Cunha e Silva Filho


                     Um amigo pela Internet nos envia uma mensagem que, por sua vez, lhe tinha sido remetida por outro amigo ou amigo do amigo do amigo, do amigo do amigo etc,,  de propósito aqui imitando, sem, é claro,  qualquer efeito irônico do poema,  aquela sequência, mise-en-abyme, de orações adjetivas iniciadas  pelo pronome relatvo  "que" do poema de Drummond, "Quadrilha", num fio de comunicação  perdida na multiplicidade conseguida pelo primeiro remetente. Isso está sendo muito comum entre navegantes virtuais. Amigos meus têm-me enviado dezenas de e-mails acompanhados de um texto sobre diferentes temas que a vida oferece.
                   Para completar o prazer de ler esses textos,  os quais  podem ser de autoria anônima, ou de pensadores, filósofos, poetas, escritores, enfim, de pessoas que amam transmitir mensagens de estímulo, de conforto, de alegria, de confiança que, pelo alto significado filosófico ou cultural, ou de orientação, ou de simples sentimento ou emoção desencadeados por situações variadas da vida, no seu âmago têm unicamente o desejo de enviar mensagens que possam atingir  os corações de pedra tão comuns no mundo das relações desfibradas de hoje. 
                 Os textos, em geral bons e iluminadores, vêm com esplêndidos fundos musicais,  inebriantes, nos transportando a outros páramos, a outros mundos que não os dias rotineiros com os quais qualquer ser humano convive em grande parte de sua vida. Esse fundos musicais podem ser uma canção que há muito não escutávamos,  a qual  nos vem despertar ressonâncias de tempos e lugares díspares, indefinidas, sugestivas, sinestésicas, a  nos lembrarem  logo certas fruições dos velhos poemas simbolistas e que, pelo condão de sua emotividade ou vaguidade, têm o poder de levar-nos a doces e incontidas lágrimas.

                 Encantatória essa força resultante da palavra e do som que, bem combinadas e ainda misturadas às nossas mais íntimas vivências, produzem as lágrimas. São puras lágrimas brotando de instantes de enleio com motivações que, adormecidas, de súbito, surgem à superfície da vida exterior e nos dão algum sentido ao viver.
               Me ensinava um velho livro de canto orfeônico (do qual ainda hoje me ficou na memória esse fragmento: “Les petits chanteurs à la croix de bois” ) dos tempos ginasianos, em Teresina, que a música é “a arte de expressar nossos sentimentos por meio de sons’. Como os sentimentos são universais, por aí se entende que, ouvindo uma música cantada em língua estrangeira que não conhecemos bem ou dela nada conhecemos, e o mesmo se aplicaria a uma música orquestrada, temos a intuição de que os sons produzidos em harmonia nos comunicam conteúdos de natureza linguística. Ainda que a decodificação não seja explícita, os sons, transformados em música, nos permitem uma forma de interpretação, ainda que indefinida, da existência ou de aspectos da vida e das ações e sentimentos do homem. 
               Quando ouço algumas músicas preferidas, cantadas ou não, muitas vezes me dou conta de que lágrimas se  espalham por minha face e então sou invadido por um profundo estado de emoção diante do drama da existência, da natureza e de tudo que existe na face da Terra.
               A música, a palavra e a paisagem ( a natureza viva ou mesmo  cenográfica,coreográfica ou pictórica, cinematográfica, não importa) possuem essa potência irradiadora dos sentimentos humanos, sobretudo de um dos mais caros a nós - o amor. Este, irmanado à palavra e à imagem, é capaz de, a qualquer momento, enlevar o indivíduo com elas sintonizado, a recapturar situações distantes no tempo e no espaço, a preencher pedaços da vida estilhaçados pelo tempo e pela memória.
            Neste processo de apreensão do vivido ou sentido, do que foi experimentado pela visão e compreensão do visto no mundo empírico ou referencial, ou do visto e sentido pela imaginação da arte, seja ficcional, seja dramática, seja musical, seja da dança, da pintura,  da escultura,  da fotografia, do cinema, não importando que formas possam ter todas essas expressões artísticas, novas, ou passadas ou mesmo revolucionárias, se opera, não diria simplesmente o “milagre’ da compreensão do sentimento amoroso, mas toda a gama dos sentimentos positivos manifestados e fruídos pela alma humana.