[Maria do Rosário Pedreira]

No último fim-de-semana, fui ao lançamento do novo livro de poesia de Filipa Leal, que conheci há muitos anos no Porto, quando era a responsável pelo caderno semanal de cultura do Primeiro de Janeiro e, ao mesmo tempo, dizia poemas dos outros nas Quintas de Leitura. Depois disso, ela já publicou vários livros de poemas, todos na Deriva Editores, cujo esforço para manter disponível a obra desta e de outros poetas é francamente louvável. Mas Vale Formoso – assim se chama a obra lançada no último sábado – é uma maravilha rara e imperdível. Trata-se de um longo poema sobre um amor que não chegou a ser, um «equívoco», como a própria autora o descreve no final do seu livro. É, mesmo assim, um dos mais belos «equívocos» da história da poesia recente, que decorre inteiramente neste vale inventado – formoso, pois claro – aonde chegam visitas, mas nenhuma delas a desejada. Na apresentação, que foi de Mega Ferreira, a leitura de Filipa Leal e Pedro Lamares foi tão bonita que me chegaram as lágrimas aos olhos e, confesso, tive ciúmes por não ter sido minha a ideia de construir um lugar assim, atravessando todo o livro e dando-lhe uma unidade que é uma das coisas que mais aprecio nos volumes de poesia. Só para vos dar um cheirinho, deixo aqui, como não quer a coisa, um dos poemas. Para lerem os restantes (melhor dito, o resto do poema), procurem o livro. Não é só a autora que merece, somos nós que merecemos.

 

Apareceu para jantar no Vale Formoso um pianista.

O pianista trazia a mulher pianista, o filho

que preferia jogar às cartas, e um grande saco de maçãs.

 

À refeição, servida no alpendre, contou que vivia no campo

e que procurava em Lisboa uma casa onde coubesse

com a sua mulher, o filho de ambos, e três pianos.

 

Fiquei preocupada com a família do pianista

– eram três –

e com a família de pianos

– eram três –

e pareceu-me melhor avisá-los de que seria difícil encontrar

uma casa onde coubesse tudo aquilo

e a macieira.