Coronel Antônio Borges Marim
Em: 22/06/2018, às 03H13
[Reginaldo Miranda - da Academia Piauiense de Letras]
Entre os fundadores de fazendas e militares com serviços prestados no assentamento da base colonial portuguesa, figura o coronel Antônio Borges Marim, que chegou ao Piauí no ano de 1714. Naquele período em que ainda não estava organizada complexa estrutura governamental entre nós, era a patente militar que distinguia a hierarquia não só militar, como também social, entre os colonos. E a implementação das fazendas com criatório de gado, dizia da posição de mando e das relações de trabalho, distinguindo os mais dos menos nobres.
Era também costume identificarem em sua terra, os jovens pelo nome dos pais, por alguma profissão ou por características que lhes fossem peculiares. No entanto, aqueles que saíam em trabalhos do real serviço ou mesmo em busca de oportunidades, geralmente eram identificados pela terra de origem, que, em muitos casos lhes era incorporada ao patronímico familiar. Era essa a razão de muitas famílias terem denominação com origem geográfica. Não foi diferente com esse Antônio Borges, natural de vila Marim, no concelho de Vila Real, onde nascera por volta de 1668. Existe outra vila desse nome em Portugal, ambas derivando do latim marinus.
Nada sabemos sobre os primeiros anos de vida de Antônio Borges, no entanto é de supor-se que tenha vivido infância e adolescência na terra natal. É bastante significativa a existência desse termo de casamento realizado em 27 de maio de 1690, na vizinha freguesia de São João de Lobrigos:
“Antonio Borges, natural da fregª de Villa Marim e Anna Roiz, natural da fregª de Abbacas, se receberão nesta fregª de Sam João de Lobrigos, em minha presença, aos 27 de Mayo de 1690, de quem forão padrinhos como t.tas Joseph Lopes de Barros e Domingos Guedes V..., todos desta fregª era et supra”.
Esse casal teve três filhos, que permaneceram no reino, a saber: 1. Manoel Borges (bat. 20.1.1692), foi casado com Maria Pereira; 2. Simão (bat. 1.11.1694); 3. Francisco Borges (bat. 28.2.1698), foi casado com Maria Guedes. No entanto, não sabemos informar com segurança, se esse Antônio Borges é o mesmo que, mais tarde, veio para o Piauí. Caso positivo teria ficado viúvo, pois aqui já vivia em novas núpcias com Maria de Sousa da Conceição. De toda forma, é muito tentador pensar-se positivamente, e que nosso biografado teria tidos duas núpcias, ficando os filhos do primeiro consórcio em Portugal(http://www.genearc.net/index.php?op=ZGV0YWxoZVBlc3NvYS5waHA=&id=MTMyNTE=).
Desde cedo ingressou na carreira militar, servindo inicialmente no reino. Mais tarde, foi mandado para servir no posto de capitão de infantaria das ordenanças, nas tranqueiras de Saibana, em Baçaim, hoje Vasai-Virar, porto no extremo sul de uma ilha localizada a 50km de Bombaim, no noroeste da Índia, onde, certamente, em sua carreira ultramarina enfrentou guerra na defesa dos interesses econômicos e comerciais de Portugal.
Por ato de 23 de novembro de 1701, foi promovido ao posto de coronel de ordenanças, das vilas de Santo Antônio de Itabaiana e Santo Amaro das Brotas (ou de Cutinguiba), em Sergipe del Rey, onde permaneceu por mais de uma década. Foi justificada a promoção em face de ser prático na disciplina militar e ter experiência na guerra. Em Sergipe situou fazendas, como era a praxe da época (PT/TT/RGM/B/0014. RGM, Mercês de D. Pedro II, liv. 14, fl. 1v).
Em 1712, com a idade aproximada de 44 anos, foi destacado para servir no Piauí, a fim de combater os indígenas rebelados e proteger os currais que sustentavam a economia piauiense. No entanto, somente dois anos depois, adentrou o sertão de dentro à frente de numerosa tropa, instalando-se em fazenda que fundou na ribeira do Guaribas, vale do rio Itaim, com o nome de Bocaina, hoje cidade de mesmo nome. Essa fazenda se situava entre serras assemelhadas a uma boca, onde nasce uma das vertentes do referido riacho, de onde derivou a denominação.
Com o aumento do rebanho situou outras fazendas na mesma ribeira, entre as quais: contígua àquela, uma porção de terras com cem braças de comprido e cinquenta de largura, onde possuía engenho e roças de lavoura; povoou a fazenda Sussuapara, hoje cidade de mesmo nome, com légua e meia de comprimento e uma de largura; também a fazenda do Pico, com uma légua de comprido e légua e meia de largura; por fim, o sítio Monte Alegre, com uma légua de comprido e meia de largura.
Em 1714, estava o mestre-de-campo da conquista, Bernardo de Carvalho e Aguiar enfrentando muitos trabalhos e incômodos na guerra que travava contra os indígenas rebelados. Era o conflito que ficou denominado de Levante Geral ou Revolta de Mandu Ladino. No início do levante haviam os indígenas matado seu antecessor, mestre-de-campo Antônio da Cunha Souto Maior. Então, adoecendo Bernardo de Carvalho, retirou-se para suas fazendas a fim de se refazer. Foi quando tomou conhecimento de que chegara ao Piauí, o português Antônio Borges Marim, coronel das vilas de Santo Amaro e Itabaiana. Por carta de 13 de junho daquele ano, pediu que este o acompanhasse na guerra geral e no realdeamento dos Jaicós, que haviam abandonado sua missão por influência dos rebeldes, com quem haviam se associado. Desde 1701, que esses indígenas, juntamente com os Icós, estavam aldeados no vale do rio Itaim, por ação missionária do padre Tomé de Carvalho e Silva, vigário da Mocha.
Então, reunindo trezentos homens de sua tropa e fazenda, o coronel Antônio Borges Marim seguiu ao arraial de Bernardo de Carvalho, onde uniu a estes mais 120 homens armados, que tinham por cabo o tenente-coronel Manoel Gonçalves Pimentel, moradores no distrito do Ceará, distante do dito arraial cem léguas. E, de fato, subindo Parnaíba acima deu combate a muitos indígenas revoltados e confederados, de cujo resultado fez pazes com os Jaicós, os aldeando no vale do rio Itaim, em terras dele conquistador, Antônio Borges Marim. Foi este o primeiro feito eloquente praticado por este militar em terras do Piauí. Desde então, permaneceu lutando ao lado do mestre-de-campo Bernardo de Carvalho, até a subjugação total dos indígenas rebelados, em 1717. Desta data à frente, voltou-se aos cuidados administrativos com o aldeamento N. Sra. das Mercês, dos índios Jaicós e com campanhas esporádicas contra os índios de corso. A par dessa atividade militar, dedicou-se ao apascentamento de rebanhos bovinos no vale do Guaribas e seu posterior comércio nas feiras da Bahia e Pernambuco, para onde mandava as suas boiadas, anualmente, a exemplo de outros grandes criadores desse nosso sertão (AHU. ACL. CU 009. Cx. 12. D. 1199).
Foi nessa lida na Bocaina, que viveu a última fase da maturidade e a velhice honrada, entre familiares, vaqueiros, agregados e escravos. Já em idade madura convolou segundas núpcias com a jovem Maria de Sousa da Conceição. Porém, de núpcia anterior ao menos uma filha permaneceu residindo em Sergipe del Rey, dona Catarina Borges Marim, casada que fora com o coronel do regimento da Vila Nova de Santo Antônio do Rio São Francisco, de Itabaiana e Santo Amaro da Cutinguiba, Manuel Nunes Coelho, natural de Lisboa(1681), filho de outro de mesmo nome. Mais tarde, essa filha, então viúva, iria solicitar autorização de el rei para fundar, às suas custas, em Sergipe, onde era moradora, um recolhimento para viúvas e donzelas nobres. No entanto, seu genro o acompanhou ao Piauí e em 1716, estava situando fazenda no vale do rio Itapecuru, no Maranhão, depois retornando a Sergipe, onde sucedeu o sogro no comando do regimento militar. Esse casal teve ao menos um filho, o coronel Manoel José de Vasconcelos de Figueiredo, que fora casado com dona Clara Leite de Sampaio, sendo eles pai de Manuel José Nunes Coelho de Vasconcelos e Figueiredo (em alguns documentos aparece apenas Manoel José Nunes Coelho), coronel de um dos terços de cavalaria da cidade de Sergipe del Rey. Também, o acompanhou o ajudante José Pereira de Brito e seu tio Manaoel Rodrigues de Brito, que se estabeleceram no Piauí (AHU. ACL. N-SE 376. Cx. 07. D. 18; Cx. 8. D. 13, 14 e 15. Cx. 9. D. 32; Cx. 4. D. 59).
Faleceu o coronel Antônio Borges Marim, em 1749, com cerca de 61 anos de idade, em sua fazenda Bocaina, na ribeira do Guaribas, então termo de Oeiras. Deixou viúva a sua segunda esposa, dona Maria de Sousa da Conceição e ao menos mais dois filhos: 1. Euzébio Borges Marim (nesse caso encontramos a grafia Marinho), que depois de adulto passou a morar na fazenda Guaribas, na mesma ribeira, casado com Florinda Ferreira de Jesus; 2. Antônio Borges Marim, o moço, sobre quem teceremos breves comentários; 3. Ana Borges, filha mais nova.
Depois de viúva, ainda jovem, dona Maria de Sousa da Conceição contrairia novas núpcias com Gonçalo Rodrigues de Brito, que sucederia o primeiro consorte de sua esposa na administração da fazenda Bocaina. Uma relação de todos os possuidores de terras do Piauí, elaborada em 16 de novembro de 1762, pelo conselheiro Francisco Marcelino de Gouveia, esclarece esse situação:
“Gonçalo Rodrigues de Brito, possue hua fazenda na mesma ribeyra(do Itaim, em que vão incluídas as de Guaribas e Riachão), chamada a Bocayna, com três legoas de comprimento e hua de largura, a qual possuía o coronel Antonio Borges Marim, por morte do qual pertenceo a sua mulher, que hoje é do atual possuidor”.
Também, consta no Censo Descritivo do Piauí, finalizado em 6 de junho de 1765, que naquele tempo residia na fazenda da Bocaina, a viúva Maria de Sousa com o segundo esposo Gonçalo Rodrigues e dois filhos seus, Antônio Borges Marim, o moço, e Anna Borges, acompanhados de quatro escravos, cinco escravas, a mulatinha forra Izabel e mais o casal Quitério Luciano e sua mulher Antônia de Sousa. É a população de então, na Bocaina.
Todavia, cumpre ressaltar que naquele período muitos outros desse sobrenome também residiam naquela ribeira, a saber: na fazenda Guaribas, além do citado Euzébio Borges Marim, também Adriano Borges, solteiro; Hortênsio Borges, solteiro; na fazenda do Engano, a viúva Antônia Vieira da Rocha, com os filhos Manoel e Félix Borges Leal, solteiros; a filha Leonor Borges Leal, casada com João de Aragão; o filho Francisco Borges Leal, casado com Caetana Vieira; o filho Marcolino Borges, casado com Rosa Maria da Conceição; na fazenda do Buraco, Josefa Borges leal, casada com Maximiano de Moura Fé; Mathias Borges Leal, casado com Maria de Moura Fé; e Maria Borges Leal, casada com Leonardo de Moura Fé.
No que se refere a Antônio Borges Marim, o moço, era filho desse último consórcio. Nasceu na fazenda Bocaina, em 25 de janeiro de 1745. Continuaria a carreira militar do pai, tendo assentado praça de furriel do regimento de cavalaria auxiliar da capitania. Foi promovido a quartel-mestre do mesmo regimento, em 3 de agosto de 1793. Também, desempenharia saliente papel na vida pública, tendo sido vereador de Oeiras por diversas vezes e membro de uma junta de governo do Piauí(1791). Em 27 de outubro de 1798, conseguiu por sesmaria a fazenda Bocaina, que já se achava demarcada e cuja posse houvera de herança de seu pai que a possuíra, embora sem data confirmada. A carta de sesmaria esclarece que, àquela altura, media a fazenda três léguas de comprido e uma de largo, correndo seu comprimento de norte a sul e a largura de nascente a poente, extremando para o sul com a fazenda Rodeadouro; para o norte com o lugar chamado Três Irmãos; e na largura para o nascente, com caatingas brutas; e para o poente com a fazenda da Sussuapara, na forma que se acha demarcada. Foi esse filho homônimo o sucessor do pai na posse da fazenda principal, na carreira militar, política e no prolongamento de seu nome (AHU. ACL. CU 016. Cx. 20. D. 1028; Cx. 24. D. 1252).
A nosso ver o maior legado do coronel Antônio Borges Marim, foi reforçar o contingente lusitano na colonização do Piauí, pois ao chegar possuía uma força de trezentos homens. É bem verdade que muitos desses soldados retornaram ao seu quartel em Sergipe, porém, diversos outros permaneceram com ele no vale do rio Itaim, onde chantaram a caiçara de currais e deram origem a diversas famílias, logo mais participando da fundação da vila da Mocha, hoje cidade de Oeiras e da vida pública piauiense. Antônio Borges Marim, é nome que se faz notar no processo de colonização, no combate ao elemento indígena e no assentamento da base colonial portuguesa.
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* REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Contato: [email protected]