VALE A PENA ESCREVER?

                                                                  Cunha e Silva Filho

                   Até hoje, não sei ao certo (quem há de?) se todo esse esforço de quem escreve serve para alguma coisa. Naturalmente,  estou falando  da escrita  literária em qualquer gênero.

                   Mundo cansado,  pessoas cansadas, tudo leva ao cansaço, inclusive  do tédio da vida  que se enche cada vez mais  das imperfeições    inerentes  à condição   existencial. Olho ao meu redor. O que vejo ou escuto: a falência  de quase tudo que faria da vida  uma porta do paraíso: guerrilhas no Oriente,  terremotos,  matanças covardes,  sistema  econômico-financeiro  sobre o qual sempre  paira uma ameaça de  piora, de estado de  incerteza, de ansiedade entre quem compra e quem vende. E mais e mais:  inversão de valores,  domínio do ter  sobre o ser – velha questão filosófica da humanidade -  ainda  decisiva  em tempos atuais.

O saldo das notícias  boas é bem desproporcional em relação ao  gigantismo das   notícias ruins. Assim, descubro  algo que  não me é  nada agradável constatar:  o viver  passou para algumas pessoas a ser   uma  espécie de fardo que nem as auto-ajudas ou análises   de diferentes correntes psicanalistas conseguem amenizar, nem mesmo  as religiões  ou a ausência delas. Nesse estado de consciência   pessoal, pois é bem   provável que  esteja   acometendo  uma fatia  menor  de indivíduos, o ser em agonia  encaminha-se inexoravelmente para a solidão,  o  “emparedamento” e aí a solidão  se torna pouco  propícia ao desejo  da criação,  da invenção, da  produção  nos diversos  campos  da inteligência, sobretudo   no domínio  estetico.

Sabemos que a criação artística tanto  pode  se originar  do sofrimento quanto  da felicidade. Porém, há outros componentes que afastam estas duas possibilidades e, ao afastá-las, as impedem de  amadurecer, o que seria  o estágio  próximo  de sua transformação em obra  literária. Assim como há  outras atitudes de artistas, seja de que ramo artístico for, de, num ponto  determinado de sua carreira,  apenas  confessar simplesmente, como  o fez   uma  escritora norte-americana: “ “Cheguei  à conclusão de  que  a vida é mais importante do que havia  pensado    que a arte fosse. Se a arte me tomou tanto tempo, sinto que a  vida é melhor, é tudo que me importa  agora”. Desta forma, abandonou  em definitivo  sua carreira de grande escritora.

No Brasil, há o caso de Radauan Nassar, autor de talento com o seu romance Lavoura arcaica, que  deixou  a literatura para se dedicar a uma atividade prática. Há outros exemplos  semelhantes ao dele, como  há também  autores que, só longo tempo depois, já aposentados,  resolvem  escrever alguma  obra.

Continuar escrevendo ou deixar de fazê-lo, ficaria,  assim,  dependendo  de uma  decisão  íntima, até inexplicável ou inconfessável. Entendo que o ato da  escrita só vale a pena  na medida em que essa atividade  dê prazer  ao leitor ou o faça  pensar melhor, ou lhe abra   caminhos  de um consciência  crítica que   ao mesmo   tempo seja   acompanhada de cumplicidade  com  essa ação  persuasiva,  ou seja,  escrever algo  que mereça  esse empenho.

Escrever  é o ato mais  pessoal  que possa haver entre a pessoa do escritor e o público que o lê. Ato, portanto,  de exposição,  de  desnudamento em certos sentidos. Nunca, no entanto,  pode ser meramente gratuito,  narcisista,  auto-centrado. Ao contrário,  a escrita  é um fenômeno   que se produz  e carrega em si  um elemento  fundamental  - o desejo de ser aceito, de  ser julgado honestamente, sem o qual  sua importância   se esvazia. É da aceitação, do feedback, do estímulo que vive  o escritor. Não haveria   escritor  que  não desse  atenção  a esse elemento ainda quando    o artista da palavra seja  um ser  em desespero material ou  espiritualmente   considerado.

A escrita, e aqui aludo à de natureza ficcional, necessita  desse  estado  permanente de  transmitir mensagens, quer através de suas  visões da existência proporcionada pela narrativa ( o mundo e tudo  o que o cerca e dele faz parte, o Cosmos), quer pelo   mergulho denso no mundo interior e exterior  dos seus personae, quer, enfim,  de  também  sentir  as pulsações (tão necessárias)  do leitores. A recepção  lhe é  vital. Essa vitalidade  vem justamente  das ressonâncias  positivas  do leitor.  

Não existe  escritor que escreva para si  mesmo. O ato da criação artística é essencialmente   social,  interativo,  gregário naquele sentido de que  o fenômeno  estético   opera num espaço  comunicativo   regido pela transitividade,  espaço  de interlocução  que  não sobrevive   pela recusa   do agente criador diante  da vontade soberana  da  comunhão com o leitor.   

Os casos de escritores que não  são dados  à publicidade   são raros e se tornam até  matéria de excentricidades. O ato apenas da escrita pressupõe a lógica  do diálogo e da mencionada  transitividade. A validade da escrita, todavia,  sua continuidade  ou sua   interrupção muitas vezes  escapam ao nosso entendimento. Ficará pertencendo aos arcanos insondáveis somente acessíveis  ao autor da escrita que se despediu dos leitores.