Castro Alves lembra um pouco "Navio negreiro", através da apóstrofe: "Oh Deus Oh Deus Oh Deus / Oh Deus dos pescadores/ (...) Oh Deus dos ecologistas / (...)" em um brado de dor, na busca da conscientização social.

O tempo presente citado por Carlos Drummond de Andrade em Mãos dadas está em Coronavírus, poema no qual Diego Mendes Sousa imprime um eu lírico de quem sentiu na pele o peso de ser vítima da pandemia provocada pelo vírus, pois o que perseguia as pessoas era "(...) um vírus maligno, desumano. / Sua única identidade / é reescrever / a história da humanidade.", p. 58.

Em Isolamento, p. 61, "só morrerei / na noite / em que estacado, / o meu coração / desistir de mim ", porque "quem poderá/ unir a alma / aos sussurros inaudíveis / do tempo?", p. 64.

A terceira parte do livro é "Alba da alma dispersa". Nela, há destaque para o belo Nênia para um avejão carioca, p.73, texto que homenageia postumamente Stella Leonardos, grande dama da literatura nacional falecida em 2019.

Em "voar alto, voar para longe / voar fora do tempo", tais versos imprimem que a obra de Stella foi além da própria vida. Diego a leu intensamente e fechou o poema autoral, com a construção de versos singulares, nos quais os livros da autora foram citados, tais como “Dias pássaros", "Geolírica”, “Rapsódias e Cancioneiros", "Passos na Areia" e "Amanhecência”.

Cinza, p. 77, também possui destaque em homenagem a Jorge Tufic, outro grande vulto da literatura brasileira. Poeta do Acre, amazônida. E assim ficou que "a saudade é / um murmurar melancólico", porque "A vida ainda é dor, / onde deuses abrigam / lágrimas e lembranças.".

Destaques também merecem outros poemas: Rosas da terra incógnita, p. 72, A terra e o ser, p. 80 e Transitório, p.81.

A parte final do livro é "Salmos à gleba das carnaúbas". Nela, Malúrico, p. 87, desponta como uma ode ao mar, a partir da criação vocabular composta por mar + telúrico. Rico de aliterações "O mar demarca a minha origem, / retroterra, retrotempo, retrovida", entre outras, é como se a personagem do poema imprimisse as ondas para o leitor.

"Onde estão os sonhos? / E os assombros da dor? / E os arranhões da alma?", p. 92, em Sonata nos rasgos da praia.

E é dos sonhos que a literatura de Diego Mendes Sousa se abastece, para nosso júbilo.

 

LUIZ OTÁVIO OLIANI é poeta e contista.