DISCURSO DE APRESENTAÇÃO DO LIVRO BUSCADORA, DE HAYDÉE FERREIRA, LANÇADO NA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS EM 13 DE MAIO DE 2023.

     Horácio, o grande poeta clássico da Roma Antiga, na primeira estrofe de seu poema Aere Perennius, diz: “Ergui um monumento/mais duradouro do que o bronze, mais soberbo/que o régio vulto das pirâmides, alheio/ao vento, à chuva, à sucessão sem fim dos anos/ao tempo em sua fuga.”

     Nossa amiga Haydée Ferreira também ergueu um monumento ao escrever e publicar seu livro Buscadora, um sonho que ela acalentou durante muitos anos, mas agora se revela ao público. Complementando o pensamento do poeta, podemos acrescentar que esta obra que agora é lançada nesta academia, como todo e qualquer livro impresso, é imune ao sol, a quedas, não precisa ser ligado em tomadas,  é facilmente consultável e pode ser levado para qualquer lugar. É um objeto de altíssima tecnologia, embora hoje em dia a maioria das pessoas só considera muito tecnológico aquilo que depende da energia elétrica.

     Antônio Cândido, um dos maiores críticos literários deste país, comparando a literatura brasileira com as grandes literaturas de outros países, reconhece que a nossa literatura é pequena, mas é ela que nos representa melhor, que nos toca mais profundamente. E ela precisa ser lida para que não caia no esquecimento. Ora, esse mesmo raciocínio pode ser aplicado na relação da literatura piauiense com a brasileira. A Carta ao Pai, famosíssimo texto de Franz Kafka, é de fato um bom texto. Mas Um Cinturão, de Graciliano Ramos, constante do livro Infância, nos toca muito mais. Não temos hoje, aqui no Piauí, autores famosos como Ruy Castro, Milton Hatoum, Ignácio de Loyola Brandão e tantos outros. Mas quem nos representa melhor, quem nos toca mais fundo, é Da costa e Silva, é H. Dobal, é Fontes Ibiapina, é Torquato Neto, é O.G. Rego de Carvalho, é Hermínio Castelo Branco, é Assis Brasil, é Dilson Lages Monteiro, é William Palha Dias é Haydée Ferreira e vários outros, pois são autores que, em seus livros, nos trazem o cheiro visceral da terra piauiense. Não quero com isso dizer que os escritores de outros estados brasileiros e de outros países não sejam importantes e que não tenhamos pontos de contato com eles. Não, não se trata disso. São importantes, sim, e nós apreciamos o que eles escrevem. Mas nossa identificação maior é com os autores piauienses, quer nós queiramos ou não. Nós que aqui nascemos e aqui vivemos.

     Nossa literatura piauiense é pequena, mas não é tão pequena como chegamos a supor muitas vezes. Uma comprovação disso é que todas as antologias com os melhores poemas do século XX têm a presença de autores piauienses. É um mérito que muitos estados brasileiros não têm. Da Costa e Silva e Torquato Neto estão presentes em várias páginas de poesia na internet, que não são organizadas por piauienses. Nos anos 50, no Rio de Janeiro, um editor confeccionou um cartão-postal com o soneto Saudade, de Da Costa e Silva, e o deu de presente a seus clientes com votos de um feliz natal.

     Retomando a ideia de monumento que o poeta Horácio nos legou, podemos dizer que a maioria dos livros são monumentos. Este prédio em que estamos agora, de belíssima e imponente fachada, é também um monumento; monumentos muitos maiores, porém, são os livros que ele abriga, pois são o patrimônio de um povo. A partir de hoje, o livro de Haydée Ferreira vai integrar esse patrimônio, vai enriquecê-lo ainda mais, trazendo fatos de nosso passado recente sobre Teresina e Esperantina, as duas cidades em que se ambienta a ação narrativa do livro que agora está sendo lançado. Ele vai integrar também um pouco do caráter histórico-biográfico de parte da vida piauiense, já que se trata de um livro em que encontramos fatos e informações autobiográficas e históricas, além da saga de uma família. Encontramos também relatos de viagens, nascimento e morte de pessoas, descrições do bom caráter de antepassados, momentos de religiosidade e fé cristã. Tudo isso está colocado com sutil sinceridade, sem citar nomes nem acusar ninguém do que quer que seja. É um livro que se baseia na verdade, mas sem ser dogmático, sem a pretensão de querer dar lição de moral.

     Em termos biográficos, Buscadora aproxima-se de grandes biografias como a de Steve Jobs, escrita por Walter Isaacson, em que são narrados os acertos e erros do criador da Apple. Como ainda a biografia de Genu Moraes, que não faz só elogios a muita gente citada em seu livro. Acredito que uma verdadeira biografia não pode se ater somente a fatos positivos da vida do biografado, pois todos nós, seres humanos, temos virtudes e defeito. A verdade, para ser boa, deve mostrar os dois lados de uma vida, o bom e o ruim. Além disso, o problema não é exatamente o que se diz, mas como se diz. Haydée Ferreira sabe muito bem como dizer em seu livro, pois sempre baseia sua narrativa no respeito, na parcimônia, na palavra colocada com precisão e humildade.

     Por fim, o livro de Haydée Ferreira pode ser lido por qualquer pessoa sem susto, sem receio de encontrar algo ferino. É um livro sem palavras duras, sem acidez crítica, sem ofensas, sem ressentimentos. É um monumento cuja leitura vale muito a pena.

                                               Washington Ramos