DO  POETA E DA SUA CULTURA (7)

                              CUNHA E SILVA FILHO

                                   

               O caderno Mais! da Folha de São Paulo, na edição de 12/06/05, destinou maior espaço a homenagear a memória de Jean Paul Sartre (1905-1980) pelo centenário de seu nascimento. Além de depoimentos sobre o filósofo e escritor francês, o caderno publicou textos inéditos do famoso autor de A náusea (1938), um dos quais trata da formação cultural de quem aspira a vir a ser ator. Sartre, entre outras lições importantes, ressaltou o valor do conhecimento que todo ator deve  por obrigação possuir, sobretudo o conhecimento cultural, o da visão histórica, o do saber artístico, enfim, o de elevar, em todos  os aspectos, o nível de competência dos atores.

              No texto inédito de Sartre, traduzido por Paulo Neves, o filósofo se propõe à ideia de fundar uma escola de teatro que englobasse em profundidade uma  competência do ator  tanto do conhecimento da arte  dramática  quanto da sua complementaridade, que é a da consciência que o ator deve ter do corpo humano e das possibilidades infinitas que ele teria caso se assenhoreasse de recursos como os havia no tempo da commedia de ll’arte. Ou seja, o ator (artista) intelectual e fisicamente completo deverá se adestrar no desenvolvimento harmônico de seu corpo e nas  possibilidades que as práticas esportivas -  da mímica ao valor da “respiração” –  adequadas  podem propiciar à melhoria da interpretação dramática.

              Valendo-me, assim, dessa ideias alheias, estou pensando aqui na possibilidade de encaminhá-las para o domínio, também estético, da poesia. Não pretendo, como o fez Sartre,  fundar nenhuma escola poética. Longe de mim, primeiro porque nem mesmo sou poeta; segundo, porque não me esqueci do preceito do poeta nascitur que os antigos sempre nos lembravam de ter  em mente na avaliação crítica de qualquer candidato ao Parnaso.

           Entretanto, o fato é que, à semelhança das exigências para atores, aos cultores  das musas  - esse gênero literário que, na vigorosa conceituação romântica de Percy Byshe Shelley (1792-1822),  representa  “ ...  o registro dos melhores e mais felizes  momentos  dos melhores e mais felizes espíritos” -    seria, no mínimo, honesto  endereçarmos algumas sugestões, especialmente aos mais jovens, no sentido de que sacudam as asas molhadas do narcisismo e procurem ouvir e, se possível, tirar proveito do minimamente indispensável ao exercício da poiesis.

         Não  é bastante ter-se talento, é mais do que obrigatório  que o poeta se prepare culturalmente. E o que se quer dizer com isso? Que o poeta se lembre de  que, ao se juntar à imensa galeria dos devotados às musas,  ele já encontra atrás de sim  séculos e mais séculos de tradição literária de altíssimo nível.  Quer dizer, o novel poeta  já nasce sob o signo do fantasma da influência  de alguns poetas de gênio, já canonizados  devidamente e  ad vitam aeternam...

         Por conseguinte, ele, o novíssimo poeta, segundo a sua tendência, será apenas mais um  cultor das deusas Calíope,  Erato ou Urânia e, de acordo com o seu nível de realização artística, será um  poeta menor, um poeta médio  ou um  grande poeta, assim como  acontece a qualquer gênero literário. É nesse ponto que entra um novo componente diferenciador: a formação cultural do poeta. Esta  vai exigir além de um convívio com a leitura continuada dos grandes poetas e escritores universais de todos os tempos, um conhecimento sólido desde os gregos e  latinos, até aos contemporâneos no que concerne à teorias poéticas, sobretudo a partir de Aristóteles (384-322 a.C)

            A isso podemos acrescentar  como formação do poeta o domínio de línguas modernas, sem descartar as mortas, latim e grego, o conhecimento das correntes filosóficas, da história das artes, das vanguardas, o conhecimento, se possível, de música, familiaridade com  as ciências humanas e uma abertura irrestrita e despreconceituosa  com os   problemas sociais vividos pela própria contemporaneidade do poeta.

            Sei que é exigir demais da alheia mente, mas, pelo menos, a  recomendação serve de alerta  ou de aviso aos apressados  pretendentes  à fonte de Hipocrene.

Alguns poetas, inclusive no Piauí, foram abençoados com a dádiva do talento, porém deixaram de ser melhores poetas porque para isso não se prepararam mais  com o devido rigor  intelectual.

          De  certa forma, o nível  de sua produção se ressente de  uma mais sólida expressão ou dimensão poética. Eles têm culpa disso? Têm e, se não têm, pelo menos, para tanto são certeiras e apropriadas  essas palavras, ainda que não dirigidas diretamente  aos poetas, do centenário Jean Paul Sartre ao concluir seu texto: “Mas se as vicissitudes de nascimento e as dificuldades materiais os privaram, na origem, de cultura e alguns meios físicos, eles buscarão por muito tempo, talvez a vida inteira, adquirir por si próprios essa cultura e esses meios”.