A MÁSCARA E A PANDEMIA

Cunha e Silva Filho

Ainda não me acostumei com as pessoas e comigo mesmo tendo que usar as máscaras contra a Covid-19 e outros derivados e assemelhados, ou seja, tipos variados de gripes infestando todo mundo. Até em casa, por vezes usamos as máscaras.

Basta ver alguém que entre, por alguma razão do cotidiano, em meu apartamento para ficarmos  com  as mássaras nos rostos. Já faz parte desse cotidiano.  Eu fico um pouco estranho, tanto quanto o mundo atual globalizado, pessimamente neoliberal e sangrento em guerra que se está arrastando na Ucrânia sem dó nem piedade,   vendo as pessoas ainda nas ruas e em ambientes interiores com a máscara.

Me sinto surreal, pois enquanto uso a máscara, pessoas há que não a usam e de todas as idades. O uso da máscara virou um laissez-faire, cada um faz o que quer e o que não quer. E esse momento histórico mundial “estranho” pelo qual estamos passando, me parece igual. Tudo se equalizou, sobretudo nos aspectos mais perversos.

Li um artigo formidável (na acepção que ainda tem esse vocábulo, não no seu sentido etimológico) publicado por um executivo de alta experiência em jornal de larga circulação que a vida contemporânea global transformou a “exceção” (termo dele) em regra. E penso que ele tem plena razão. Seria como se ele pretendesse provar que o errado hoje é o certo. Acabou-se, pois, o que para maioria das pessoas era certo. Porém, ao mesmo tempo, instalou-se o reinado dos interditos.

As palavras hoje são “perigosas” me lembrando da Guimarães Rosa ao aludir à vida. Ao tempo que quase tudo se judicializou, tudo virou impunidade em outros domínios da vida social: a criminalidade, a polarização partidária em escala hedionda, a degeneração do tecido social, a politicalha crônica, os efeitos apocalípticos do aquecimento global, a doideira das mudanças climáticas e das características das quatro estações, as maldades globais das fake News. E de tantos outros males da (in)civilização do homem contemporâneo.

Daí o escape aos saudosismos dos mais antigos. Basta ver que, por exemplo, na  mídia social Facebook, a quantidade enorme de postagens relacionadas às coisas antigas em todas as usas manifestações culturais, sociais, no campo da arquitetura das construções, dos lugares mais belos de antigamente que, hoje, ficaram meio insossos. Pelas fotografias (adoro fotografias, sobretudo antigas) mais variadas e de extrema beleza retomamos um legado que nos compensa do presente aborrecido e sem graça.

Como, após essa breve digressão, não mudando a perspectiva desta crônica, me acostumar a não ver as pessoas, sobretudo tendo em conta os sorrisos que tanto nos agradam no ser humano na inteireza de seus rostos? E pros pretendentes a namorados? Como fica aquele primeiro instante no qual pode surgir um possível amor à primeira vista se a moça ou o moço estão mascarados?

O amor não nasce pela metade ou pela ocultação de parte do rosto humano. E a boca é parte considerável da atração física. Sem o contorno da boca no seu todo estético, fica incompleto um belo rosto abafado até um pouco abaixo dos olhos.

A máscara deve ser usada sempre até que se debele a Covid-19 e outros derivados letais. Contudo, enfatizo, como ficam estranhos, nossos rostos mascarados espalhados pelos mundo afora!

A pandemia desfigurou o mundo, infelizmente, globalizado. Não podemos nos sentir os mesmos depois desse mal universal. O número gigantesco das vítimas mexeu negativamente com todas as nossas fibras interiores, mudou muito do lado alegre da humanidade pré-pandemia. Os seres humanos não serão mais os mesmos após essa catástrofe. Será que haverá ainda tempo possível de nossa antiga alegria depois de assistirmos a tantas ausências queridas provocadas pelo vírus maldito? Não, não seremos mais os mesmos. As cicatrizes serão duradouras e irreversíveis.