[Whashington Ramos]

     Um prato de feijão vermelho era tudo que ela possuía em sua cabana para almoçar, quando eles chegaram. Era feijão quebra-cadeira, nome que já diz tudo sobre o sofrimento de quem o vai colher. Sentou-se à mesa tosca  e olhou para aquele prato de feijão com um pequeno pedaço de toicinho e um pouco de farinha de mandioca alvíssima. Já havia começado a amassar os três ingredientes de seu almoço, formando uma pasta marrom entremeada de pontinhos brancos da farinha.

     Antes, ela havia tomado banho no riacho enquanto o pai e a mãe campeavam cabras, das quais ela havia tomado leite mugido às seis horas da manhã. Agora ela está trajando um vestido branco de alças, que contrasta com sua pele morena e seu cabelo negro, do qual caem algumas gotículas de água sobre sua face e seus ombros, dando-lhe aquele frescor de quem acabou de banhar-se.

     Já ia levando a primeira colherada à boca quando ouviu o  grito “Oi, de casa!” Ela respondeu “Oi, de fora!”, pondo a colher no prato de flandre esmaltado. Levantou-se e foi ver quem havia chegado. Era um padre e uma moça, uma loura. Mas o padre não é desses brancos e avermelhados que atuam em romances naturalistas, não. Esse é moreno, não usa batina e dirige camionete luxuosa. “Tem almoço nesta casa, minha filha?” “Só tem feijão, seu padre.” Ela o conhecia de vista. Já o vira celebrar missa nas poucas vezes em que estivera na cidade. “Podes nos dar um pouco, filha?  Estamos com fome.” “Posso, sim, seu padre, entre, venha também, moça.” O feijão que estava na panela era suficiente apenas para o pai e a mãe. Mas estes lhe ensinaram que não se deve negar comida nem água a ninguém. “Tem só feijão mesmo? Não tem mais nada?” “Tem ovos, mas a mamãe está guardando para deitar uma das galinhas.” “Ah, minha filha, passe dois pra gente comer com o feijão, eu pago.” “Precisa pagar, não, seu padre. Espere só mais um pouco, que eu vou avivar o fogo, que já tá quase se apagando.” Botou alguns gravetos no fogão a lenha, usou um abano de palha para apressar as chamas. Colocou um pouco de carvão. Em poucos minutos, o fogo estava no ponto. Ela pôs azeite de coco babaçu numa frigideira e levou-a às chamas. Quando começou a chiar e a cheirar, ela quebrou dois ovos e jogou dentro com uma pitada de sal. O aroma aguçou a fome do padre. “Chega, minha filha, chega, chega! Já está bom! Só este cheiro é uma tortura pra gente!” “O senhor gosta é de ovo mole, seu padre?” “Tanto faz, filha, mole ou duro, chega, já está bom!” “Vou botar o feijão nos pratos enquanto os ovos fritam mais um pouco, seu padre, calma.” Ela pegou os pratos no armário de madeira e, com uma colher de pau, colocou feijão. Jogou um ovo em cada um. “Pronto, seu padre, aqui está.”

     Ele e a loura sentaram-se para comer. Estavam em jejum. Tinham saído de casa às 5:30 da manhã. A fome era grande. Tinham se perdido nas estradas carroçais da região, tentando encontrar uma fazenda onde se pretendia fazer batizados de várias crianças. Era lá que iam quebrar o jejum com um lauto café da manhã. Não a encontraram. Além disso, a camionete deu o prego. Tinham andado muito a pé até encontrar aquela cabana.

     O padre despejou um pouco da farinha de uma cuia em seu prato e misturou tudo: feijão, ovo e farinha. Após mastigar e engolir a primeira colherada, não resistiu e falou: “Eita, comida gostosa! Até me lembrou estes versos dos moleques de rua: ‘ Aleluia! Feijão no prato, farinha na cuia!’ Onde foi que Você aprendeu a cozinhar tão bem desse jeito, minha filha? Qual é mesmo seu nome?” “É Maria da Cruz.” “Hem, Maria da Cruz, onde foi?” “Foi aqui em casa mesmo, com a mamãe. E esse feijão quase não tem sal, que está pouco aqui em casa.” E o padre, lambendo os beiços: “Ora, se Você faz uma comida tão boa como essa sem tempero, imagine  se tivesse bons ingredientes. Quero que Você vá morar na cidade para cozinhar para mim.” “Posso não, seu padre. Tenho que cuidar de meus pais, que estão ficando velhos. Sou a única filha deles que ainda está aqui, e também não gosto de cidade, não. É muita zoada... Gosto não.” “Que pena, Maria da Cruz, que pena”, repetia o padre mastigando, engolindo, quase se engasgando.