Elmar Carvalho

 
 
No retorno de Parnaíba, fizemos uma parada logística, perto da curva do Monumento aos Heróis do Jenipapo, mais precisamente ao lado da antiga Fazenda Nacional, e fomos degustar uma deliciosa galinha-d'angola no Rei do Capote, que retornou ao comando do Joíldo, filho do senhor Raimundo Rafael. Ao falarmos nos frutos do mar, que sempre saboreamos quando vamos ao litoral, resolvi contar um fato antigo, acontecido nos meus primeiros anos parnaibanos, na segunda metade da década de 70. Numa das primeiras vezes em que desmontei um crustáceo, numa roda de cerveja, em que discutíamos assuntos operacionais e a pauta do jornal Inovação, o Canindé Correia nos advertiu, já se precavendo contra eventuais e espertos devoradores de patolas, de que, em rodada de caranguejo, o comensal deveria desmontar e degustar o delicioso animalejo por inteiro, para só então passar a uma outra unidade. Aprendi essa antiga lição, por sinal justa, equitativa, e a respeito até hoje.
 
Um ou dois anos depois, estava eu numa outra roda desse fruto do mar, devidamente regada e cevada a cerveja, quando percebi que uma pessoa do grupo avançava, de forma desabrida e sôfrega, em direção às patas mestras do crustáceo, decepando de imediato quantas estivessem a seu alcance, sem nenhuma preocupação com justiça, equidade, proporcionalidade, ou razoabilidade, como se somente existisse a sua própria e real pessoa. Não achei certo nem correto o seu procedimento, mas fiquei quieto e calado. Na terceira fornada, uma das pessoas presentes reclamou da sofreguidão do aguerrido devorador de patolas, que não se acanhou de responder:
- Mas eu gosto é das patas grandes!
O interpelador, então, revidou, sem dó nem piedade:
- Eu também, meu querido; só que quem está pagando sou eu...
Eu, que nunca havia esquecido a sábia lição do mestre Canindé, muito menos esqueci essa severa admoestação feita ao egoísmo exacerbado de um voraz estraçalhador de apetitosas patolas.
 
Meu pai lembrou-se de um caso acontecido em Esperantina. Certo dia, uma dona de pensão levou para a mesa do almoço uma travessa de mandis cozidos, cujas suculentas cabeças são um verdadeiro manjar reservado aos deuses da gastronomia. Imediatamente, um dos hóspedes se apossou de todas as cabeças, sem a mínima cerimônia e preocupação com as demais pessoas que estavam à mesa. A dona da hospedaria ficou indignada, mas engoliu em seco e nada disse. No dia seguinte, ela perpetrou a sua vingança. Levou para a mesa uma travessa recheada de piaus, delicioso repasto, mas cujas cabeças, secas e ossudas, não despertam a menor atração. Ao colocar a travessa na mesa, em local distante do voraz devorador de cabeças de mandi, entregou-lhe um prato repleto de insípidas cabeças de piau. Dessa alegórica e exemplar anedota verídica, tiro a conclusão de que os seguintes e antigos ditados populares estão certos: a ambição vira carvão, e a esperteza, quando é demais, engole o dono. Acrescento eu: se os últimos serão os primeiros, é razoável inferir que os primeiros serão os últimos, ao menos no aspecto ético, como nos casos que contei.