Baba Iagá, personagem do conto popular russo do século XIX
Por Flávio Bittencourt Em: 17/03/2010, às 02H01
Baba Iagá, personagem do conto popular russo do século XIX
Flavia Carolinski mostrou, em dissertação mestrado, como Vladimir Propp estudou os contos sistematicamente reunidos em 8 volumes por A. N. Afanássiev.
(http://yinsights.blogspot.com/2008/09/baba-yaga-mulher-selvagem.html)
"A coletânea Contos populares russos, lançada de 1855 a 1863 em oito volumes, foi resultado do cuidadoso trabalho de Aleksandr N. Afanássiev (1826-1871), responsável pela reunião e publicação de cerca de 600 textos presentes nessa obra, que ganhou destaque por ser a primeira coletânea de contos populares russos de caráter científico, tornando-se assim um importante material de estudo, além de apresentar a poesia e o humor inerentes aos contos. Esta dissertação tem o objetivo de apresentar a trajetória desse pesquisador, que se dedicou não somente ao conto mas também a outras manifestações folclóricas, assim como traçar a evolução da presença do conto popular na vida literária e científica russa, fato que proporcionou o surgimento de diversos estudos folclorísticos, e apresentar alguns traços recorrentes do conto de magia. Para tanto, as pesquisas de Vladímir Propp, que muito se dedicou à cultura popular, em especial ao conto de magia, foram de extrema importância. Esta dissertação apresenta ainda a tradução de onze contos de magia, cujo critério de seleção foi a presença das diferentes representações do personagem folclórico Baba-Iagá, e um breve estudo dos seus traços de acordo com as teorias proppianas".
(RESUMO DA DISSERTAÇÃO DE F. CAROLINSKI;
o trabalho pode ser lido, na íntegra, em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8155/tde-12092008-170622/)
OBS. - COMO ACIMA FICA CLARO, A TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS DE ONZE CONTOS DE MAGIA NOS QUAIS BABA IAGÁ ESTÁ PRESENTE CONSTAM NA DISSERTAÇÃO DE F. CAROLINSKI.
"Baba-Yaga é uma velha, muito velha, que vive em uma cabana sobre pés-de-galinha. Ela se alimenta de ossos humanos moídos em seu pilão, mas há quem diga que também come criancinhas com seus dentes de ferro. E voa dentro de um almofariz de prata, muito veloz. Contam ainda que o rastro de cinzas que deixa pelo céu, rapidamente a danada vai apagando com sua vassoura. (...)".
(http://yinsights.blogspot.com/2008/09/baba-yaga-mulher-selvagem.html,
artigo transcrito na íntegra, adiante. "CLÃ FILHAS DA LUA publicou no blog YINSIGHTS - FEMININO ESSENCIAL EM REDE")
Para Sígrid Schermuly Santos,
Anne Caroline Mello e
à memória de Jovino Lemos,
Ubiratã de Lemos e
Nunes Pereira
17.3.2010 - Baba Iagá não nasceu no século XIX, é personagem imemorial, mas a publicação sistemática dos contos em que ela aparece aconteceu no século retrasado, graças à pachorra de A. N. Afanássiev - A excelência acadêmica da dissertação de Flavia Carolinski sobre o conto popular russo do século XIX recomenda a sua atenta leitura: folclore também é cultura! [A orientadora dessa dissertação de mestrado foi a Profª Drª Arlete Orlando Cavaliere e o trabalho foi aprovado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura Russa, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), tendo sido conferido à pesquisadora Flavia Carolinski o título de mestre, em 27.5.2008.]
LEIA A DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DE F. CAROLINSKI!
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RESUMO DA DISSERTAÇÃO
USP - Direitos autorais reservados
"Dissertação de Mestrado
Título original
Aleksandr Nikoláevitch Afanássiev e o conto popular russo
Autor
Carolinski, Flavia Cristina Moino
E-mail
[email protected]
Unidade
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH)
Área de concentração
Literatura e Cultura Russa
Orientador
¤ Cavaliere, Arlete Orlando
Banca Examinadora
¤ Cavaliere, Arlete Orlando
¤ Chnaiderman, Jerusa de Carvalho
¤ Vassina, Elena Nikolaevna
Data da Defesa
27/05/2008
Palavras-chave
¤ Aleksandr N. Afanássiev
¤ Baba-Iagá
¤ Bánia
¤ Bogatýr
¤ Conto de magia
¤ Conto popular russo (skázka)
¤ Folclore
¤ Folclorística
¤ Piétch
¤ Propp
¤ Rússia século XIX
Resumo Original
A coletânea Contos populares russos, lançada de 1855 a 1863 em oito volumes, foi resultado do cuidadoso trabalho de Aleksandr N. Afanássiev (1826-1871), responsável pela reunião e publicação de cerca de 600 textos presentes nessa obra, que ganhou destaque por ser a primeira coletânea de contos populares russos de caráter científico, tornando-se assim um importante material de estudo, além de apresentar a poesia e o humor inerentes aos contos. Esta dissertação tem o objetivo de apresentar a trajetória desse pesquisador, que se dedicou não somente ao conto mas também a outras manifestações folclóricas, assim como traçar a evolução da presença do conto popular na vida literária e científica russa, fato que proporcionou o surgimento de diversos estudos folclorísticos, e apresentar alguns traços recorrentes do conto de magia. Para tanto, as pesquisas de Vladímir Propp, que muito se dedicou à cultura popular, em especial ao conto de magia, foram de extrema importância. Esta dissertação apresenta ainda a tradução de onze contos de magia, cujo critério de seleção foi a presença das diferentes representações do personagem folclórico Baba-Iagá, e um breve estudo dos seus traços de acordo com as teorias proppianas.
Título em Inglês
Aleksandr Nikoláevitch Afanássiev and the Russian folktale
Palavras-chave em Inglês
¤ Aleksandr N. Afanássiev
¤ Baba-Iagá
¤ Bánia
¤ Bogatýr
¤ Folklore
¤ Folkloristic
¤ Piétch
¤ Propp
¤ Russian folktale (skázka)
¤ Russian XIX century
¤ Tale of magic
Resumo em Inglês
The collection Russian folktales, brought out from 1855 to 1863 in eight volumes, was the result of the careful work by Aleksandr N. Afanássiev (1826-1871), responsible for the gathering and publishing of around 600 texts in this work. Afanássiev´s work was the first Russian folktales collection with a scientific approach, it became a fundamental study material, besides presenting the tales inherent poetry and humour. This dissertation has the objective to introduce Afanássiev´s path, who devoted himself not only to the tale but also to other folklorist expressions, as well as to outline the evolution of the folktale presence in the literary and scientific Russian life, making possible the appearance of many folklorist studies. Another purpose of this work is to present some recurring traits from the tales of magic. For this intention, Vladimir Propp´s works, who dedicated a lot of his time to the popular culture, and in particular, to the tales of magic, were extremely important to us. This dissertation also presents the translation into Portuguese of eleven tales of magic, in which the selection criteria was the presence of different representations of the folktale character Baba-Iagá, of which a short assessment is made of its traits, in accordance with Propp´s theories.
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Nome
Tamanho
¤ DISSERTACAO_FLAVIA_CRISTINA_MOINO_CAROLINSKI.pdf
3.23 Mb
Data de Publicação
30/09/2008"
(http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8155/tde-12092008-170622/)
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VERBETE CONCERNENTE, da Wikipédia
"Baba Yaga
Baba Yaga é uma figura do folclore do leste europeu. É uma mulher velha e ossuda, que viaja pelos céus montada em um almofariz. Os rastros que deixa, apaga com uma vassoura. Mora em uma casa móvel, com patas de galinha, cuja fechadura é uma boca cheia de dentes. Isaac Bashevis Singer descreveu Baba Yaga com um nariz vermelho arrebitado (apesar de alguns escritores comentarem um nariz azul), com narinas largas e ardentes, olhos em chama como carvão em brasa e com cardos a sair do crânio em vez de cabelos. Singer referiu também a existencia de babas menores e de pequenos imps chamados dziads.
Ajuda os puros de coração e devora os impuros.
Originalmente concebida como uma entidade benfazeja, ao longo do tempo foram lhe atribuindo um caráter sinistro.
Referências
Isaac Bashevis Singer, Stories for Children, Joseph & Koza, pag. 146-151, Farrar, Straus and Giroux, 1991
A banda Emerson Lake & Palmer também já fez algumas menções a Baba Yaga em algumas de suas músicas, como por exemplo The Hut of Baba Yaga. No entanto, este tema é apenas uma adaptação da musica ‘A Cabana de Baba-Yaga sobre Patas de Galinha’, obra que faz parte da suite Quadros de uma Exposição, originalmente da autoria do compositor russo Modest Mussorgsky.
História
Conta a história que Baba Yaga possuia uma irmã, também bruxa, muito parecida com ela. Ela por sua vez casou-se com um poderoso comerciante da época dos czar. Ele por ser viúvo tinha uma filha e como a irmã de Baba Yaga logo pediu a menina: "Vá a casa de minha irmã e peça linha e agulha para costurar uma camisa", a menina já sabendo que a irmã de sua madrasta era bruxa visitou antes a tia, irmã de seu pai, e contou-lhe a história, sua tia apenas disse: "Quando uma arvore quiser arranhar-lhe o rosto amarre seus galhos com uma fita, quando uma maçaneta não a deixar sair unte-a com óleo, quando os cachorros raivosos correrem atrás de você jogue um pouco de pão e quando um gato tentar arrancar-lhe um olho de-lhe um pouco de presunto". Assim a menina buscou uma fita, um pouco de óleo, um pão e um pouco de presunto. Chegando a casa de Baba Yaga a garota disse que sua irmã pedira linha e agulha. "Entre" disse Baba Yaga "E começe a tecer", enquanto a menina tecia pode ouvi-la dizer a sua criada a preparar a banheira e lavar a menina pois hoje teriam janta, virou-se, viu que a menina tecia e saiu do recinto, a menina o vê-la sair foi até a criada, estendeu-lhe um lenço e disse: "Não a obedeça", virou-se ao gato, jogou-lhe o presunto e perguntou como poderia escapar, o gato satisfeito respondeu: "Pegue o pente e o pano em cima da mesa, fuja e deves em quanto cole o ouvido ao chão, quando ouvir que ela está perto jogue o pano que se transformará num rio largo e fundo, se por acaso ela conseguir passar jogue o pente e se transformará num imenso bosque, que não vai poder atravessar". Ela pergou o pente e o pano e correu em direção a porta mas esta não lhe deixava passar, então untou-a com óleo, jogou pão os cães que a perseguiam e amarrou com fita os galhos da árvore que lhe tentara arranhar. Quando Baba Yaga viu que quem tecia era o gato e não a menina enfurecida perguntou: "Seu velho guloso! Porque deixou-a escapar?" calmamente o gato respondeu: "Á muito tempo que estou contigo e não ganhei nada, a garota, por sua vez, me deu um pedaço de presunto" batendo em todos os outros que haviam, assim como o gato recebido presentes, embarcou em um almofariz e apagou seus rastros com uma vassoura. A garota ouvindo Baba Yaga chegar jogou o pano que imediatamente se transformou em um rio, Baba Yaga vendo-o buscou seus boi para que bebessem toda a água do rio, a .menina vendo de novo que ela se aproximava jogou o pente e um bosque apareceu, apesar de toda sua determinação em roer as árvores Baba Yaga teve de voltar a sua choupana em cima de patas de frango sem a menina e com fome.A menina retornando contou ao pai sobre oque sua esposa havia tentado fazer com sua adorável filhinha, este expulsou sua atual mulher de casa e após isso nunca mais se ouviu falar aonde estaria Baba Yaga.
CLÃ FILHAS DA LUA publicou no blog YINSIGHTS - FEMININO ESSENCIAL EM REDE
Caminho pela floresta
e falo intimamente com os animais
Danço descalça na chuva
Danço nua
Viajo por caminhos que eu mesma faço
e da maneira que me convém
Meus instintos e meu olfato são aguçados
Expresso livremente minha vitalidade
minha alegria pura e exuberante
para agradar a mim mesma
porque é natural
é o que tem de ser
Sou a selvagem e jubilosa energia vital
Venha e junte-se a mim
Baba-Yaga é uma velha, muito velha, que vive em uma cabana sobre pés-de-galinha. Ela se alimenta de ossos humanos moídos em seu pilão, mas há quem diga que também come criancinhas com seus dentes de ferro. E voa dentro de um almofariz de prata, muito veloz. Contam ainda que o rastro de cinzas que deixa pelo céu, rapidamente a danada vai apagando com sua vassoura. Importante figura no imaginário do povo russo, Baba-Yaga está presente em muitos contos tradicionais, no caminho de Vasilisa, a bela, ou do destemido Príncipe Ivan, como nas bilinas (narrativas em verso) de grandes poetas românticos, entre eles, Gogol, Puchkin, Liermontov. Igualmente na música clássica daquele país, alguns compositores se dedicaram a fazer-lhe um "retrato sonoro": temos três poemas orquestrais com Dargomíshky, Balakirev e Liadov; ela também aparece na suíte Quadros de uma Exposição, de Mussorgsky, e no Álbum para Crianças, de Tchaikovsky. Talvez, a primeira antologia de literatura russa de tradição oral, que o público de língua portuguesa teve acesso, fora feita por Alfredo Apell, nos idos da década de 1920. No Brasil, a bruxa aparece na história de encantamentos "A princesa-serpente", na coletânea Contos populares russos organizada por J. Vale Moutinho (Nova Crítica, 1978 e Princípio, 1990), mas coube à escritora Tatiana Belinky o resgate mais bem divulgado como literatura para crianças: a velha Yaga e a magia das skáskas (narrativas maravilhosas), estão em Sete contos russos (Companhia das Letrinhas, 1995). Mais recentemente, foram publicados, em três volumes, os Contos de fadas russos, organizados por Aleksandr Afanas'ev, a partir de 1855, com o título Narodnye russkii skazki, base destes trabalhos e outras formas adaptadas (Landy, 2002 e 2003). Clarissa Pinkola Estés, em seu livro "Mulheres que correm com lobos" faz uma re-leitura do conto de Vasalisa e Baba Yaga. Considera todos os componentes do conto como representações da psique feminina - é ÓTIMO!
Quase sempre, Baba-Yaga é a temível bruxa, a malvada, la maliarda. Às vezes, ela parece ser apenas uma grande conselheira ou a guardiã de muitos segredos, moradora da escuridão numa densa floresta. Sob esta faceta, Baba-Yaga seria assim como a representação da Mãe-Natureza, igualando-se às antigas deusas, uma divindade com poderes sobre a vida e a morte porque rico em mistérios é seu perfil. Contudo, nossa maneira apressada de encarar as realidades imaginárias acomodou-se sobre a lógica a dividir o mundo em partes e posições irreconciliáveis.
Quando se pensa em bruxas, evocam-se as fadas e uma eterna rivalidade, ou seja, a luta entre o Bem e o Mal. Ora, a designação "bruxa" dada às velhas sábias surgiu muito antes do cristianismo lançar sua caça à elas, e referia-se a uma casta de sacerdotisas de um sistema religioso antigo e diferente, com caracteres próprios ao paganismo: uma religião de culto à Terra. Durante a baixa Idade Média (até meados de 1400), as bruxas eram tidas em consideração pelos camponeses, aldeões e demais homens das vilas. A bruxaria era, para o Clero e a Coroa, uma simples superstição e, de modo algum, estava associada aos poderes do Mal.
Reconhecidamente, as velhas que prestavam serviços para toda a comunidade na condição de parteiras, curandeiras, conselheiras, eram bruxas. Acreditava-se (uma tradição que ainda hoje se mantém) que essas mulheres tinham poder e influência sobre o corpo de outras pessoas e podiam curar doenças, bem como havia a crença de que sua magia e outras formas de projeção podiam favorecer a boa colheita. Com suas ervas milagreiras, a antecipação do futuro e outras simpatias, as bruxas eram respeitadas. A Medicina era ainda uma ciência incipiente, atendendo prioritariamente às camadas mais altas da sociedade medieval, como a nobreza e o clero; mesmo assim, os resultados a que chegava eram menores e mais incertos que os milagres operados pelas velhas sábias do povo.
No entanto, com a crise que a igreja medieval enfrentou junto às classes populares, as bruxas acabariam por cair em desgraça. Política e religião uniram forças e passaram a difundir novas imagens e idéias a respeito do curandeirismo e outras superstições relacionadas às velhas. Tornaram-se agentes do Mal, foram demonizadas dentro dos tribunais, em oposição a um sistema que representava a visão do Bem. Como portadoras de uma maldição divina, as bruxas se transformaram ideologicamente em consortes do próprio Diabo — ao mesmo tempo em que, na iconografia da época, o anjo soberbo ganhava novos contornos, assemelhando-se ao traçado animalesco e profano do antigo deus Pã. Fora criado igualmente o conceito de sabá, a grande festa orgíaca em que a devassidão, a gula e a beberagem tomavam a cena, gerando terror e histerismo entre o povo. O velho conselho de uma bruxa não continha mais sabedoria, tornou-se um maledicente sussurro como um vento sequioso, frio e corruptor. E, entre os véus e alguma penumbra da fantasia, surgiram voláteis fadas, numinosas entidades, obrigando as mulheres-bruxas a esconderem-se em refúgios cada vez mais ermos.
Os contos populares de magia são pródigos nas imagens do sítio abandonado, da alta torre, do castelo debaixo da montanha ou imerso no mar, como a casa perdida no meio da floresta em que ninguém ousa penetrar. Vasilisa, a Formosa, andou e andou, e só ao entardecer do dia seguinte ela chegou à clareira onde ficava a cabana da Baba-Yaga. A cerca em volta dessa cabana era toda feita de ossos humanos, encabeçados por crânios espetados neles, com olhos humanos nas órbitas. E o trinco do portão era uma boca humana cheia de dentes aguçados. E a casinha era construída sobre grandes pés de galinha. (Belinky 1996: 25-6)
Longe do convívio humano, Baba-Yaga tem o domínio pleno e solitário da floresta, suas árvores e as sombras, revelando-se como uma das manifestações do arquétipo feminino da Grande-Mãe, com quem, em última instância, todos buscam um consolo ou ajuda. O encontro de Vasilisa com ela guarda certas semelhanças com uma versão primitiva pouco conhecida do conto de "O Chapeuzinho Vermelho", que remete não apenas a um rito de passagem, mas à transmissão de poderes da mulher velha para a jovem (Kaplan, 1997). É necessário um período de convivência naquela cabana e abandonar os temores e as curiosidades infantis, para que uma nova aprendizagem se estabeleça. É ilustrativo o diálogo com Vasilisa, a respeito dos três cavaleiros que a menina vira passar (o branco, o rubro e o preto), quando se dirigia à cabana sobre pés-de-galinha. A velha responde que eles respectivamente são "meu dia, minha tarde, minha noite". Não poderia se expressar de outra maneira, não fosse a verdadeira senhora da passagem do tempo. "Podemos chamá-la de Grande Deusa da Natureza", afirma Marie-Louise von Franz, mas "obviamente, com todos esses esqueletos em volta de sua casa, ela é também a Deusa da Morte, que é um aspecto da natureza" (1985: 208).
Baba-Yaga compreende igualmente os dois mistérios extremos da Vida, o nascimento (criação) e a morte (destruição). A Grande Mãe nem sempre é Boa Mãe. Na escala grandiosa, o seu aspecto negativo, devorador e asfixiante, denomina-se a Mãe Terrível [...] Nos mitos, aparece como a mãe devoradora que come os próprios filhos. Conhecemo-la como a cruel Mãe Natureza, que procura repossuir toda a vida — toda a civilização — com a finalidade de colocar tudo de novo dentro do ventre primevo. Como terremoto, abre literalmente o ventre para sugar o homem e suas criações de volta a si mesma. (Nichols 1995: 105)
Além de suas qualidades dóceis e férteis, o arquétipo da Grande-Mãe simboliza a destruição necessária para uma nova ordem. O sorriso malévolo de Baba-Yaga pode ser comparado com inúmeras representações de um tipo de mãe-fera, como é o caso da deusa Kali da tradição hindu. Sedenta de sangue, Kali pode surgir inesperadamente diante de seu expectador com a língua vermelha estirada para fora — antevendo o prazer da devoração.
Do bosque saiu a malvada Baba-Yaga. Viajava dentro de um almofariz e segurava na mão o pilão e a vassoura. — Cheira-me aqui a carne humana! — suspeitou a terrível bruxa. Vasilisa estava tão aterrorizada que se sentiu desmaiar. Tudo em volta era sinistro e Baba-Iaga tinha um ar ameaçador. Mas resolveu encher-se de coragem. Já que ali estava, pelos menos ia tentar a sorte e pedir ajuda àquela horrível bruxa. Assim, aproximou-se da velha, inclinou-se e disse: — Olá, avozinha! As minhas irmãs mandaram-me vir ter contigo, para te pedir lume. (Beliayeva 1995: 81)
Quando nos deparamos com o temível, ou mesmo com o nariz e as rugas de Baba-Yaga, intimamente sabemos algo de sua força e sua ancestralidade mágica. Tratá-la com respeito é o primeiro passo para conquistar respeito em troca. Quando Vasilisa encara a feiticeira com sinceridade, sem soberba ante o perigo, assegura as chances para uma cumplicidade e convivência pacífica com a velha. Não cair em sua ira devoradora significa ter acesso aos conhecimentos dessa potestade arquetípica.
Enquanto Baba-Yaga jantava, Vasilisa ficou ali perto, silenciosa. Baba-Yaga disse: "Por que é que você está me olhando sem dizer nada? Você é muda?" A menina respondeu: "Se pudesse, gostaria de lhe fazer algumas perguntas."Pergunte", disse Baba-Yaga, "mas lembre-se, nem todas as perguntas são boas. Saber demais envelhece!" (von Franz 1985: 206)
A honestidade que a busca espiritual exige de nós é ilustrada nos contos russos de iniciação sobre Baba Yaga. Baba Yaga é uma velha de aparência selvagem que mora no meio da floresta, está sempre mexendo o caldeirão e sabe de tudo. Ela assusta, pois quem a procura é obrigado a entrar na escuridão, a fazer perguntas perigosas, a deixar o mundo da lógica e do conforto.
Quando, empenhado na busca, o primeiro jovem chegou tremendo à porta de sua cabana, Baba Yaga perguntou: "Você está aqui por conta própria ou foi mandado por alguém?" Como a família do jovem apoiava sua busca, ele respondeu: "Fui mandado pelo meu pai." No mesmo instante, Baba Yaga o jogou no caldeirão e o cozinhou. A segunda pessoa a procurá-la, uma moça, viu o fogo crepitando e ouviu a risada de Baba Yaga. Novamente, Baba Yaga perguntou: "Você veio por conta própria ou foi mandada por alguém?" Essa jovem tinha ido para o bosque sozinha em busca do que encontrasse. "Vim por conta própria", respondeu ela. Baba Yaga a atirou no caldeirão e a cozinhou também.Mais tarde, um terceiro visitante, uma moça profundamente confusa diante do mundo, chegou à casa de Baba Yaga no meio da floresta. Ela viu a fumaça e percebeu o perigo. Baba Yaga a encarou: "Você veio aqui por conta própria ou foi mandada por outra pessoa?" A jovem respondeu com sinceridade: "Em parte vim por conta própria, mas em parte vim por causa de outras pessoas. Em parte vim porque você está aqui, por causa da floresta e por causa de alguma outra coisa que esqueci. E em parte nem sei por que vim." Baba Yaga ficou olhando para ela por um momento e disse: "Você serve." E a convidou para entrar na cabana.
As divindades da Lua Nova nunca nos procuram; nós é que devemos procurá-las!".
(http://yinsights.blogspot.com/2008/09/baba-yaga-mulher-selvagem.html)