[Maria do Rosário Pedreira]

Tenho a sensação de que quase toda a gente acha que os escritores lêem muito mais do que as outras pessoas. É lógico que se pense que a maioria dos escritores se apaixonou primeiro pela leitura e que foi essa paixão que, muito provavelmente, os conduziu à escrita. Mas daí a pensar-se que são os que mais lêem e que leram todos os livros fundamentais, bem... quanto a isso, já não tenho tanta certeza. Sei de leitores vorazes que paparam todos os clássicos sonantes e andam sempre actualizados sobre a literatura mundial, parecendo-me bastante mais lidos do que muitos escritores que conheço (e não estou a falar dos mais jovens), que «cumpriram» a sua quota-parte de leituras até terem começado a escrever mas depois passaram a ler apenas os grandes autores, ignorando todos os que vão aparecendo depois deles, excepto se se tornam célebres ou ganham prémios chorudos. Há, de resto, uma coisa que sempre me fez muita confusão e que tem que ver com o facto de um escritor dizer que, quando está a escrever, não lê nada (ou lê apenas jornais, revistas ou livros de receitas) para não se deixar influenciar. Até já apanhei uma vez um grande escritor a hesitar e a ficar nervoso quando lhe perguntaram o que andava a ler; permaneceu calado tanto tempo para se lembrar do título do livro que se tornou evidente que não lia nada há que tempos. Não generalizo, evidentemente, até porque sei de alguns que não adormecem sem ler umas páginas e de outros que andam tão bem informados sobre os autores novos que, de facto, os devem conhecer de ter lido, e não apenas de ter ouvido falar. Percebo também que, enquanto se está a escrever um livro, a paixão por ele deve ser tão grande que não deixa muito espaço a leituras (a não ser das páginas do próprio livro, lidas e relidas até à exaustão). Mesmo assim, tenho quase a certeza de que há gente que nunca escreveu uma linha que leu muito mais do que alguns escritores.