VERDADE E PÓS-VERDADE NA POLÍTICA COM REFLEXOS NAS MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS E CULTURAIS

Cunha e Silva Filho

Estamos no século XXI e, já nesses quase vinte e cinco  anos, sentimos o preço alto de seus acontecimentos catastróficos e de seus paradoxos, não só no chamado campo da realidade empírica, na qual vivemos bem ou mal, mas da mentira em forma de deformação da verdade, de opiniões relativizadas e das “verdades” chegadas a nós pelos meios de comunicação de massa. Ora, num mundo tumultuado, violento, bárbaro e indiferente pelos valores do espírito –ausência de valores humanísticos - toda essa desarticulação do equilíbrio lógico-racional se desmorona e nos atordoa a todos espantados que ficamos com tanta desordem e caos instalados nas sociedades ditas civilizadas, nas quais o termo “civilização” já não vale um vintém furado diante das fragmentações do tecido social.

Clivados em tribos diferentes com pensamentos opostos, entre estagnação cristalizada e desejos insopitáveis de mudanças em todos os níveis da convivência dos seres, somos, agora, surpreendidos, no campo da informação do espaço político, sobretudo originário da eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA, dos fatos que a precederam e da sua plataforma de campanha recheada de promessas heterodoxas, algumas de natureza estapafúrdia só causando mais tumultos logo no início de seu mandato, acrescidas de novas formas de relações diplomáticas com a Rússia. Se isso tudo, de alguma maneira, ajudou Trump a colimar sua vitória, não sabemos com certeza. Porém, o fracasso de Hilary Clinton, em parte, se deveu, entre outros motivos, à chamada contrainformação, a fatos reais ou manipulados que deixaram a candidata abalada junto a seus eleitores, pois as informações referiam a dados secretos governamentais que Hilary não podia armazenar em seus e-mails de maneira privada.

É nesse ponto que entra em cena uma palavra nova que logo adquiriu e se tornou moeda corrente no mundo da informação, a “pós-verdade,” a qual tem, como expressão semanticamente aproximada, a expressão “fatos alternativos.” Ora, se a busca da verdade que é uma atitude natural de cada ser humano é complexa e depende de tantas correntes do pensamento filosófico, imagine-se a mera verdade relativa aos acontecimentos e aos fatos da política internacional ou nacional, porquanto o nosso país já vem também atuando em cima desse conceito meio difuso e, muitas vezes, comprometedor no relacionamento das sociedades de alta complexidade do nosso apocalíptico século, onde fatos, imagens, versões e mensagens se nulificam diante de fatos, imagens, versões e mensagens expondo o mesmo conteúdo, porém se lhes opondo vertiginosamente e com a mesma força destruidora.

O perigo é que as repercussões dessas lorotas da “pós-verdade” ou dos “fatos alternativos, com narrativas(que termo esquisito para significar alguma coisa, Tudo ´hoje é “narrativa,” um vai imitando o outro no seu discurso o modernosos oral ou escrito como moeda corrente todas as escolaridades de nossa pais, Ufa!) Quanta banalização e homogeneidade linguística diante dos acontecimentos, bons ou ruins, mais estes do que aqueles.) enganosas, podem ser consideradas pelos incautos e ingênuos como verdades comprovadas. Desse modo, o discurso de um presidente que se utiliza desses artifícios passa a ser uma contrafação, um simulacro.

Da mesma maneira, por exemplo, nos chamados editoriais ou mesmo matérias de jornalismo, dependendo das suas linhas ideológicas, podem também ser arrolados como exemplos de pós-verdades. E, lamentavelmente, há seguidores contumazes, com boa ou ótima formação acadêmica que só acreditam naqueles jornais, revistas, publicações que julgam dizerem a verdade. Os outros são mentirosas e tendenciosos.

Num impasse dessa envergadura, ficam os leitores em geral, sobretudo médios ou de pouca instrução inteiramente confusos, enquanto outros indivíduos tomam o partido a favor ou contra determinadas situações no caso, da política e da realidade de cada país. Obviamente, a pós-verdade não é algo tão novo assim. Sob outros roupagens já foi praticada no passado, em nosso país e em outros países, quer democratas, quer ditatoriais.

Por exemplo, os entreveros entre partidos políticos diametralmente opostos em sua visão ideológico-partidária davam ensejo à crença de que uns detinham as verdades sobre governança e poder, enquanto os adversários ideológicos reivindicam para si serem donos da verdade. Os estudos de filosofia, com todas limitações que possam ter, seriam a melhor forma de preparar o indivíduo na busca da verdade.

Conforme já se manifestaram analistas da pós-verdade, não é gratuito o fato de que algumas obras como O admirável mundo novo, de Aldous Huxley (1894-1963) e 1984, de George Orwell (1903-1950), ganham nova relevância e interesse do leitor de hoje. Outros autores, conforme assinala o jornalista Bolívar Torres no artigo “Literatura de ilusão” (O Globo, Segundo Caderno, p. 05, 18/02/2017), escreveram nessa mesma vertente de ficção distópica, como Margaret Atwood, Stephen King, Erick Larsen, Evegueny Zamiantin e Ursula K. Lei Guin, segundo li

São conhecidas como obras literárias distópicas, ou seja, obras que, até podendo estar falando do presente, se projetam ao futuro e têm traços do convívios sociais ou não ostensivamente controladores, totalitários avessos, assim, à verdade, à lógica, ao raciocínio, ademais, usando, no caso de Orwell em 1984, uma língua própria, a novilíngua, engenhosamente inventada na narrativa(eu mesmo me deixei influenciar por esse lexema detestável por usado abusivamente só par virar aldeia global), cujo característica mais marcante é impedir que o indivíduo pense por si mesmo e tenha pontos de vista autônomos, tudo sob o jugo da linguagem. São dois livros que abordam mundos futuros imaginários, nos quais o indivíduo perde toda a sua capacidade de racionar por si, sendo todos controlados por Big Brothers de matiz totalitário.

É bem verdade que as conquistas do espaço virtual com o advento da Internet, do Google, este verdadeira enciclopédia planetária, e das redes sociais, tornaram a comunicação entre pessoas em escala global e essa revolução, no campo vastíssimo da informação, remodelou também os paradigmas e os recursos e meios de trocas de informações que, se não forem filtradas pelo usuário com competência, podem servir igualmente de ferramentas que, mal usadas, distorcem fatos, notícias e contextos culturais, políticos e ideológicos.

Nessa mesma linha de raciocínio, podemos invocar o exemplo do regime nazista implantado por Hitler com influência tão poderosa que capturaram a simpatia da maioria dos alemães e foram responsáveis pelo extermínio dos judeus, cuja fase mais perversa ficou conhecida por Holocausto.

A verdade que nós buscamos não pode estar submissa a facciosismos ideológicos que não resistem a nenhuma crítica mais criteriosa, seja da esquerda, seja da direita ou da extrema-direita, ou de outra natureza ideológica. Enquanto houver extrema divergência entre sistemas políticos, dificilmente se poderá vislumbrar uma aproximação com a verdade pura, estreme e isenta. Da mesma forma, não poderá se praticar democracia quando o sistema de governo se diz democrático, mas, na práxis, age por imposições discricionários ainda que sob a capa de representatividade institucional.

Veja-se como se comportam os porta-vozes dos governos instalados no poder ainda que ditos democráticos: as informações transmitidas nem sempre condizem com a verdade dos fatos. As narrativas (meu Deus, esta palavra já se tornou, por assim dizer, uma perseguição linguística com consequências calamitosos na minha cabeça já bombardeada de fake news repassadasa quem recebe as notícias as quais poderão ser ou são repudiadas ou acolhidas, de acordo com os princípios formados pelos indivíduos em matéria de política. Quer dizer, podem-se transmitir versões, mentirosas, opiniáticas que são, enfatizamos, aceitas como verdades ou recusadas como mentiras. Todo mundo louco, diria um canção popular.

Há pouco tempo, assisti a um vídeo em que um jornalista português entrevistava o ditador Bashar al-Assad no seu gabinete. Para quem não conhece o histórico da atuação de Assad, o seu depoimento, feito com voz tranquila e semblante simpático, parecia estar diante de nós um homem defensor dos oprimidos e da justiça e bem-estar de seu país. Melhor exemplo para ilustrar a pós-verdade é difícil de encontrar.

De outra parte, no mundo contemporâneo, fica mais árdua a tarefa de se distinguir a verdade da mentira. Os jornais, as revistas, os marqueteiros, os propagandistas estão aí para orientarem verdades para uns e mentiras para outros, de tal sorte que quem perde é a credibilidade dos sistemas de informações, os leitores e a sociedade.

Se no mundo da realidade referencial somos vítimas de logro público ou privado que se espalha como vírus destruidores da ordem democrática e da paz entre as nações, o seu efeito se refletirá claramente no domínio das artes, de forma mais intensa ou menos intensa, de acordo com o tipo ou o gênero das obras. Só que, no domínio artístico, malgrado sofrendo influências das ambiguidades e enganos do mundo contemporâneo, fará disseminar outros distopias que se adequem aos tempos modernos, tanto quanto a visão do mundo criado pelos artefatos fake, pela mentalidade apressada e extremamente individualista das sociedades hoje hegemônicas, via Estados Unidos sobretudo. A compreensão mais profunda dos embricamentos entre pós-verdades e artes ainda está a merecer formas diferentes de debates tanto a partir do agora quanto dos anos que virão. Necessariamente serão debates multidisciplinares dado o amplíssimo espectro que nos oferece o momento presente de um mundo cada vez mais complicado e difuso.

Diante das empulhações que se disseminam no campo político tanto nos EUA (onde Trump se tem revelado o principal paradigma da pós-verdade) quanto no Brasil (aqui com as investigações da Polícia Federal em busca da verdade dos fatos a fim de punir os culpados das inúmeras práticas de deslavada corrupção ativa e passiva contra o patrimônio público brasileiro, tipificadas desde o Escândalo do Mensalão, no governo Lula até o Escândalo do Petrolão e outros tipos de corrupção que tomou conta do governo federal durante a administração de Dilma Rousseff e respingando em novas corrupções praticadas por alguns governos estaduais e empresariado, cujo exemplo mais escabroso culminou com a prisão do ex-governador Sérgio Cabral e do empresário Eike Batista.

A Operação Lava-Jato, em virtude dos indivíduos implicados em desvios do dinheiro público, nos crimes de propinas, de lavagem de dinheiro e de formação de quadrilhas, podia ser uma espécie de batalha travada contra comportamentos de ações de ilicitudes de políticos e de altos dirigentes de estatais que recorreram à prática da “pós-verdade” ao negarem fazer parte dos vários esquemas de corrupção, alguns dos quais já transformados em réus pela Justiça. A continuarem as investigações da Lava-Jato seguramente novos denúncias surgirão com mais indivíduos implicados nos crimes de colarinho branco.

(Republicado com atualização ortográfica e revisão de texto.)