A estética do Logo agora
Em: 14/07/2010, às 17H29
Bráulio Tavares
O romance folhetim, cuja encarnação eletrônica de hoje é a telenovela, tem uma estética própria, baseada numa fascinante concepção do mundo. O folhetim joga alternadamente com a surpresa e a fatalidade, com o altamente improvável e o fatalmente inevitável, com o Acaso e o Destino. Comentando o conto de Jorge Luís Borges “A Loteria de Babilônia”, Stanislaw Lem observou certa vez: “Borges contrasta duas explicações do universo que são mutuamente excludentes: a sorte estatística e o determinismo total. Usualmente consideramos incompatíveis estas duas noções. Borges fala de um mundo cujo sistema se baseia numa loteria, e reconcilia duas explicações cosmológicas sem destruir as bases lógica de cada sistema”. De fato, no conto de Borges existe uma Companhia secreta e onipotente patrocinando uma loteria permanente, que distribui prêmios e castigos aos habitantes, seguindo um sistema cada vez mais complexo e abrangente. A Companhia interfere a tal ponto na vida cotidiana do povo que qualquer fato, por mais insignificante, pode ser consequência de uma ação dela, e mesmo quando um indivíduo toma uma decisão e pratica um ato qualquer não tem certeza se isto não lhe foi induzido pela Companhia.
O folhetim é a mesma coisa. Por isso é o reino da coincidência, do “deus ex machina”, das soluções artificiais para problemas dramatúrgicos. No folhetim, o autor é, mais do que em qualquer outro gênero, um Deus Caprichoso, faz o que lhe dá na telha, sem obedecer a nenhuma regra auto-imposta a não ser suas próprias venetas e sua própria necessidade de improvisar o tempo todo para que a história caminhe.
Isto me veio à mente ao ver na TV uma chamada para esta nova novela da Globo, Passione, em que Fernanda Montenegro, no papel de uma dama de negócios, recebe um recado urgente qualquer e exclama, contrariada: “Mas logo agora!” Esta é a exclamação típica da pessoa que se vê, de súbito, posta numa encruzilhada por dois fatos imprevistos, e precisa fazer uma escolha, tomar uma decisão (geralmente sem muito tempo para ficar ponderando). “Logo agora”, em termos narrativos, significa que o personagem não esperava aquilo, não contava com aquilo, não está nem um pouco confortável com esse fato caído do céu sobre o seu colo. Para ele, muitas vezes, é uma surpresa total. Geralmente não o é para o espectador, que está acompanhando as diversas subtramas do enredo e sabe que mais cedo ou mais tarde Fulano iria receber aquela notícia.
O folhetim requer complexidade (várias histórias entrelaçadas acontecendo ao mesmo tempo, e interferindo umas nas outras) e requer também que o espectador esteja na posição de um Deus intermediário, capaz de olhar do alto tudo que acontece com aquelas pessoas, capaz de saber mais sobre o que ocorre na vida delas do que qualquer uma delas. Acima dele, claro, está o último Deus, que é o Autor, ou A Companhia.