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Tanto o insignificante quanto o extraordinário são arquitetos do mundo natural.

Carl Sagan

Ele é uma coisinha insignificante. Um quase nada. Um quase algo. Uma criaturinha difícil e desprezível. E esse é o problema: o quase. Se ele simplesmente não fosse, talvez não provocasse tantas confusões.

Como lidar com algo que quase não se vê? Como discutir com o quase imponderável? Como conhecê-lo se ele se nega a interagir? Como?

E mesmo assim sua capacidade de perturbação parece infinita. Sua existência insignificante já pôs em polvorosa o universo mais de uma vez. Leis importantes têm sido colocadas em dúvida pela simples razão de ele ser do jeito que ou como diria Bakhtin, “ele age assim porque é assim”[1].

Na primeira vez, por sua causa, a discórdia quase levou a uma ruptura que não só dividiu homens, mas também, e principalmente, ideias. Sua não- existência comprometeu o conceito fundamental de que nada se perde ou se cria, mas tudo se transforma. Essa coisinha insignificante conseguiu colocar sob suspeita uma das leis mais importantes do universo! E por causa dele o cisma foi quase completo, comprometendo, inclusive, o curso normal da história.

No entanto, graças a esse caos, a sua verdadeira natureza enfim foi descoberta. Ele não tornou essa tarefa fácil. Ao contrário. Como não desejava ser observado, escondeu-se, dificultando ainda mais o trabalho daqueles que queriam conhecê-lo. Afinal, como se pode ver algo que praticamente não interage com outros elementos do mundo material? A resposta surgiu quando se agrupou em um mesmo lugar um número enorme deles reduzindo as chances de continuarem se escondendo. Nesse momento ele não pôde mais se ocultar, sendo obrigado a assumir a sua real forma.

Viu-se, então, que a sua insignificância era maior do que se pensava. Apesar de existir em grande quantidade, não tem carga, é extremamente leve e a sua capacidade de interação é quase nula. Um estranho no ninho, dentro de um universo em perfeito equilíbrio.

De qualquer maneira, quando a sua existência foi aceita, as dúvidas sobre a “grande lei” foram em definitivo sepultadas. Ele era o elemento que faltava para que todos reconhecessem que nada se perde ou se cria, apenas se transforma. Contudo, esse quase nada ainda não tinha esgotado a sua capacidade de perturbar.

Essa coisinha insignificante conseguiu voltar ao centro de uma nova e imensa discussão. Começaram a dizer que ele poderia viajar a velocidades superiores a da luz. Pior. Afirmaram que ele foi de observado e medido. Essa afirmativa pegou a todos de surpresa e de novo o tumulto, o caos e a possibilidade da ruptura. Mais uma vez esse quase algo colocando em dúvida outra grande ideia.

Entre gritos e dedos em riste exigiram-se provas incontestáveis! O futuro de uma grande teoria estava em jogo. E o inevitável aconteceu: a possibilidade esbarrou no fato e a teoria na experiência. Cabeças rolaram e reputações ficaram comprometidas. E como da primeira vez tudo acabou ficando no terreno do pode ser.

O certo é que o “dom” desse “indivíduo” para provocar confusões é inesgotável. E voltamos a nos perguntar: como algo tão pequeno, tão absurdamente desprezível pode ser o centro de tanta desavença? Difícil de entender. No entanto, é assim que o mundo funciona, pelo menos na ciência. Pequenas coisas podem gerar grandes movimentos. Coisinhas insignificantes podem, inclusive, deslocar o universo da sua zona de conforto. E foi exatamente isso o que aconteceu, DUAS vezes. Será que no futuro ele voltará a protagonizar mais algum evento apocalíptico? Talvez. Esperemos apenas que seja mais uma forma de chamar a atenção.

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O neutrino é uma partícula subatômica sem carga elétrica e que interage com outras partículas apenas por meio da interação gravitacional e da força fraca (força que liga as partículas que contituem o átomo). A sua existência foi prevista pelo físico Wolfgang Pauli, em 1931. No entanto, ele só foi detectado 25 anos depois, em 1956, em um experimento com reatores nucleares feitos pelos físicos americanos Clyde Cowan e Frederick Reines, que deu a Reines o Prêmio Nobel de Física em 1995.

Uma investigação científica, divulgada em setembro de 2011, pelo Centro Europeu de Investigação Nuclear (CERN) questionou a Teoria da Relatividade de Einstein, ao sugerir que os neutrinos viajariam a uma velocidade superior à da luz. No experimento inicial essas partículas teriam alcançado uma velocidade 60 nanossegundos mais rápida do que a luz. Em 2012, no entanto, foi publicado um comunicado no site da revista Science, que afirmava que o resultado de setembro foi provocado por uma má conexão no cabo de fibra óptica responsável por fazer a ligação entre um GPS e um computador. Logo, os 60 nanossegundos de vantagem registrados pelos neutrinos sobre a velocidade da luz não correspondiam com a realidade. O diretor do projeto, o físico italiano Antonio Ereditato, pediu demissão.



[1] BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 190.