Rio Marataoan
Rio Marataoan

                                                                                             * Reginaldo Miranda

Nos primórdios da povoação das Barras e da construção da capela de Nossa Senhora da Conceição, que deu princípio ao lugar, figuram ilustres nomes de nossa história, sendo os três principais pioneiros: Miguel de Carvalho e Aguiar, que iniciou sua construção, deixando uma dotação em equineos para sua manutenção; Manuel da Cunha Carvalho, que a concluiu e também deixou para a mesma uma dotação pecuniária; e Manuel José da Cunha, sobrinho deste último, que doou para a Igreja meia légua de terras em seu entorno, assim como os animais de seu ferro que nela se encontrassem. Estavam, assim, lançadas as bases de fundação do núcleo urbano, que, em 1804, quando do falecimento deste último contava com apenas oito casas residenciais, sendo seis cobertas de palha e duas de telha, sendo que uma destas era reservada para hospedagem daquele benfeitor quando vinha à povoação.

No entanto, o povoamento do lugar teve grande impulso por volta de 1814, quando o fazendeiro Francisco Borges Leal, que sucedeu Manuel José da Cunha na administração da capela, ali edificou residência e orientou em seu arruamento, desde então recebendo novos moradores que construíram diversas casas de telha. Em 22 de agosto de 1819, em sucessão ao sogro assumiu o fazendeiro José Carvalho de Almeida, administrando a capela e seu patrimônio, desde então provocando um impulso no progresso do lugar. Por fim, permanecendo no exercício desse cargo por vários anos, José Carvalho “em 14 de julho de 1831, lançou os fundamentos de uma nova capela, hoje matriz; ficando a antiga contida no recinto desta, a qual já ameaçava ruína e foi demolida em 1835”. No bojo desse progresso foi erigida em sede de distrito de paz pela lei provincial n.º 656, de 9 de setembro de 1836; e freguesia pela lei provincial n.º 101, de 30 de dezembro de 1839. Em face da Lei n.º 127, de 24 de setembro de 1841, foi elevada à categoria de vila, instalada oficialmente em 19 de abril de 1842.

José Carvalho de Almeida, nasceu em 1770, no Sítio do Meio, vale do Longá, sendo filho de Antônio Carvalho de Almeida, o  moço, e de D. Ana Maria da Conceição Rodrigues, nascida em área do atual município de Batalha; neto paterno do capitão-mor Antônio Carvalho de Almeida, o velho, natural de Portugal, e de D. Maria Eugênia de Mesquita Castelo Branco, esta filha do capitão-mor João Gomes do Rego Barra, natural de Portugal, e de D. Ana Castelo Branco de Mesquita, esta última filha D. Francisco de Castelo Branco e D. Maria Eugênia de Mesquita, ambos naturais de Lisboa.

Herdeiro de muitas fazendas com considerável rebanho bovino e cavalar, desde cedo José Carvalho de Almeida dedicou-se à atividade pecuária, criando seus rebanhos no vale do rio Longá e adjacências. Como os demais criadores de seu tempo vendia anualmente as crias e vacas de descarte, para a renovação do rebanho e manutenção das fazendas. No tempo de sua juventude o negócio mais rendoso para os criadores do norte, era a venda para a indústria de charque da Parnaíba, depois o comércio em outros centro litorâneos, a exemplo de São Luiz do Maranhão. Nesse tempo pastavam em nossos campos agrestes e no capim mimoso, as boiadas de gado curraleiro pé-duro, cuja raça foi formada em nosso sertão; e o cavalo nordestino, de porte pequeno mas passo ágil, também formado em nossas várzeas e chapadas, ambas as raças oriundas de espécies trazidas das ilhas do Atlântico e do próprio continente, pelos pioneiros portugueses que iniciaram a colonização.

Desde cedo ingressou na carreira militar, sentando praça de soldado de um dos regimentos de nossa capitania, prestando serviços em seu distrito, então pertencente ao termo de Campo Maior. Porém, em 1793, em face da guerra que se desenrolava na Europa, foi destacado por duas vezes, pela Junta de Governo do Piauí, para diligenciar na praia da Pedra do Sal, no termo da vila de São João da Parnaíba. É que o delta parnaibano poderia ser um dos pontos de ataque das forças francesas, a fim de dominar a região, o que felizmente não se verificou.

Prosseguindo em sua atividade militar, em 1797, foi convocado pelo governador D. João de Amorim Pereira, para servir em diligência na cidade de Oeiras, em cuja missão permaneceu por quarenta e sete dias.

Em princípio do ano de 1815, recebendo ordens do governador Baltazar de Vasconcelos, esteve novamente destacado naquela cidade pelo tempo de trinta e cinco dias. Em seguida, foi promovido a oficial e destacado para diligenciar pela terceira vez, na Pedra do Sal, sempre por receio de ataque inimigo da parte de governos estrangeiros. Ainda em 17 de julho do mesmo ano, teve seu nome proposto[1] para o posto de alferes da 1ª Companhia do Regimento de Infantaria de Milícias de Campo Maior, vago pelo acesso de Antônio José de Araújo Bacelar, que o exercia. Por fim, nesse ano bastante proveitoso para sua carreira militar, foi promovido ao posto de tenente da 4ª companhia do referido regimento, em 13 de setembro.

Em 1823, quando se travou a Guerra da Independência, esteve destacado na povoação do Poti, hoje cidade de Teresina, sem receber soldo algum. Em face desses serviços, no ano seguinte foi promovido ao posto de capitão, pelo brigadeiro Manuel de Sousa Martins, depois visconde da Parnaíba. No exercício desse posto militar passou 27 anos.

Na carreira política, deu sequência ao trabalho do sogro no partido conservador, participando de alguns pleitos e elegendo correligionários. Foi eleito por algumas vezes para vereador de Campo Maior, do qual pertencia o termo de Barras, inclusive ao tempo da Guerra da Independência, quando presidiu o Senado da Câmara. Nessas circunstâncias, atendendo a ordens da Junta de Governo, procedeu a sindicância para apurar o fabrico de pólvora por parte de Lourenço de Araújo Barbosa. Concluiu que o acusado não praticou qualquer ilegalidade[2].

Com a elevação de Barras à categoria de vila, foi ele nomeado através de portaria de 11 de novembro de 1841, para subdelegado de polícia, o primeiro que teve aquele distrito. Tomou posse do cargo em 9 de dezembro de 1842, perante a câmara municipal.

Por fim, na carreira militar foi promovido ao posto de coronel comandante superior da guarda nacional, em 1850, pelo presidente José Antônio Saraiva. Em 1863, foi reformado no referido posto, depois de exercitá-lo por 13 anos.

O coronel José Carvalho de Almeida foi casado com sua prima D. Francisca Castelo Branco, filha de Francisco Borges Leal[3] e de D. Ana Rosa do Lago Castelo Branco. Segundo o biógrafo Miguel Borges, o casal teve dezesseis filhos mas somente seis chegaram à idade adulta[4], a saber: 1. Maria Angélica Castelo Branco, casada com Francisco Ferreira Lopes, residentes em Campo Maior; 2. Francisca Vitalina Castelo Branco, casada com o coronel Francisco Borges Leal (2º do nome), residentes no termo de Barras; 3. João José de Carvalho, casado com Porcina Peres, residentes na vila de Barras; 4. Ana Rosa Castelo Branco, casada com João José do Rego Castelo Branco, residentes na vila de Brejo (MA); 5. Francisco Borges de Carvalho, casado com Cândida Rosa Castelo Branco, residente na vila de Barras; 6. Benedito José de Carvalho, casado com Mariana Rosa Castelo Branco, residentes no termo de Barras.

Faleceu o coronel José Carvalho de Almeida, em 30 de maio de 1869, na vila de Barras, sendo o corpo sepultado no dia seguinte no cemitério da Confraria de Nossa Senhora da Conceição, daquela vila, hoje cidade de mesmo nome, embora fosse seu desejo ter sido sepultado na igreja por ele construída. Foi um grande benemérito da cidade Barras e da Igreja católica, ao edificar templo religioso, custeando em parte as despesas e promovendo o desenvolvimento de sua terra. Deixou um nome honrado e numerosa descendência.

O jornal A Imprensa, publicou nota, certamente escrita por seu conterrâneo David Caldas, nos termos seguintes:

“Fallecimento. – Em 30 de maio próximo findo, falleceo no termo das Barras o comandante superior reformado José Carvalho d’Almeida, na avançada edade de 99 anos.

‘Seu cadáver foi sepultado na villa, a 31 de referido mez, no cemitério de N. S. da Conceição; notando-se que, por falta de uma ordem do dia, segundo nos informão, deixou-se de prestar as honras militares que erão devidas ao ilustre finado!

‘.... .

‘José Carvalho d’Almeida era um varão distincto pela sua piedade, nobre caracter, e excelência de sua família – a quem damos os nossos sinceros pêsames.

‘Mais logo publicaremos a seu respeito alguns apontamentos biográficos.

‘Seu nome venerando interessa pelo menos à singela história do município de Barras” (A Imprensa, 16.6.1869).

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*REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Contato: [email protected]

 

 


[1] A proposta foi feita pelo coronel Francisco da Costa Rebelo, natural de Campo Maior e que antes havia exercido o governo do Piauí.

 

[2] CHAVES, Mons. Joaquim Raimundo Ferreira. O Piauí nas lutas da Independência do Brasil. In.: Obras Completas. Teresina: FCMC, 1998.

[3] Irmão do cônego Antônio Borges Leal, da Sé da Bahia, foi administrador da Capela das Barras, em sucessão a Manuel José da Cunha.

[4] Apenas os três últimos sobreviveram ao genitor.