Cunha e Silva Filho


              Uma vez, em crônica, falei que o período inicial do meu curso primário não me foi, ao contrário de tanta gente a quem cumprimento pela felicidade desfrutou nesse período  escolar, bafejado pela alegria plena, por um ar de eterna felicidade. Me lembro de que os primeiros dois ou três anos, mudei muito de escola, estudei em escolas particulares sem renome, em aulas particulares de reforço à leitura, (uma delas tinha como responsável a professora Dona Eremita, velhota durona, exigente, me dava um certo medo). Ainda nas minhas perambulações, estudei na conhecida Escola Demóstenes Avelino, cujo dono era o professor Felismino Weser,
               Estudei ainda num grupo escolar por um ano ou menos do que isso, que ficava em frente ao Palácio de Karnak, ou seja no espaço que estaria incluído o que posso liricamente chamar “coração de Teresina”, até que, lá para a terceira série ou quarta, meu pai (e a meus dois irmãos, Sonia e Winston) me levou para cursar o final do primário no Ginásio ” Des. Antonio Costa,” famosa e popular instituição de ensino que dominou largo período do ensino privado teresinense. Era dirigido por dois irmãos, o professor Francisco Melo Magalhães e o professor Domício Melo Magalhães. 
         No instante em que ingressei no Domício, nome por que era carinhosamente denominado aquele ginásio, posso lhe afiançar, leitor, que houve em mim uma transformação que bem poderia ser    de natureza epifânica. Perdi o medo de escola, criei ânimo, desabrochei para as delícias da aprendizagem, da leitura, da escrita, da matemática. 

           Sentia que a estrada do saber se me abria para sempre, sem tempo fixado. Era tudo deslumbramento, emoções, desejos insopitáveis de conhecimento, de superação, de vencer, de aprender pra valer e tudo feito do prazer de aprender por aprender, sem imposições dos pais, de amigos, de parentes. Era uma tomada de posição minha e de mais ninguém. Só sei que, da terceira série primária,  porque estava bem preparado, pulei para o exame de admissão. Nesse período de exuberância infantil, convivi na sala de aulas com os irmãos Magalhães. Com o professor Mello, assim o chamávamos, aprendi o conteúdo de matemática; com o professor Domício, de forma lúdica, aprendi a prestar atenção aos detalhes de quadros que trazia para a sala e nos ensinava a fazer uma descrição: “O quadro que vamos descrever representa ...”. Até hoje me soam comovidamente aquelas suas palavras. 
         Do professor Domício, aprendi os rudimentos da geografia e história, que complementava com um velho livrinho destinado ao exame de admissão e de outros livros da biblioteca de papai destinados àquele nível. 
       Quando enfrentei as provas do exame de admissão ao ginásio, estava bem e até recebi elogios de um professor querido, o professor João Batista, que, no ginásio, me lecionou latim e canto orfeônico. João Batista era um mestre por vocação. Tinha deixado a batina, casou-se. Acredito que foi muito feliz. Foi um grande incentivador meu e fazia questão de me elogiar pro papai, que obviamente se orgulhava de mim.
       Os irmãos  Magalhães fizeram história na educação piauiense. Eram de Piracuruca. Formaram-se em direito em Teresina, mas preferiram se dedicar ao magistério. Conta-se que arrostaram muitas dificuldades de possíveis inimigos invejosos, porquanto seu Ginásio era repleto de alunos.
     Porém, nada os impediu de dirigir essa grande e popular escola particular. Nela lecionaram grandes figuras de professores de alta competência. Posso mencionar alguns: Lysandro Tito de Oliveira (geografia) Valdemar Sandes (língua portuguesa), Cunha e Silva ( francês), João Antonio (ciências) Jose Eduardo (inglês), Alcides Lebre (desenho) Francisco Viveiros (inglês), João Batista (já citado), professor Tonhá, hipocorístico do professor amarantino Antônio Veríssimo de Castro, grande estudioso do vernáculo, filólogo, professor de português, professor, autor de obras sobre língua portuguesa e dicionarista, Edmar Vasconcelos de Sant’Ana (desenho), autor, se não me engano, de um único romance de título estranhamente simbólico, Quando?..., Depois da Quermesse! (impresso pela editora Vozes, Petrópolis,RJ, 1995), no qual, na capa, consta apenas “Sant’Ana” como autor. 
       Obra elogiada  por um professor universitário inglês, Bruce Corrie, por José Louzeiro e pelo jornalista Raúl Soeiro.Outros professores de mérito lecionaram no Ginásio “ Des. Antonio Costa.” Por terem sido professores meus por muito pouco tempo, os nomes deles me escapam à memória.Umas observação: creio que, pelo tempo dessas memórias, todos os citados ilustres mestres, a quem presto nesta coluna minha gratidão perene, já estejam, como nos versos finais do poema “Profundamente” de Manuel Bandeira (1886-1968): “__Estão todos dormindo/Estão todos deitados/Dormindo /Profundamente.”(Libertinagem,1930)
     Os irmãos Magalhães sofreram reveses, incompreensões, até injustiças, seguramente por se tratar de um educandário que batia recordes de número de alunado.O Ginásio era até injustamente criticado por pessoas desavisadas, por expressão do tipo “escola PP,” que queria dizer: se o aluno pagasse a mensalidade, passaria de ano.Nada mais injusto e falso. Jamais renegaria o valor moral e educativo do Ginásio “Des. Antonio Costa.”

   Todo o período em que tive a honra de ser aluno desse colégio foi pontilhado de contentamento, de sentimento de alegria, de compartilhamento, de amizades feitas, de entrosamento entre mim e o colégio e de ter sido considerado um aluno respeitado e querido por meus mestres e pelos diretores, os irmãos Magalhães. Razão tinha Olavo Bilac de atribuir um importância elevada ao ginásio – base de todos os futuros cometimentos que, se me deram tantas canseiras, também me realizaram como esstudioso.
   Nos dias de treinamento para as “paradas” de “Sete de Setembro” é que se via a numerosidade de estudantes do colégio. O educandário não fazia, entretanto, parte dos grupo de colégios da chamada elite teresinense. Contudo, isso não diminui a grandeza que esses irmãos significavam     para o campo árduo da educação piauiense. 
  Muito aprendi com o professor Mello e com o professor Domício, cujas personalidades opostas pelo temperamento, no entanto, se completavam e davam, assim uma unidade de dupla de docentes que nasceram para a sublime arte de ensinar e divulgar sabedoria em companhia do ilustre corpo docente escolhido a dedo.
   No já envelhecido Certificado de Conclusão do Curso Ginasial, que o Ginásio “ Des. Antonio Costa” me conferiu no ano letivo de 1960, lá no alto do diploma, logo abaixo do símbolo de nosso pendão e do órgão responsável pela validade do documento, Ministério da Educação e Cultura, impresso em preto e branco se encontra o nome, em caixa alta, do colégio, assim como o do fundador, J. R. Magalhães Filho; o endereço da instituição, Rua Felix Pacheco, nº 1589; o “fone”, 2645; a cidade, Teresina ; o Estado, Piauí. E, para completar os dados burocráticos, esta emblemática afirmação de Platão (428/427 a.C.- 348/347 a. C.) : “A educação é a mais valiosa herança que os pais podem deixar aos filhos.”