[Washington Ramos]                                        

     Já pensou se Camões tivesse se dado o trabalho de explicitar todas as referências históricas e mitológicas presentes em Os Lusíadas? E olhem que elas são centenas! Não consigo imaginar  esse gênio da literatura universal, esse grande criador, fazendo nota de rodapé!

     Castro Alves compôs dois belos poemas sobre o 02 de julho de 1823, data da batalha em que os baianos venceram os portugueses em Pirajá e proclamaram a independência da Bahia. São textos com várias referências históricas e mitológicas também. Mas, em nenhum verso, esse grande poeta dá explicações nem faz notinhas explicitando isso e aquilo.

     Carlos Drummond de Andrade, no poema O homem; as viagens, usa o verso O Homem, bicho da Terra tão pequeno. Mas também não explicita que esse verso é de Camões.

     Manuel Bandeira tem um poema em que ele repete várias vezes este verso: o que eu adoro em ti, que não é de sua autoria, mas de Fagundes Varela. Bandeira, entretanto, não dá nenhuma nota para dizer que esse verso não é originalmente seu.

     Existem mais de trinta poemas criados a partir da Canção do Exílio, de Gonçalves Dias. Escritores como Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade, Jô Soares e vários outros retomaram  a Canção do Exílio, mas nenhum deles disse que estava ironizando ou simplesmente parafraseando esse grande poema.

     Os ficcionistas e poetas do passado eram criadores, não se importavam se os leitores iriam entender ou não. Queriam ser lidos, é claro. Mas o importante para eles era criar, e não explicitar. O próprio Oswald de Andrade chegou a dizer que o leitor colocasse uma candeia no entendimento.

     Uma grande parte dos ficcionistas e poetas de hoje, porém, está muito mais preocupada em explicar do que em criar. Não vou citar nomes da literatura piauiense para não ferir suscetibilidades, já que a maioria deles só quer saber de elogio, mesmo que seja falso. Tenho visto muitos fazendo nota de rodapé, explicando isso e aquilo como se o leitor fosse burro. A coisa é como um certo ator que, após sua excelente atuação numa peça teatral, disse que tinha desempenhado aquele papel de homossexual, mas que ele não era homossexual. Ninguém na plateia havia dito que ele o fosse. Porém a sede explicitação o dominou.

     Esses explicadores não são criadores literários e estão transformando a literatura em didática, em uma coisa sem graça, excessivamente explícita. Nada é mais vulgar do que um autor, sem ser solicitado, ficar dando explicações sobre sua obra. Drummond, perguntado por um crítico  sobre o sentido de um texto seu (dele Drummond), respondeu que ele, o crítico, é que devia explicar.

     Não sei o que leva a haver tantos escritores-explicadores na literatura de hoje. Talvez seja a sede de aparecer, numa época em que tudo é mostrado claramente. Talvez seja influência do pornográfico sexo explícito, já que há várias publicações aqui no Piauí com aberrações sexuais disfarçadas de literatura, inclusive com crianças sendo molestadas.