VENDENDO A SORTE
Por Antônio Francisco Sousa Em: 02/09/2013, às 08H46
Gastara – ou será que investira? - trinta reais nas loterias da caixa econômica federal. Ia já chegando a seu local de trabalho quando cruzou com alguém que o viu com as cartelas nas mãos e se espantou. Puxa vida, disse o sujeito, olhando para seus jogos. A essa hora, acho que não vai dar para fazer minha fezinha; e o diacho é que há tanta grana acumulada.
Ele, cujos números jogava havia muito tempo, resolveu brincar com o descuidado cidadão: se me dessem dez mil reais por estas apostas eu abriria mão dos trinta milhões da Mega Sena e dos quatorze da Lotomania. Faria isso mesmo, perguntou-lhe o homem? Sim, faria. Então, vamos fazer negócio. Você sempre joga os mesmos números? Como adivinhou? Preste atenção: se me der sua palavra, assinando nesta folha em branco – que arrancou da agenda -, afirmando que desiste deles, somente para os sorteios apostados, dou-lhe os dez mil reais e fico com suas apostas.
Tremeu na base. E aí? Vendia ou não sua sorte? Nove mil, novecentos e setenta reais de lucro, e ainda poderia jogar uma bolada na Quina, acumulada em seis milhões. Parecia um bom negócio. Não, se comparado ao que poderia ganhar, entre trinta e quarenta e quatro milhões, ou mais, considerando-se a Quina. Dúvida cruel. E aquele sujeito que aparecera do nada para tentá-lo. Seria coisa do capeta? E se fosse Deus, mandando-lhe um aviso? Mas sempre lhe disseram que o Todo-Poderoso não se mete em jogo, quanto menos de azar. Era artimanha do diabo, do tinhoso.
Vamos ou não fazer negócio, companheiro? Desafiou-lhe o comprador. Pensou: esse indivíduo ou é louco, ou é muito mais jogador do que eu. Será que vai ter mesmo coragem de comprar minhas apostas? Continuou o apostador: jogaria algo em torno de dez mil reais. Teoricamente, teria milhares de vezes mais de possibilidades de ganhar, em relação a quem joga trinta reais, concorda? Quem lhe disse que jogara trinta reais? Encafifou-se. Em seguida, decidiu-se: passe-me os dez mil reais e o documento para assinar. Dinheiro na mão, brincou um pouco com o comprador, desejando-lhe sorte, mas não muita.
Concluída a transação, estranhamente, não ficou alegre com o negócio. Será que ainda daria tempo de apostar na Quina? Não estaria sendo desonesto, já que não vendera os números com os quais costumava apostar nela. Não, melhor aproveitar seu dia de sorte e economizar os nove reais dos três jogos: duas cervejas geladinhas.
Resolveu não acompanhar pela internet os resultados dos sorteios da Mega Sena nem da Quina, daquele dia. Amanhã passaria na lotérica e os pegaria, só para ter certeza da sorte que tivera ao vender seus bilhetes àquele desconhecido.
Dia seguinte. Entrava ou não na casa lotérica em que, quase sempre, fazia os joguinhos, que, financeiramente, jamais lhe haviam dado qualquer retorno? Não entrou.
Na empresa onde trabalhava, amigos conversavam dizendo que a cidade ganhara dois novos milionários: um da Mega Sena e outro da Quina. Se estivesse de pé, teria caído. Deixa de bobagem, rapaz, dizia de si para si mesmo: você joga esses números há anos, por que, logo agora, os danados seriam sorteados? E o pior: depois de vendê-los a um estranho e de nem apostar na Quina? Deixar para lá não podia, de tão tenso. Os colegas perceberam sua apreensão e quiseram saber o motivo de tanto nervosismo. Contou-lhes o que acontecera. Silêncio avassalador. Será que o sujeito faturara os trinta milhões com seus números? Lotomania seria naquele dia, e se o danado ganhasse de novo?
Decidiu-se; afinal, era ou não um homem? Passaria logo mais, não na casa lotérica sua conhecida, mas em outra, onde pegaria o resultado dos jogos negociados, e acabaria com sua preocupação. Resultados na mão, conferiu-os e viu que a Mega Sena saíra, de fato, para os números em que sempre jogava, e a Quina, cujo jogo não fizera, também sorteara seus números. Os companheiros assustaram-se com aquele berro enlouquecedor. Era sesta de almoço, e os colegas, acordados, jogavam paciência em seus computadores. Justificou-se dizendo que sonhara ter vendido para um desconhecido os números que apostava na Mega sena e na Lotomania e o sujeito ganhara, de cara, a Mega milionária e ainda concorria ao próximo sorteio da Lotomania; não bastasse isso, deixara de jogar na Quina acumulada e dera seus números. Sorte que tudo não passara de um pesadelo.
Apanhou, na gaveta, os cartões da Mega Sena, Lotomania e da Quina e constatou que os números do sonho eram outros. E aí, trocava ou não seus velhos e conhecidos números, pelos sonhados?
Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal ([email protected])