Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prêmio pretendia.
 
Os dias na esperança de um só dia
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel, lhe dava Lia.
 
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assi negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: -- Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida.

A arte deste soneto de Camôes está em que conta uma estória do princípio ao fim sem deixar
de ser soneto, isto é, sem afastar-se do gênero e tornar-se uma simples narrativa em versos.
A primeira estrofe é dominada pelo "servir", que se repete três vezes, e também significava
viver como servo e então estar preso, apaixonado. A segunda estrofe é o lugar do tempo, dos
dias, do passar dos anos. A terceira é a do engano: não podia o pai fazer casar a mais nova
sem primeiro encaminhar a mais velha. A última estrofe é dominada pela vida.