Diego Mende Sousa e Jailson Júnior
Diego Mende Sousa e Jailson Júnior

VISÕES DO INEXORÁVEL:

A COR, O TEMPO, O RIO E A SAUDADE EM ROSA NUMINOSA

 

Por Jailson Júnior

 

 

             O mais novo triunfo poético de Diego Mendes Sousa, a obra Rosa numinosa (2022) traz a qualidade literária já sabida e percebida da vasta produção do poeta, profundo leitor e conhecedor das técnicas de costura de poemas perfuro-cortantes e agudos.

            A qualidade gráfica do material impressiona. Impressa em Papel Pólen, motivo de gratidão para a visão de quem irá ler, o amarelo da folha deixa ainda mais no ar o clima invernoso e fulcral da obra, que também é viva e pulsante, além das primorosas ilustrações feitas de forma exclusiva pelas mãos do talentoso Paulo Moura. A capa, também de Moura, torna suspeita a avaliação feita pelos amantes das artes plásticas, com flores produzidas por golpes precisos de pincel onde predominam tons de azul, vermelho e verde.

            A obra é idílica por excelência, ambienta o leitor no centro do fazer poético, e em força centrípeta, suga-o para o complexo total de vozes possíveis, criadas a partir da ânsia do poeta em expulsar de si a explosão de imagens metafóricas, que, de pronto, informam que não bastará ali um mero passar de olhos aligeirados.

            Não é uma relação diplomática. Diego derrama em cima do leitor, de maneira sumária, todo o seu imaginário de cenas e jogos de luzes verdes, vermelhas, brancas, azuis, fúcsias e violetas. Conta com prefácio de Clauder Arcanjo e com apresentação de Noélia Ribeiro. Nas orelhas, as precisas definições de Roberto Nogueira Ferreira e de Ronaldo Costa Fernandes traduzem o caráter anímico e definidor de Rosa numinosa, havendo ainda os comentários precisos de Yeda Prates Bernis, Nélida Piñon, José Francisco Paes Landim e Dimas Macedo.

            Na “Gestas das ruínas e dos telhados tostados” predomina o nostálgico, o impressionismo, o desespero, o passado. Na segunda parte, denominada “Andilhas surradas” - místico, o desencanto do poeta se evidencia quando cita o derramamento de óleo no litoral brasileiro, que atingiu até mesmo o Delta do Parnaíba, além do fatídico Coronavírus (título de um dos poemas), e Isolamento (título de outra das produções). Os versos repetidos e similares, presentes em boa parte dos poemas dessa seção, levam ao leitor uma sensação irrequieta, dolorosa, como um perturbador tritono que teima em causar incômodo – pertinentemente.

            Já em “Alba da alma dispersa” – mítico, Diego resgata suas lembranças na busca de remontar um passado já longe, ofício de um exilado que sente saudade de sua taba, desnudando-se em miúdos, expondo um poeta nublado, caminhando por veredas neblinosas e ininteligíveis, parte indissociável de um versificador mundano.

            O derradeiro opus contido na obra, intitulado “Salmos à gleba das carnaúbas” – telúrico, expõe uma visão lateral, otimista, explorando as cores quentes, as cenas pitorescas e únicas de um escondido litoral, descritas pelo poeta, igualmente litorâneo. Diego navega com o poema Delta adentro, praia adentro, voando com os guarás, aterrissando na copa dos carnaubais, vista de seu solar. Assiste ao longitudinal de tudo pelas janelas de Dona Auta, e brinca, em cenas sobrepostas, como também fez Humberto de Campos, lapidando em pedra o orgulho do ser piauiense, tamborilando a madeira da canoa, viajando rio afora.

            Parafraseando o próprio Diego Mendes Sousa, “os poetas são os guardiões das suas cidades”, porque não permitem que as esqueçam, permanecendo imanentes, e depois do fim, numinosas. A Rosa de Drummond, de Neruda, de Lêdo Ivo, de Vinicius de Moraes, dentre outros, como Lorca e Eliot, também é hoje a de Diego Mendes Sousa, que transcende o objeto, sendo essência etérea. Como um bastão, passado por herança, o poeta recebe a chave da sua cidade em formato de flor, permanecendo nessa missão, ao mesmo tempo humana e transcendente.

 

Ensaio de Jailson Júnior, poeta e crítico.

Texto publicado orginalmente no jornal Norte do Piauí, veiculado na Parnaíba, litoral do Piauí, em junho de 2022.